Prejuízo abate 90% de quem tenta viver como day trader, indica estudo
Levantamento usou dados de 20 mil investidores durante seis anos; menos de 1% tem ganhos relevantes
Uma busca com os termos “curso day trade” já dá pistas de como cresceu o interesse por essas operações financeiras, que apostam na volatilidade do dólar e das ações da B3 (Bolsa de Valores brasileira) ao longo de um dia.
São quase 8 milhões de páginas listadas pelo buscador, com opções online e presenciais, gratuitas ou pagas. A onda, impulsionada há dois anos por “gurus do mercado”, atingiu seu pico durante a pandemia: o número de procuras por essas aulas chegou ao triplo do que era no final de 2019, segundo dados do Google.
A expectativa de lucrar sem sair de casa —condição imposta pelos isolamentos anticovid, e pela crise que elevou demissões— elevou a atração desse tipo de operação, mas os retornos ficam longe dos esperados, indica estudo encomendado pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários), entidade responsável por monitorar as operações na Bolsa.
O trabalho, coordenado pelos professores Fernando Chague e Bruno Giovannetti, ambos da EESP-FGV (Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas), analisou milhões de operações, comparando os resultados dos investidores com CNPJ e os da turma do CPF, ao longo de seis anos.
Entre as conclusões está a de que, na queda de braço diária, minuto a minuto, as mesas de operações profissionais, de bancos e corretoras, nadam de braçada, enquanto só uma minoria dos investidores pessoa física conseguem obter ganhos significativos.
A partir de um universo de cerca de 20 mil investidores, os pesquisadores constataram que 8% (ou cerca de 1.500 investidores individuais) operaram como day trader por mais de 300 dias, critério usado ara indicar a intenção de viver da atividade.
Nesse grupo, 91% fechou o período analisado com prejuízo. Apenas 0,8% (13 investidores) teve lucro diário superior a R$ 300,00.
No período analisado, o prejuízo dos investidores individuais só aumentou: passou de R$ 11 milhões, em 2012, a R$ 272 milhões a 2017.
O lucro das pessoas jurídicas com o day trading, por outro lado, saltou de R$ 5 milhões para R$ 110 milhões no mesmo intervalo.
O historiador Geraldo Teruya, de Campinas (SP), é um desses investidores que procura desmentir as estatísticas: após investir cerca de R$ 8.000 em quatro cursos, ele dedica em média cinco horas diárias ao day trading.
Embora já opere há um ano, ainda se considera em fase de aprendizado. Sua tática de Teruya é usada com frequência pelos novatos: faz apostas mínimas logo que o mercado abre, após assistir a um comentário ao vivo em um site de notícias financeiras controlado por um banco de investimentos.
Teruya tem como meta ganhar R$ 100 ao dia, o que nem sempre é possível. “Por enquanto estou no zero a zero. Mas às vezes prefiro operar usando simulador, para não correr risco e ir aprendendo. Teve um dia que cheguei a ganhar R$ 800, mas segui operando. Acabei tomando uma invertida, e ganhei só R$ 240. Aí vi que precisava estudar mais”, avalia.
Para Giovanetti, a expectativa de que a sorte vai virar em algum momento também preocupa. “Além da alta probabilidade de prejuízo, podem perder anos de vida em que poderiam estar fazendo outras coisas”, avalia.
Além de criarem seus algoritmos, bancos e corretoras pagam para conectar seus computadores diretamente no centro de dados da B3, ganhando frações de segundo que podem ser decisivas.
O expediente, conhecido no mercado pela expressão em inglês co-location (no sentido de compartilhamento), é anunciado no site da Bolsa como um serviço, e está disponível a quem pode pagar para turbinar as chances de sucesso.
“Nesse tipo de trade, a rapidez é importante. Quanto mais rápida chegar a informação, melhor. E como diz o Fernando Chague, o problema é que, na Bolsa, o investidor pessoa física não sabe com quem está negociando. E do outro lado podem estar 10 PhDs que sabem programar computadores”, avalia Giovannetti.
Na avaliação de Giovannetti, ao longo do período estudado, as PJs foram ganhando expertise e, por extensão, reduziram as chances dos investidores individuais.
“Desde 2015, 2016, foi aumentando o número de pessoas físicas operando, ao mesmo tempo em que foram entrando as novas tecnologias, como os robôs de trade rápido, chamados de HFT [negociações de alta frequência, na sigla em inglês] e os computadores dentro da B3”, diz o professor da FGV.
Day traders podem perder mais do que investiram
Outro ponto destacado por Giovannetti é que as corretoras ampliaram a possibilidade de os pequenos “alavancarem” suas apostas diárias, ou seja, operarem com valores maiores que os que possuem.
Com um valor inicial de R$ 50,00, por exemplo, é possível comprar ou vender minicontratos de dólar ou Ibovespa de R$ 5.000, multiplicando as chances de lucro —mas também de prejuízos.
Baseado em Lençóis (BA), na Chapada Diamantina, o designer Rilk Roger desistiu rapidamente desse caminho em suas operações.
Ele fez seis cursos desde 2018, quando começou a se interessar pelas operações financeiras. Após um ano no simulador, começou a negociar minicontratos de dólar, acumulando no período algum prejuízo.
A partir daí optou por comprar e vender ações, sem alavancagem, ou seja, podendo perder, na pior das hipóteses, até no máximo 100% do investido, não mais que isso.
“Foi a partir daí que comecei a ver que era possível seguir por esse caminho. E ser day trader virou o meu plano A”, diz Roger.
Tomou a sua primeira invertida, como diz, em fevereiro de 2021, quando o presidente Jair Bolsonaro fez declarações indicando que pretendia intervir na gestão da Petrobras.
“Nesse dia perdi 25% do patrimônio que eu tinha investido. E levei uns 30 dias até conseguir me recuperar”, diz Roger, para quem o saldo até aqui é bastante positivo.
Outro tombo –de cerca de 20%– ocorreu com o estouro da guerra. “Nessas horas a gente sente o impacto no peito. Mas, como não opero alavancado, consigo manter a calma. Acredito que a adrenalina vem de operar alavancado, correndo risco de perder mais do que o patrimônio investido”, avalia.
Ao olhar o desempenho das pessoas jurídicas e físicas no período estudado, Giovannetti diz ser difícil separar os ganhos decorrentes das novas tecnologias e os prejuízos por causa do risco maior provocado pela alavancagem.
O estudo da FGV, publicado no ano passado, foi feito com dados até 2017 porque as informações sobre investidores e operações não são públicas.
Os dados ficaram disponíveis apenas para os pesquisadores contratados pela CVM, que se preocupou com os riscos crescentes dos pequenos.
A questão ganhou relevância nos últimos anos na medida em que cresceu de forma acelerada o número de interessados em viver dessas operações –ou ao menos em se arriscar diariamente no day trading.
De acordo com a Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), o universo dos investidores individuais, mas não necessariamente day traders, passou de 500 mil CPFs, em 2017, a quase 4 milhões, no ano passado.
“A pesquisa mostra que os investidores [pessoas físicas] não conseguem obter resultado porque o mercado tende a ser eficiente. Os preços em média refletem o valor fundamental dos ativos. O que eles estão fazendo na verdade é uma aposta com algo próximo de 50% de chance de ganhar e 50% de perder. Não à toa fecham o dia, em média, perto do zero”, avalia o professor Ricardo Brito, da FEA-USP (Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo).
Especialista em decisões de investimento e poupança, Brito observa que, em geral, são os casos de sucesso que ganham repercussão, o que acaba por criar um “viés cognitivo” que leva investidores amadores a persistir nas operações, mesmo que os resultados sejam sempre frustrantes.
Do ponto de vista da psicologia dos investidores, o professor da FEA-USP considera que é frequente as pessoas considerarem que têm maior capacidade de avaliação do que os demais, em particular os homens. “Existem evidências [científicas] de que os homens tendem a ser mais autoconfiantes, e por isso negociam mais e perdem mais dinheiro, ainda que o ser humano de modo geral tenda a ser superconfiante”, conclui Brito.
Diante da enorme quantidade de cursos online disponíveis, vendidos por cerca de R$ 2.000, com professores em geral sem nenhum aval institucional reconhecido pelo mercado, Brito é categórico. “Essa ‘indústria’ deveria ser levada tão a sério como a ‘indústria’ de regimes milagrosos [para perda de peso] ou algo do tipo. Oferecem dinheiro fácil ou boa forma fácil, mas as coisas não são assim”, avalia.
Curso de day trade omite riscos, diz entidade
A presidente da Apimec (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais) Brasil, Lucy Sousa, considera que os profissionais ligados ao investimento precisam se qualificar e passar por exames, antes de ir para a internet vender cursos e orientações.
“Muitos desses influencers viraram celebridades de portais financeiros. E atraem pessoas para dar treinamento e avaliar carteiras [de investimentos], para no fundo ganhar dinheiro, enganando o investidor individual sem mostrar os riscos”, considera Lucy.
Com supervisão da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) desde 2010, quando a entidade baixou uma norma para regular a atvidade, a Apimec Brasil conta com cerca de 1.300 analistas credenciados, cujos nomes podem ser encontrados no site da entidade.
Esses analistas passaram por treinamento e avaliação, sendo reconhecidos por possuírem uma Certificação Nacional de Profissionais de Investimentos, ou CNPI, conforme prefere chamar o mercado, atuando em corretoras ou como analistas de consultorias independentes.
“Nada contra esses cursos [oferecidos na internet], mas é preciso saber quem está oferecendo. Se for uma celebridade sem formação, o investidor vai estar sendo enganado”, diz ela.