Inclusão trans no mercado de trabalho avança, mas ainda enfrenta obstáculos
“Quando entrei aqui, vi que tinha outras pessoas trans, que a empresa não julga. Eu…
“Quando entrei aqui, vi que tinha outras pessoas trans, que a empresa não julga. Eu me senti acolhida”. É assim que a supervisora de cobrança Pétala Silva, avalia sua relação com a empresa de atendimento ao cliente Atento. Ela acredita que foi esse ambiente inclusivo que a permitiu se descobrir trans e realizar a transição.
Sua experiência, porém, ainda é muito diferente da maior parte da comunidade trans brasileira. Segundo dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), 90% desse público é obrigado a recorrer à prostituição para se sustentar. Um emprego formal ainda é um sonho que parece distante.
A inclusão trans tem sido muito debatida no ambiente corporativo, mas ainda são poucas as empresas que querem ou, principalmente, sabem executá-la. “Os responsáveis pela contratação e pela integração não estão preparados”, afirma Letícia Rodrigues, sócia-fundadora da consultoria Tree Diversidade. “Eles não têm conhecimento para acolher e fazer o registro da pessoa trans de forma empática e correta. Pétala concorda. “Às vezes, a pessoa até tem o perfil [de uma vaga], mas não se candidata por achar que a empresa não vai dar uma oportunidade.”
Pessoas trans são aquelas que não se identificam com o gênero que lhe foi atribuído no nascimento. Uma mulher trans por exemplo, é alguém a quem, pela aparência dos genitais, foi designado o gênero masculino. Mas ela se identifica como mulher. Confira mais explicações e definições neste glossário de gêneros.
Profissionais e pessoas mais realizadas
Algumas iniciativas começam a provar que esta inclusão é possível – e traz excelentes resultados. Para Laura Zanotti, líder de transformação para a empresa de software ThoughtWorks, “a diversidade foi fundamental para construir tecnologias melhores e não homogêneas”. Hoje, a companhia tem 9% de pessoas trans em seu quadro de funcionários. Só em 2020, foram contratadas sete pessoas não-binárias.
A jornada, porém, foi longa. Começou em 2015, com palestras e discussões, e só no ano seguinte começaram a ser implementadas iniciativas como campanhas de conscientização internas, material de onboarding obrigatório sobre identidade de gênero e até o patrocínio de um projeto para capacitar pessoas trans em programação. A empresa também subsidia consultas médicas e gastos com medicamentos para terapia hormonal.
A Avanade, também do setor de tecnologia, elaborou um “Guia para Suporte de Transição de Gênero no Ambiente de Trabalho”, co-escrito por seus colaboradores trans. “Quando as pessoas sabem que podem se expressar abertamente, sem ter receio de que sua identidade ou expressão de gênero impactem sua performance no trabalho, elas se tornam profissionais e pessoas mais realizadas”, explica Patrícia Valloni, gerente sênior de marketing e líder do grupo de afinidade LGBTI+.
“Todo ano, realizamos uma pesquisa com nossas pessoas e uma das questões avaliadas é o engajamento”, explica Patrícia. “Já é notável como nossas ações de diversidade e inclusão têm impactado este índice de maneira positiva.”
E nos cargos de liderança?
Para Maite Schneider, fundadora da Transempregos, plataforma que conecta empregadores a pessoas trans em busca de oportunidade, as empresas ainda “têm medo” porque não compreendem o que precisam fazer em relação tópicos como nome social, uso de banheiros e benefícios de saúde. “O sistema de saúde, por exemplo, é muito binarista. Se você tem um homem trans que quer engravidar e precisa de exames de ginecologia, o plano trava, porque acha que tem alguém querendo burlar o sistema”, exemplifica.
Na Atento, que emprega mais de 1300 pessoas trans, os funcionários são livres para utilizarem o banheiro do gênero com que se identificam. E o crachá vem com o nome social. Esse, aliás, é único documento de Pétala que conta com o nome pelo qual ela prefere ser chamada. “Isso é muito importante porque é nossa identidade. É o nosso ser”, explica.
A companhia tem outro diferencial: oportunidade de crescimento. Pétala foi contratada há seis anos, em um cargo de operação e, em 2018, foi promovida a supervisora.
“No mercado em geral, esses casos ainda são isolados”, lamenta Hóttmar Loch, diretor-geral da consultoria Nohs Somos. “Se já é difícil haver mulheres heterossexuais e cisgêneras nos cargos de liderança, imagine quando falamos de mulheres e homens trans”, compara.
Para Maite, estes profissionais existem – o que falta é mudar a mentalidade dos recrutadores. “Temos uma luta muito grande para vencer essa ideia de que as pessoas trans não têm competências ou hard skills”, afirma. “As empresas acham que vão ter que mudar a régua da empregabilidade, e muito pelo contrário. Várias ficam surpresas quando eu consigo uma pessoa trans para uma posição de liderança”.