Mineiros, a cidade que parou com o frigorífico
Perder tempo é igual a salgar carne podre: não adianta nada. O ditado popular escolhido…
Perder tempo é igual a salgar carne podre: não adianta nada. O ditado popular escolhido pelo secretário de governo de Mineiros (GO), Aleomar Rezende, para resumir o clima do município soa como uma ironia ao pesadelo em que a pequena cidade se meteu desde o dia 17 deste mês, quando a Polícia Federal acordou todo o País com prisões e denúncias de que a carne nacional está contaminada por esquemas de corrupção, papelão e bactérias.
“Parou tudo por aqui. O povo está apreensivo porque a cidade depende muito dessa indústria”, diz Rezende. “A gente está diante do risco de um retrocesso profundo, que nem conseguimos medir.”
Há dez anos, a BRF Perdigão instalou seu complexo frigorífico na cidade, localizada a 450 quilômetros de Goiânia, no limite com Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Um ano antes, o concorrente Marfrig já havia erguido uma unidade na região.
Mineiros, que uma década atrás não tinha um único semáforo nas ruas, ganhou pavimentação e picapes de luxo circulando dia e noite pela cidade. Foi preciso importar mão de obra para tocar as linhas de abate de frango e peru. Fazendas e sítios se converteram em granjas. A população de 40 mil pessoas em 2007 saltou para os atuais 70 mil habitantes.
Hoje, a cidade que nasceu das rotas de imigração de garimpeiros e fazendeiros que deixaram o Triângulo Mineiro no fim do século 19, tem 25% de sua população ligada direta ou indiretamente à indústria da carne.
Do plantio de grãos para ração, passando pelas granjas, pelas empresas de transporte de insumos e de animais, até a entrega das aves na porta do frigorífico, cerca de 18 mil pessoas dependem das operações diárias dessas linhas de processamento, que funcionam de segunda a sábado, durante todo o ano, abatendo 115 mil frangos e 25 mil perus por dia.
“É uma cadeia produtiva inteira que está parada e isso gera um efeito cascata”, diz Fábio Leme, vice-presidente da Associação dos Avicultores Integrados da Perdigão em Mineiros (Avip).
Noé Ferreira de Oliveira, dono de uma loja de roupas no centro da cidade e diretor da Câmara dos Dirigentes Lojistas de Mineiros (CDL), diz que os efeitos já começaram a ser sentidos pelo comércio da cidade. “Pode reparar que as lojas estão mais vazias. O povo fica ressabiado, ninguém vai gastar porque não sabe qual será o resultado dessa situação”, diz ele.
A paralisação da unidade de Mineiros da BRF se deu por determinação do Ministério da Agricultura, após a Polícia Federal apurar indícios de que o complexo que exporta carne de aves para a Europa, África e Ásia teria envolvimento em um esquema de pagamento de propinas em troca de afrouxamento das fiscalizações sanitárias que envolvem a produção. As investigações da PF apontam ainda casos de presença da bactéria salmonela em aves que foram exportadas pela fábrica.
A BRF afirma, porém, que “não compactua com práticas ilícitas e refuta categoricamente qualquer insinuação em contrário”. A empresa diz que “não tolera qualquer desvio de seu manual da transparência e da legislação e regulamentação brasileiras e dos países em que atua.”
“Se há irregularidades ou esquemas de corrupção, isso tem de ser apurado e punido”, diz Leme, da Avip. “O que não é possível é deixar uma cidade inteira sem saber qual será o seu destino.”
Entre os empresários da cidade e da própria BRF, a expectativa é de que a unidade volte a operar nos próximos dias. O estrago, no entanto, já está feito, por conta dos embargos de compradores no exterior. “Não adianta produzir, se não há para quem vender”, diz Sérgio Marchio, empresário do ramo de galpões em Mineiros.
“Nesses últimos dez anos, a gente viveu um período incrível de crescimento, mesmo com toda a crise na economia. Agora, veio esse baque tremendo”, lamenta Marchio.
Escoamento
Nas redondezas de Mineiros, a única estrutura da BRF que ainda tem algum movimento é o centro de produção de ração, onde dezenas de caminhões aguardam em fila para entregar o milho nas granjas. “Esse negócio dá muito emprego para nós. Se fechar, vai complicar a situação”, diz o caminhoneiro Hélio Ferreira.
Ao que tudo indica, não deverá faltar trabalho para os caminhoneiros. Para desafogar as granjas de Mineiros, o Ministério da Agricultura autorizou o transporte de perus para a unidade da BRF em Uberlândia. A partir de amanhã, milhares de aves vivas serão transferidas de caminhão para serem abatidas na cidade de Minas Gerais, a mais de 530 km dos mineirenses. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.