BRASIL 200

Inquérito das fake news faz grupo de empresários bolsonaristas perder força

Movimento Brasil 200 amarga deserção de nomes de peso

Gabriel Kanner, presidente do Brasil 200, grupo de empresários bolsonaristas (Foto: Divulgação)

Criado há dois anos com a ambição de ser um “think tank” liberal, o Instituto Brasil 200, formado por empresários de direita, vive uma crise de representatividade e atuação. Os problemas começaram quando integrantes do grupo passaram a ter uma atuação política considerada mais radical e foram agravados pela investigação que apura financiamento a fake news — dois integrantes são alvo do inquérito que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). O grau de proximidade com o governo Jair Bolsonaro também dividiu o grupo. Nos próximos dias, o instituto anunciará parceria inédita com programas sociais da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, o que deve reforçar o coro dos descontentes com a politização da instituição.

Fundado em 2018 como plataforma para o projeto presidencial do empresário Flávio Rocha, da Riachuelo, o Brasil 200 tinha como objetivo elaborar políticas públicas de cunho liberal, com a cara da iniciativa privada. No Congresso, chegou a reunir uma frente parlamentar com mais de 200 deputados e senadores simpáticos à ideia e atuou forte pela reforma da Previdência. Mas, com a aproximação ideológica com o governo, começaram as dissidências.

Rocha foi o primeiro. Em maio, em artigo no jornal “Folha de S.Paulo”, ele anunciou desligamento do instituto e justificou dizendo não ter gostado de ver o Brasil 200 “envolvido no debate cotidiano da política”. Também saíram nomes como João Appolinário (Polishop), Sebastião Bomfim (Centauro) e Helcio Honda, diretor jurídico da Fiesp que chegou a ser o vice-presidente da entidade. Procurados, eles não quiseram falar.

O GLOBO ouviu na última semana uma série de empresários que foram ativos no instituto. Eles contaram que os incômodos começaram quando o grupo passou a atacar a China, maior parceiro comercial do país. Vários membros têm relações comerciais com o gigante asiático, mas o Brasil 200 endossou o tom crítico dos filhos do presidente à reação chinesa à epidemia. Também incomodou a defesa na flexibilização do acesso às armas, uma das bandeiras bolsonaristas. E há críticas de que a pauta do instituto era dominada às vezes por interesses de seus empresários mais influentes. Exemplo: nos debates da reforma tributária, a maior bandeira era a defesa do imposto único, obsessão de Flávio Rocha.

Gabriel Kanner, presidente do Brasil 200 e sobrinho de Rocha, minimiza os problemas. Ele nega ruptura com o tio e defende a pauta do instituto. Segundo ele, a defesa do armamento atende à essência conservadora do grupo e diz que é preciso debater o tema chinês:

— A China tem que ser responsabilizada pelo que aconteceu. É uma ditadura comunista e acabou agravando a pandemia mundial.

A investigação sobre o financiamento das fake news gerou novos constrangimentos. O episódio que liga o inquérito em tramitação no STF ao grupo é uma mensagem na qual o empresário Edgard Corona, da Smart Fit, diz aos outros membros que precisava de dinheiro para investir em marketing e impulsionar vídeos de ataques a Rodrigo Maia. A mensagem foi disparada em fevereiro, quando o debate da reforma tributária avançava em Brasília e integrantes do grupo divergiam da forma como o presidente da Câmara o conduzia. Outro membro do Brasil 200, o empresário Luciano Hang, dono da Havan, também é investigado por suspeita de patrocinar fake news.

— A mensagem dele (Corona) não diz nada e não me recordo se tivemos comentários depois. Acredito que não teve ação consequente — afirmou Kanner, que diz não ter conversado com Corona ou Hang após a atuação da Polícia Federal e espera os próximos passos para decidir o futuro dos dois.

Ex-integrantes do grupo ouvidos pelo GLOBO sob anonimato afirmam que nunca se debateu abertamente eventual apoio às fake news. Mas admitem que a radicalização do discurso político do grupo pode ter criado um ambiente “confortável” para investidas como a de Corona. Nos próximos dias, o Brasil 200 deverá promover um evento para comunicar a entrada da entidade no conselho do Pátria Voluntária, programa social da primeira-dama Michelle Bolsonaro.

Frente ampla patina

O grupo de empresários liberais não é o único com divergências políticas. Dez dias após serem lançados, os movimentos que propõem uma frente ampla pela democracia — o “Estamos Juntos —, formado por artistas, políticos, empresários e intelectuais, e o “Basta!”, encampado por advogados — estão com dificuldade para unir representantes políticos em torno do projeto. No início deste mês, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que não se juntaria ao “Estamos Juntos”, apesar de Fernando Haddad, ex-candidato do PT à Presidência, ser um dos signatários. Lula justificou que não marchará ao lado de quem apoiou o impeachment de Dilma Rousseff. No campo conservador, o Movimento Brasil Livre (MBL) e a deputada Janaína Pascoal já se pronunciaram afirmando que as iniciativas são precipitadas. (Colaborou Silvia Amorim)