ONU critica operação policial no Rio de Janeiro e pede investigação imparcial
O Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos criticou a violência da operação policial no…
O Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos criticou a violência da operação policial no Rio de Janeiro e pediu que investigações imparciais sejam abertas. “Estamos profundamente perturbados pelas mortes de 25 pessoas numa operação policial”, disse Ruppert Colville, porta-voz da ONU, numa coletiva de imprensa em Genebra nesta sexta-feira.
Segundo ele, tal caso confirma a tendência de uso excessivo de força por parte dos agentes policiais, cita “problemas sistêmicos” e diz que algo “claramente está errado”. Para o porta-voz, o modelo de policiamento de favelas precisa ser repensado pelo país e um debate deve ser aberto.
Nesta quinta-feira, uma operação policial deixou ao menos 25 mortos na favela do Jacarezinho, na zona norte do Rio de Janeiro. Apesar de o ato ter se transformado na operação mais letal da história da cidade, o governo estadual indicou que a ação foi orientada por “inteligência e investigação”. Mas grupos como a Anistia Internacional, Comissão Arns e Human Rights Watch denunciaram a operação como um exemplo da violência policial no país.
A Operação Exceptis foi deflagrada a partir de denúncias de que criminosos estão expulsando moradores de suas casas. O grupo seria responsável também pelo assassinato de moradores e pelo sumiço dos corpos —21 criminosos foram identificados como os “responsáveis por garantir o domínio territorial da região com utilização de armas de fogo”, informou a Polícia Civil.
A ONU admite a existência de ações criminosas nas favelas. “Mas a forma de lidar com isso é com responsabilidade por parte das autoridades para garantir que a população civil, mulheres e crianças não sejam afetados”, disse o porta-voz.
“O governo tem a responsabilidade de equilibrar o policiamento necessário no caso de atividades criminosas com sua responsabilidade até maior de proteger a população civil de mortes e ferimentos, além de crimes”, afirmou.
Colville, porém, indicou que o número de pessoas feridas ainda é desconhecido. “Esse parece ser a operação mais letal em mais de uma década no Rio e confirma uma tendência de uso da força desnecessária e desproporcional por parte da polícia nas regiões pobres, marginalizadas e predominantemente com uma população afro-brasileira, conhecidas como favelas “, disse.
De acordo com a ONU, é “especialmente perturbador” que a operação tenha ocorrido depois que que o Supremo Tribunal Federal, em 2020, determinou limites para ações policiais nas favelas durante a pandemia da covid-19.
“Relembramos às autoridades brasileiras que o uso da violência deve ser usado apenas quando estritamente necessário e que deve sempre respeitar o princípio da legalidade, precaução e proporcionalidade”, disse.
“A força letal é apenas para ser usada como último recurso e apenas quando há uma ameaça à vida ou dano sério”, insistiu.
Chamando os eventos de “trágicos”, a ONU ainda criticou o fato de que, depois da operação, a polícia não teria atuado para preservar evidências nos locais dos crimes, o que poderia minar as investigações.
Colville indicou que cabe às autoridades locais abrir uma apuração. “Pedimos que o Ministério Público realize uma investigação imparcial, completa e independente sobre o caso, seguindo os padrões internacionais”, disse.
Entre os parâmetros dessa apuração, a ONU pede que as autoridades garantam a segurança das testemunhas e que as protejam de intimidações e retaliações. “A principal responsabilidade está com as autoridades e o Brasil tem um sistema bastante desenvolvido e tem como lidar com uma investigação”, disse.
Problema é “sistêmico” e “algo claramente está errado”
Colville também qualificou a situação como um exemplo de um problema “sistêmico” no país. “Também pedimos que haja uma discussão ampla e inclusiva no Brasil sobre o modelo atual de policiamento das favelas, que estão presas num ciclo vicioso de violência letal com dramático impacto em uma situação já difícil para a população”, afirmou.
Segundo Colville, há uma responsabilidade “compartilhada e generalizada” entre autoridades do país, citando ainda o Judiciário e instituições que controlam essas operações.
“Parece que, de forma coletiva, eles não estão tendo sucesso em parar esse tipo de operações”, disse. “Algo claramente está errado e precisa haver uma revisão coletiva e ampla do que está ocorrendo de errado e como arrumar”, afirmou o porta-voz da ONU.
Na avaliação de Colville, retórica por parte de políticos que estimule a violência “é problemática”. Para ele, políticos precisam agir de forma responsável e lembra que as favelas brasileiras enfrentam essa situação “há gerações”.
Violência policial no Brasil é alvo de denúncias frequentes da ONU
Não é a primeira vez que a ONU denuncia a violência policial no Brasil. Já em 2019, a alta comissária das Nações Unidas para Direitos Humanos, Michelle Bachelet, criticou a situação do país, o que levou o presidente Jair Bolsonaro a atacar a chilena. Diversos informes ainda de outros órgãos da ONU, OEA e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos apontaram para o mesmo fenômeno.
Em 2020, o Comitê da ONU sobre Desaparecimentos Forçados cobrou do governo de Jair Bolsonaro explicações sobre violência policial, sobre o desmonte dos mecanismo de monitoramento e prevenção da tortura. Num documento enviado ao Itamaraty no dia 19 de maio, o organismo pediu esclarecimentos ainda sobre as investigações que tenham sido realizadas no país sobre milícias.
Também no ano passado, deputados brasileiros apresentaram às Nações Unidas 69 casos de suspeita de execuções sumárias no país e pediu que a entidade abrisse investigações. A queixa foi apresentada pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, liderada por Helder Salomão (PT-ES) e apoiada pela Rede Nacional de Mães e Familiares de Vítimas de Terrorismo do Estado, pela Coalizão Negra Por Direitos, Justiça Global, Rede Justiça Criminal, Movimento Independente Mães de Maio, Educafro e Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial.
A lista foi elaborada depois de um longo trabalho de coleta de dados e com o consentimento das próprias famílias das vítimas. De acordo com eles, são histórias de um Brasil invisível para uma parcela da sociedade.