SEM TRABALHO OU AUXÍLIO

Pandemia pode levar milhões de brasileiros a perderem acesso ao INSS

Quem deixa de recolher a contribuição por mais de 12 meses perde direito a benefícios da Previdência Social

(Foto: Marcello Casal | Agência Brasil)

A pandemia, que acaba de completar um ano, e a crise econômica prolongada pelas dificuldades em conter o avanço da Covid deixaram quase 14 milhões de brasileiros sem trabalho.

Esses milhões que não têm emprego e não recebem mais o auxílio emergencial correm agora o risco de perder o direito aos benefícios da Previdência Social, como auxílio-doença, salário-maternidade, auxílio-reclusão e pensão por morte.

Quem deixa de recolher a contribuição ao INSS por mais de 12 meses perde esses seguros, e muitos informais não conseguem encaixar esse pagamento nas despesas do mês.

É o caso de Fernanda Cristina de Azevedo, de 40 anos e mãe de cinco filhos, que não contribui para o INSS desde que foi demitida do hospital onde era auxiliar de serviços, em junho de 2019. Ela passou a trabalhar como diarista e cuidadora de idosos para cobrir as despesas da família, mas, com a pandemia, ficou difícil manter os bicos.

A renda, que já havia diminuído na informalidade, despencou. O auxílio emergencial cobriu aluguel e gastos com alimentação até dezembro:

— A gente se sente desprotegido por não conseguir contribuir mais com o INSS. A sensação é que pode acontecer alguma coisa e a gente não vai ter pra onde ir porque não tem como pedir (um benefício).

Sem ter a quem recorrer

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, referentes ao último trimestre de 2020, pelo menos 4 milhões de pessoas podem ter deixado de contribuir ao INSS no ano passado, considerando apenas trabalhadores, inclusive domésticos, com carteira assinada que perderam o emprego. Entre aqueles sem carteira, que poderiam contribuir como autônomos, mais de 3 milhões passaram à desocupação.

— São milhões de pessoas que já perderam ou estão prestes a perder a condição de segurados, e não terão a quem recorrer se tiverem uma invalidez no meio do caminho — lamenta Gilvan Cândido, professor da FGV Educação Executiva de Previdência.

Ele acredita que só haverá uma melhora, mesmo tímida, em 2022, se o governo conseguir vacinar pelo menos 70% da população ainda este ano:

— O processo de retomada do emprego não vai ser tão rápido e, provavelmente, começará pelo trabalho informal, mas tudo dependerá também de como as vacinas responderão.

A cozinheira Cintia Reis, de 47 anos, sustenta os dois filhos vendendo salgados por encomenda. Ela teme não conseguir se aposentar, pois não contribui para o INSS desde que perdeu o emprego em uma lanchonete, em maio do ano passado:

— Dá um aperto no peito, sempre tive medo de não conseguir me aposentar. Com a pandemia, tenho medo de morrer antes. Mas vou lutar pra conquistar meus objetivos. Tenho filhos, preciso mostrar o lado bom em certas situações.

Dados do Boletim Estatístico da Previdência Social mostram queda de 3% na arrecadação bruta em 2020 frente ao ano anterior. É a primeira retração desde 2015, quando o país estava em recessão.

O baque do ano passado foi menor, segundo João Saboia, professor emérito do Instituto de Economia da UFRJ, devido às medidas adotadas pelo governo federal para manter os empregos com carteira, como a suspensão dos contratos de trabalho e a redução de jornada e salário:

— A desocupação foi muito grande entre os trabalhadores informais, que contribuem menos à Previdência do que aqueles com carteira assinada.

Para autônomos e empregados, a proteção do INSS tem validade de 12 meses a partir da última contribuição. Ou seja, para quem parou de recolher à Previdência no início da pandemia, esse prazo chegou ao fim, e essas pessoas já estão desprotegidas.

Se o trabalhador estiver buscando emprego, o prazo dobra, para 24 meses. E se contribuir há mais de dez anos, são 36 meses. Já para os contribuintes facultativos, como donas de casa e estudantes, por exemplo, a condição de segurado só se estende por seis meses após a última contribuição.

Carência para benefício

Por isso, a recomendação é continuar recolhendo ao INSS, mesmo que seja apenas uma vez a cada seis meses, para manter o direito aos benefícios, explica Adriane Bramante, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP):

— Para quem perdeu a condição de segurado, é preciso cumprir metade do período de carência exigido para voltar a ter direito aos benefícios. Já quem mantém a qualidade de segurado e havia cumprido a carência pode pedir o benefício quando precisar.

No caso dos autônomos, por exemplo, em que o prazo para manter a condição de segurado é de 12 meses, a nova contribuição deve ser feita no 11º mês depois do último recolhimento. A partir daí, deve-se pagar a contribuição a cada seis meses, já que o trabalhador passará a recolher como facultativo.

O valor da contribuição, porém, terá impacto no cálculo da aposentadoria:

— O trabalhador pode recolher como facultativo sobre 11% ou 20% e sobre um salário mínimo ou mais. Mas os 11% dão direito apenas à aposentadoria por idade, e caso a nova contribuição seja sobre um salário menor, isso diminuirá o valor da aposentadoria — diz o advogado Luiz Felipe Veríssimo, especialista em Direito Previdenciário.

Apesar do cenário de crise, técnicos do governo não cogitam alterar os parâmetros de carência do INSS. A avaliação interna é que mexer na lei seria uma mudança estrutural da legislação, enquanto a pandemia é um problema conjuntural. Há um entendimento de que, caso os prazos fossem ampliados, seria difícil voltar às regras mais duras, e a flexibilização acabaria se tornando permanente.

Informais ficarão sem emprego e sem auxílio

O teto de R$ 44 bilhões para a nova rodada do auxílio emergencial deixará de fora uma parcela de trabalhadores informais. De acordo com o governo, o benefício será pago a apenas um membro da família, no valor de R$ 250, durante quatro meses. Mulheres com filhos terão direito a uma cota maior, de R$ 375. Já pessoas que moram sozinhas receberão apenas R$ 150.

No ano passado, foram pagas cinco parcelas de R$ 600 e quatro de R$ 300, beneficiando 67 milhões de pessoas, a um custo de R$ 350 bilhões.

Na nova rodada, devem ser mantidos os mesmos critérios de renda para ter direito ao auxílio: meio salário mínimo por pessoa da família (R$ 550) e até três salários mínimos (R$ 3,3 mil). Os dois requisitos serão aplicados de forma conjunta, ou seja, uma família de três pessoas com renda conjunta de três salários mínimos não poderá ser beneficiada, pois a renda individual, nesse caso, é superior a R$ 550 per capita.

Segundo cálculos do movimento Renda Básica que Queremos, um em cada quatro brasileiros que receberam o benefício em 2020 não terão acesso os recursos este ano. A estimativa é que 17 milhões fiquem sem assistência no momento de piora da pandemia.

Para a economista e professora da UFF Julia Braga, a tendência é o desemprego crescer e haver mais desassistidos:

— Há uma parcela de pessoas que, se não estiver na nova rodada, vai estar desprovida de qualquer proteção social e tampouco conseguirá emprego formal. A taxa de desemprego continuará em dois dígitos nos próximos anos, porque os que antes não estavam procurando devem voltar a procurar. (Colaboraram Carolina Nalin e Geralda Doca)