Itamaraty ataca jornal e diz que Bolsonaro conseguiu “êxitos” no combate à pandemia
Documento é mais um exemplo numa série de respostas que diplomatas foram instruídos a dar a jornais estrangeiros
A embaixada do Brasil em Madri ataca o principal jornal espanhol El País. Numa carta de quatro páginas enviada no dia 17 de março ao diretor do diário Javier Moreno e assinada pelo embaixador Pompeu Andeucci Neto, o Itamaraty diz que os ” êxitos” da campanha contra a covid-19 são reconhecidos pela população, que a pobreza cai e que a democracia é sólida no Brasil.
O documento é mais um exemplo numa série de respostas que diplomatas foram instruídos a dar a jornais estrangeiros que publicaram reportagens e colunas contrárias ao presidente Jair Bolsonaro. Nos últimos meses, outros meios de comunicação no exterior já receberam cartas similares, entre eles o jornal Le Monde.
Neste caso, a queixa se referia a um editorial publicado pelos espanhóis, no dia 11 de março e sob o título “El Impacto de Lula”. De acordo com o embaixador, o texto é “desconectado da realidade dos fatos no Brasil”.
O texto também critica o fato de o jornal ter apontado a polarização na sociedade brasileira, como resultado das ações de Bolsonaro. “Já ouviram falar da polarização das sociedades modernas? da polarização nos EUA, em relação ao Brexit?”, questiona o embaixador. “Se há um elemento que caracteriza as sociedades democráticas contemporâneas é a polarização de suas populações sobre opções essenciais”, explica.
Sobre o Brasil, o embaixador coloca em questão se existiria tal polarização. “A polarização politica no Brasil – se é que existe uma polarização politica no Brasil”, não viria da atuação do presidente e insiste que o debate deve ser visto como um exemplo do “pleno funcionamento” da democracia no Brasil.
“A retórica do presidente Bolsonaro é apenas inaceitável para aqueles que recusam o pluralismo das visões politicas, que desejam invalidar a liberdade de opinião e que acreditam na versão única, de fonte única, de partido único”, disse o embaixador.
Sem citar o fato de que vários dos filhos do presidente estão sob investigação, o diplomata também cita o trabalho de Bolsonaro para “projetar luz sobre vantagens indevidas” e garante que o compromisso do presidente com a democracia é “firme, constante e inexorável”. Segundo ele, as “instituições funcionam” no Brasil e o presidente “cumpre rigorosamente a Constituição”.
O Itamaraty tampouco cita o fato de o Brasil estar sendo questionado inclusive por relatores da ONU em relação aos ataques contra jornalistas. A carta prefere apenas dizer que Bolsonaro nunca impediu que outros jornalistas expressem ampla e livremente sua “amargura” contra o governo e aponta como o presidente é “ofendido” todos os dias.
Aprovação da gestão na pandemia
O documento não faz referência ao fato de o país ser hoje o líder mundial em novas mortes pela covid-19. Mas, segundo o diplomata brasileiro, há no país um “elevado nível de aprovação pública” no que se refere às gestão da pandemia.
A carta aponta que esse percentual da população é “inequívoco em reconhecer os êxitos e acertos de uma gestão da crise sanitária que somente o El Pais tem a irresponsabilidade de qualificar como nefasta”.
A crítica do embaixador e sua constatação de um suposto apoio popular se contrastam com uma recente pesquisa do Datafolha que revela que a rejeição a Bolsonaro na gestão da crise bateu recorde e atingiu 54% dos entrevistados.
Entre os feitos do governo, segundo a carta, está a liberação de recursos para 3,9 mil leitos de UTI, num país com 210 milhões de habitantes. De acordo com a OMS, 25 das 27 unidades da federação vivem uma ocupação de leitos de mais de 80%.
No documento, o governo insiste que o Planalto “assegurou vacinas” e que é o quinto país que mais imunizou sua população. Em nenhum trecho há uma explicação de que a vacina chinesa adquirida pelo governo de São Paulo foi esnobada por meses por parte do governo federal. Tampouco há uma referência sobre as diferentes ofertas feitas pelas empresas farmacêuticas e que, por meses, foi recusada pelo governo.
O embaixador tampouco menciona o fato de que o Brasil não aderir ao consórcio mundial de vacinas num primeiro momento e, quando passou a integrar o sistema, solicitou o mínimo de doses possível dentro do acordo.
O diplomata questiona se as posições do editorial seriam “resultado da ignorância ou ma fé?” O texto ainda conclui com ataques duros, insistindo sobre uma versão “alienada” por parte do jornal e acusando os espanhóis de “radicalismo político típico de quem tem dificuldade de aceitar visões alternativas”.