Governo erra projeção de retomada e deixa informal sem auxílio emergencial
Em 2020, o auxílio representou um gasto de R$ 293 bilhões. A expectativa é uma renovação com gasto de até R$ 50 bilhões em 2021
O erro nas projeções do governo federal em relação à evolução da pandemia e à recuperação da economia no início de 2021 deixou a maioria dos trabalhadores informais sem uma política pública de apoio, o que já resultou em aumento da pobreza e queda na renda e no consumo das famílias.
A reversão desse quadro, ainda que parcial, depende agora da aprovação de uma nova rodada de pagamento do auxílio emergencial, mesmo que em valores menores e para um número mais restrito de pessoas. Algo que não ocorrerá antes de março, deixando um buraco de ao menos dois meses na renda das famílias.
Quando elaborou a proposta de Orçamento para 2021, o Ministério da Economia avaliou que a recuperação da atividade e a queda no número de casos verificados no segundo semestre do ano passado eram uma tendência que seria mantida neste início de ano. Por isso, não colocou previsão de novas medidas de estímulo na proposta enviada ao Congresso.
Mesmo com a reversão desse quadro favorável, a partir de dezembro, manteve as afirmações de que não haveria necessi dade do benefício para impulsionar a economia, pois o emprego já estava voltando, algo que não se confirmou. Somente após pressão do Congresso, iniciou as discussões para recriar o programa.
Em 2020, o auxílio representou um gasto de R$ 293 bilhões. A expectativa é uma renovação com gasto de até R$ 50 bilhões em 2021.
Um trabalho conduzido pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) em parceria com o Ministério Público Federal no estado já mostra alguns dos efeitos da ausência de políticas públicas tanto em relação às famílias bem como de pequenos empresários nas periferias da Região Metropolitana de São Paulo.
“A gente está vendo a fome voltar. Você entra em 2021 com aumento no preço de uma série de bens que a população mais carente precisa para sobreviver, com queda na renda das famílias que deixaram de receber o auxílio, muitas não conseguiram voltar ao mercado de trabalho. É um panorama de redução do consumo, até de itens básicos. É isso o que a gente tem visto nas entrevistas”, afirma Luciana Rosa de Souza, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Economia e Desenvolvimento da universidade.
Segundo a professora, os comerciantes dos bairros mais pobres, que viram seus negócios prosperarem enquanto vigorou o auxílio, também passaram a relatar queda nas vendas. “A gente conversou com gente que tem varejão, mercadinho, açougue. As entrevistas têm mostrado que as pessoas estão focando no arroz e feijão, naquilo que é essencial.”
Marcelo Seráfico, professor do departamento de Ciências Sociais da UFAM (Universidade Federal do Amazonas), afirma que as projeções de que a pandemia iria arrefecer e permitir uma retomada das atividades foram feitas por economistas cuja competência para análise epidemiológica é quase nula em detrimento das informações divulgadas por profissionais e entidades da área de saúde, que agora apontam para o risco de uma terceira onda de elevação de infecções e óbitos no país.
Seráfico afirma que a ausência do auxílio é especialmente sentida em uma cidade como Manaus, que tem indicadores de desemprego da ordem de 19%, indicadores de trabalhadores autônomos superiores a 50%, e uma situação epidemiológica das mais graves do país.
Ele avalia que uma prorrogação do benefício em bases mais restritas, em termos de valores e população atendida, não seja suficiente para conter o aumento da pobreza, além de obrigar muitas pessoas a sair de casa em busca de emprego em um cenário em que o afastamento social deveria ser incentivado.
“Esse tipo de política me parece necessária mesmo fora de condições da pandemia. Agora, a definição dos critérios para distribuição do recurso não deve se estreitar”, afirma.
“São dois problemas a serem combatidos, um problema econômico relativo ao consumo e outro relativo à contaminação, evitar que as pessoas sejam expostas. Em uma situação de pobreza e miséria tão grande, como a que vive o país, de maneira geral, e o Amazonas, de forma muito particular, é necessária a prorrogação.”
Ecio Costa, professor de Economia na UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), afirma que a volta do benefício é necessária, mas diz que o pagamento de parcelas residuais do auxílio em janeiro e a poupança de parte desses recursos podem ajudar a amenizar a queda na renda nesse bimestre. Com isso, a volta do programa em março viria exatamente no momento certo.
“Ainda tem alguns efeitos de trasbordamento dos impactos do auxílio na economia nesses meses de janeiro e fevereiro”, afirma.
Segundo Costa, só seria possível abrir mão da renovação se houvesse avanços maiores na campanha de vacinação do que em contaminações e óbitos, algo que não se confirmou até o momento.
Essa extensão, no entanto, pode ser feita para um grupo menor de pessoas, aquelas mais afetadas pela queda na renda. Com isso, afirma, seriam minimizados os impactos fiscais do benefício, sem que esse gasto resultasse em mais inflação, aumento de juros e outros efeitos colaterais que também afetariam a renda da população.
“Se o auxílio emergencial veio com uma finalidade de dar uma assistência à população durante o período em que tivéssemos sofrendo os impactos das restrições com a Covid, essa política deveria ser continuada. Mas agora você pode dar um foco maior, reduzindo o número de pessoas que vão receber, sendo realmente direcionado para aqueles em que você tenha um impacto econômico direto. Essa reorganização já poderia ter sido feita, repensada e colocada em prática.”
Rodrigo da Rocha Gonçalves, professor de economia da Furg (Universidade Federal do Rio Grande), afirma que o governo tem como implementar medidas de compensação, mesmo que parcial, dos gastos com o novo auxílio, de forma a reduzir efeitos colaterais do aumento do déficit público.
“A gente tem algumas alternativas. Reavaliar folha de pagamento, subsídios e produtividade dos gastos. O espaço fiscal é apertado, mas cabe à equipe econômica encontrar essas alternativas”, afirma.
Segundo Gonçalves, os dados de 2020 mostraram que o auxílio foi um dos fatores que reduziram pela metade a contração da economia no ano passado, estimada em cerca de 4% pela maioria dos economistas, além de ter retornado aos cofres públicos por meio da arrecadação de tributos em todas as esferas de governo. Por isso, se mostrou uma política bem-sucedida em termos econômico e social.
“Temos o aspecto fiscal, mas a questão que tem de se avaliar é de custo-benefício entre ter implementado ou não. Isso gerou renda, aqueceu a economia, principalmente o comércio, porque a parcela atendida é a que consome a quase totalidade da renda, e teve efeito no bem-estar dessas pessoas. Agora, a gente vai ter janeiro, fevereiro e talvez março sem esse auxílio. O impacto será forte, principalmente com a redução do consumo das famílias.”