Economia

Guedes tentou usar reforma administrativa para privatizar estatais

Autorização para vendas foi incluída na 1ª versão de documentos e retirada após proposta chegar ao Planalto. Servidor que concorresse a eleição teria salário suspenso

Documentos do Ministério da Economia revelam que o ministro Paulo Guedes tentou incluir na proposta de reforma administrativa dispositivo para facilitar a privatização de empresas estatais de todos os entes da Federação. A ideia estava na versão da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que Guedes enviou ao Planalto em fevereiro deste ano.

O trecho foi retirado antes do envio da proposta ao Congresso, o que só ocorreu no mês passado. O texto original de Guedes ainda tentava suspender o salário de servidores de carreira que concorressem a um cargo político durante as eleições, o que hoje não acontece, e ainda previa a exoneração dos ocupantes de cargos de confiança que registrassem suas candidaturas.

Os documentos sobre a tramitação da reforma administrativa dentro do governo haviam sido mantidos em sigilo pelo Ministério da Economia. Pedido de acesso feito pelo GLOBO fora negado pela Pasta. Após divulgação da restrição, o ministério mudou de posição e liberou parte dos documentos.

Os arquivos abertos para consulta contêm minutas, pareceres e até e-mails de servidores da Economia. Uma das minutas da proposta da reforma administrativa, assinada por Guedes, mudava o artigo 173 da Constituição.

Esse dispositivo prevê que “a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo”.

O texto do ministério retirava o “relevante interesse coletivo” do artigo. Além disso, estabelecia um prazo de três anos para a privatização das empresas estatais caso o chefe do Poder Executivo do ente Federativo não ratificasse “o interesse público na manutenção da empresa”.

Ou seja, a versão original da PEC invertia a lógica das privatizações. Ao invés de o presidente propor a venda de uma ou outra empresa, o governo ficava previamente autorizado a privatizar todas as empresas, a não ser que houvesse manifestação expressa pela necessidade de manter o controle da atividade estatal.

Durante as discussões da proposta com o Palácio do Planalto, esse prazo de manifestação se opondo a privatização chegou a ser de dois anos. Ao final, a proposta foi retirada da versão enviada ao Congresso.

Outro trecho suprimido pelo Palácio do Planalto determinava que, ao se candidatar nas eleições, o servidor seria afastado do cargo, sem remuneração. Hoje, as licenças são remuneradas.

Este ano, 47.154 servidores se inscreveram para concorrer a uma vaga de prefeito, vice ou vereador. O custo aos cofres públicos será de R$ 1 bilhão, com a manutenção do salário.

A proposta também proíbe aproveitar empregados de estatais em cargos na administração direta. Informada de que a proposta não tinha sido bem recebida, a Secretaria de Desestatização abriu mão da ideia.

A desistência ficou registrada em e-mail de um assessor: “O parágrafo da vedação do aproveitamento é bem importante e caro para a SEDDM. No entanto, se a sua manutenção colocar em risco a aprovação da PEC, sigamos em frente sem ele”.

Guedes pretendia ainda criar comitê consultivo, em cada ente federado, integrado por representantes do Poder Público e da sociedade, “para proposição de políticas remuneratórias com vista a endereçar, com maior tecnicidade, a questão das diferenças remuneratórias existentes entre o serviço público e o setor privado”.

O trecho também foi vetado pelo Planalto.

Resistência de Bolsonaro

Entre os documentos liberados pelo Ministério da Economia há e-mails trocados entre técnicos e secretários da pasta dando conta que o texto gestado em 2019 foi encaminhado no começo deste ano para a Casa Civil.

E-mail com aviso de urgente, do dia 4 de fevereiro informa que era preciso colher as manifestações das áreas envolvidas dando aval à proposta, o que foi feito. Mas o texto encontrou resistências do presidente Jair Bolsonaro.

“Informo que a proposta de PEC da Reforma Administrativa retornou ao Ministério da Economia, devido a entendimentos com a Presidência da República”, diz e-mail de uma servidora no dia 19 de fevereiro.

Mais uma vez o Ministério da Economia passou a tratar o assunto como prioritário, fazendo ajustes rápidos para atender os pedidos da presidência. No dia 22 de fevereiro uma nova versão voltou ao Planalto. E lá ficou até setembro.

Os documentos do ministério mostram que na primeira semana do mês passado, mais uma vez foi feita manifestação às pressas para avalizar o texto modificado pelo Planalto. Arquivos da Secretaria Geral da Presidência revelam que a pressa foi tanta que a PEC foi remetida ao Congresso sem que a Assessoria Jurídica da secretaria tivesse tempo de emitir um parecer.

Depois do envio, foi assinado um ofício em que a responsável pelo setor fala da falta de tempo, mas informa que não tinha problema no texto encaminhado.