DISCIPLINA

Por necessidade, engenheira investiu em educação financeira e fez primeiro milhão

“Apuro” durante a graduação motivou Patrícia Quintão Lima a buscar conhecimento e disciplina; para educador financeiro, investir não é para qualquer pessoa, mas aprender sobre educação financeira, sim

Pesquisa da Onze, fintech de Saúde Financeira e Previdência Privada do Brasil, divulgada no primeiro semestre deste ano, revela que 41% dos brasileiros têm pouco ou quase nada de conhecimento financeiro. 37%, sabem o básico, 18%, o suficiente para organizar o orçamento pessoal, enquanto 3% entendem bem e organizam as próprias finanças.

E é justamente nestes 3% que entra a engenheira civil Patrícia Quintão Lima, de 38 anos. Vinda de uma família da chamada ‘classe média’, ela decidiu poupar em 2016 e, de lá para cá, conseguiu alcançar um patrimônio investido de R$ 1,2 milhão.

Patrícia revela que o primeiro contato sobre controle financeiro ocorreu por necessidade, aos 18 anos, quando se mudou para Belo Horizonte para cursar Engenharia Civil na Universidade Federal de Minas Gerais. “Na época, abri conta universitária e comecei a receber mesada do meu pai para me manter. Já nos primeiros meses acabei caindo no cheque especial e logo vi o quão rápido a conta devida aumentava.”

A engenheira, que hoje atua em uma grande indústria em Anápolis, Goiás, disse que teve muita vergonha da situação e com medo de contar para o pai. Por isso, acabou vendendo algumas poucas joias que tinha “bem baratinho”, mas ainda precisou “pedir socorro”. “A partir daí, comecei a me organizar para nunca mais gastar mais do que recebia e a ‘fazer mais dinheiro’.”

Apesar de iniciar a educação financeira oficialmente naquele momento, foi em 2016 que ela começou a aprender sobre investimentos: como preservar e potencializar o patrimônio. “Bem, nessa época abri minha primeira conta em corretora e fiz meus primeiros aportes e investimentos. Como ainda tinha muito medo desse universo desconhecido, checava o saldo todos os dias. Fiz minhas primeiras aplicações em renda fixa com ativos de LCI (Letra de Crédito Imobiliário) e LCA (Letra de Crédito do Agronegócio), que, naquele momento, estavam bem atrativos. Como não pagava imposto de renda, achei mais fácil começar por eles”, explica.

Ela revela que, a partir de 2016, fez alguns cursos de educação financeira e passou a seguir alguns influencers de finanças. “Fui aos poucos eliminando falsos conceitos, como ‘quem ganha dinheiro é porque foi de uma forma ilícita’, de que dinheiro não traz felicidade… Aprendi a diferenciar ativos de passivos, ou seja, carro, casa não são ativos e sim passivos. Sempre preservei de 20% a 30% dos meus ganhos mensais”, afirma.

A engenheira civil ainda explica que sempre pratica decisões de compra mais pautadas na reposta de 5 perguntas: eu quero? Eu mereço? Eu preciso? Eu posso? Eu devo? Segundo ela, se alguma for respondida com não, então melhor não gastar. Ela ainda destaca que o tempo é o melhor aliado para os investimentos. “Juros compostos podem ser seus melhores amigos. Comece a investir cedo, não busque o modelo ideal, só comecem e sigam refinando suas escolhas. Não gastem mais do que ganham e sempre tenham uma reserva para emergências”, recomenda.

A engenheira civil Patrícia Quintão Lima começou a investir em 2026 (Foto: Arquivo Pessoal)

Investir não é para todos; ter educação financeira, sim

Raul Sena, 31, é educador financeiro e fundador da escola de investimentos AUVP. Com mais de 500 mil seguidores no Instagram e mais de 1,19 milhão de inscritos no YouTube, ele, que é conhecido como o Investidor Sardinha, afirma que investir não é para qualquer pessoa, mas aprender sobre educação financeira, sim.

Ele explica que educação financeira é a habilidade de lidar bem com o dinheiro, ter controle dos gastos, evitar as dívidas e saber investir. Ele lamenta, entretanto, que isso ainda é pouco difundido no Brasil e, como consequência, quase 80% das famílias estão endividadas. “A verdade é que a educação financeira deveria ser aprendida de berço, ser disciplina obrigatória nas escolas, mas isso ainda é utópico no Brasil.”

Para Raul, “o brasileiro ‘médio’ tem pouca ou nenhuma educação financeira. A gente precisa entender que o ambiente molda muito aquilo que somos. E isso vem de berço. Nossos pais não nos ensinaram sobre finanças e investimentos, porque eles também não aprenderam dos nossos avós”, observa.

Mas, como mencionado, ele acredita que a educação financeira – diferente do investimento -, está ao alcance de todos. “Porque a gente está falando essencialmente de conhecimento. E hoje, isso está bem acessível para qualquer um devido às facilidades da internet e das redes sociais. Basta vontade para acessar uma infinidade de conteúdos gratuitos e aprender a cuidar melhor do dinheiro.”

De fato, atualmente, sete em cada oito domicílios estão conectados à web. De 2005 para 2024, o crescimento foi de 13% para 84%, conforme pesquisa TIC Domicílios 2024, conduzida pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br). Conforme o levantamento, 159 milhões de pessoas acessam a internet no Brasil, neste ano.

“E pra quem puder, existem muitos cursos na área de finanças e investimentos.” Contudo, Raul explicita que, só depois de ter as necessidades básicas supridas, é possível pensar em criar uma reserva de emergência e investir um pedacinho do salário.

“A prioridade é comer, se vestir, tomar um banho quente e ter teto e travesseiro pra dormir”, destaca. “Pode parecer um contrassenso, mas eu não acredito que qualquer pessoa seja capaz de investir hoje. Quem ganha muito pouco mal consegue fazer os itens da cesta básica durarem até o fim do mês. Então, não, investir não é para qualquer pessoa”.

Mas ainda sobre investimento, o Investidor Sardinha ressalta que se trata de construção de patrimônio, no longo prazo, sem grandes emoções. “Só depois de muitos anos você vai ter acumulado uma quantia relevante e vai poder viver de renda. É um processo longo e sem grandes emoções, diferente dessas propagandas enganosas de dinheiro rápido que a gente vê o tempo todo na internet. Eu sempre falo que você precisa ser um investidor, jamais um especulador”, aponta.

Na visão do especialista, quem está começando deve comprar ativos mais seguros, como o Tesouro Direto e um CDB. Conforme ficar mais confiante, pode investir em renda variável. Ele ainda reforça que, na bolsa, é preciso sempre optar por boas empresas, historicamente lucrativas e de setores perenes. Depois, a depender do perfil, o investidor poderá diversificar. “Mas o ideal é começar devagar. Pense assim: você já esperou algumas décadas para começar a investir. Por que essa pressa toda agora?”

Raul Sena, conhecido como Investidor Sardinha (Foto: Reprodução – Youtube)

Mesmo que seja R$ 1

Andréia Magalhães de Oliveira, 50, é economista, administradora e doutora em Ciências da Informação. Ela entende que o caso de Patrícia é uma exceção, uma vez que o ato de equilibrar as finanças não é uma prioridade no nosso ensino regular. “Somos uma nação em que a grande maioria das pessoas tem pouco recurso e, portanto, ficam se ajustando financeiramente como dá. Mais que isso, somos um País em que a maioria da sociedade vive com receitas financeiras pequenas, inibindo a condição de financeiramente conviver em harmonia com seus ganhos”, observa.

Ainda assim, ela crê que qualquer um pode conseguir uma educação financeira. “É uma questão de formação e condição, não de mentalidade”, diz ao entender que é preciso haver um incentivo já na educação formal, desde a primeira infância. “Precisaríamos de condições melhores de sobrevivência e preços mais acessíveis para que os baixos salários que temos fossem suficientes.”

Para ela, se quem ganha pouco conseguir guardar R$ 1 por dia, em um ano terá R$ 365. Isso, se considerar o ‘cofrinho’ de casa. Caso seja aplicado em poupança ou investimento, esse valor será acrescido de juros. “O ideal é começar ainda com pouco”, finaliza.

Questionada sobre investimentos, mesmo para quem tem pouco, ela vê possibilidade, desde que sobre. “Para quem tem pouco, começar com pouco. Desde os centavos, até muitos reais. Claro, que isso depende dos custos e gastos de quem tem um salário baixo. Mas é de ‘grão em grão que a galinha enche o papo’.”