Pressão sobre preços é a maior desde o fim da hiperinflação no Plano Real
Pesquisa do Ibre FGV mostra que alta de custos se espalha e terá novos efeitos para consumidor
Os preços de insumos que servem de base para a cadeia produtiva brasileira registram a maior alta desde o início do Plano Real. A pressão desse aumento é tal que está espalhando a inflação, antes concentrada no produtor, por vários setores da economia, chegando ao consumidor de forma cada vez mais intensa.
De acordo com levantamento feito pelo economista Andre Braz, do Ibre FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), o preço das matérias-primas brutas, como soja, milho, carnes e minério de ferro, acumula alta de 68% nos 12 meses encerrados em outubro, aumento inédito desde o fim do período de hiperinflação.
Entre os motivos dessa alta estão a desvalorização cambial e o aumento do preço desses itens em dólar, no mercado externo. Pesam ainda o desabastecimento de alguns produtos por causa do aumento das exportações e do rápido aquecimento da demanda, após a paralisação de diversas cadeias produtivas por causa da pandemia.
Nem todo esse aumento já chegou ao consumidor, apesar de ser possível identificar reajustes elevados nos preços de muitos alimentos e bens industriais, como eletrodomésticos e eletrônicos.
Os alimentos, por exemplo, acumulam alta no IPA (índice de preços no atacado da FGV) de 25%, sendo que metade desse aumento já bateu no IPC (índice de preços ao consumidor da FGV). O arroz, produto cuja alta provocou até reação por parte do governo, subiu quase 120% no atacado e 62% no varejo, o que mostra o risco de continuidade desses repasses.
“Existe uma gordura, e o consumidor ainda pode verificar aumento no preço desses produtos”, afirma Andre Braz, coordenador do núcleo de preços ao consumidor do Ibre.
Ele diz que o “espalhamento da inflação” tem se ampliado e que os repasses tendem a ganhar força na medida em que a economia volta a crescer, alguns serviços são liberados, o isolamento social é flexibilizado e a rotina de consumo das famílias volta ao normal.
“É impossível para a cadeia produtiva reter por muito tempo aumentos dessa magnitude, ainda mais quando ela não tem um horizonte tão transparente de que essas pressões vão ceder no curto prazo”, afirma.
Braz projeta que o IPCA (índice de preços ao consumidor do IBGE, que serve como meta para a inflação) deva fechar 2020 em 4,17%, acima da meta de 4%, mas abaixo do limite de tolerância. O teto fixado pelo Banco Central está em 5,5%.
A inflação vai continuar a subir até maio do próximo ano, quando deve ficar acima de 6% em 12 meses. Depois cairia, para fechar o ano entre 3,55% e 4,5%, a depender de alguns fatores: a estabilidade ou valorização do real, o fim do ciclo de alta de preços de commodities no exterior e o fim do desequilíbrio entre oferta de demanda, que colocariam a inflação no patamar inferior desse intervalo, abaixo da meta de 2021, de 3,75%, com limite de 5,25%.
“Primeiro, precisa de uma estabilidade maior da taxa de câmbio, o que a gente só vai conquistar tendo um cenário fiscal mais claro. Ainda que a gente tenha uma valorização do real nos próximos meses, se o preço dessas commodities seguir avançando lá fora, como tudo indica, esses impactos ao produto vão continuar”, afirma o economista.
Segundo o levantamento feito pelo economista do Ibre, a inflação ao produtor já se espalhou por todo o segmento de bens —não duráveis (como alimentos), semiduráveis (vestuário) e duráveis (eletrodomésticos, por exemplo).
O índice geral de preços, porém, ainda é contido pelos preços dos serviços, setor que mais sofreu com a crise atual, e tarifas e outros preços administrados, que tiveram alguns reajustes adiados para 2021.
“A inflação, que antes estava muito continua em bens não duráveis, que são os alimentos, se espalhou. Agora contamina duráveis e semiduráveis. E não deve demorar deve começar a aparecer alguma coisa em serviços, mas aí vai depender do bom andamento da pandemia”, diz Braz.
Fernando Pimentel, presidente da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção), afirma que os preços foram muito afetados pela desvalorização cambial, em um setor em que mais de 70% dos custos são vinculados à moeda estrangeira. Embora o Brasil tenha colhido uma safra recorde de algodão, houve também aumento do produto no mercado internacional. As matérias-primas sintéticas também subiram.
Ao mesmo tempo, houve uma “retomada de todos ao mesmo tempo”, muito mais forte que a esperada e que criou um movimento para recompor estoques e atender os pedidos correntes, diz Pimentel.
“Estamos prevendo que, por volta do final do primeiro trimestre de 2021, já estaremos com o mecanismo todo sincronizado. Antes da pandemia não havia escassez de nada nem pressão de custos.
Está muito clara que a interrupção gerada pela necessária quarentena provocou uma desorganização.”
Em relação aos preços, ele afirma que a indústria têxtil tem hoje uma inflação acumulada mais alta que a cadeia seguinte, do vestuário, que registra queda de preços, dado que esse é um setor com muita concorrência.
“O impacto para o consumidor final é extremamente amortecido e, não acredito que, olhando o Natal deste ano e do ano passado, você tenha um impacto inflacionário muito diferente de algo da ordem de 5% ao consumidor final”, diz Pimentel. “É maior que a inflação média, sim, mas no ano em que as pressões de custos foram brutais por conta da desvalorização cambial e aumento das cotações internacionais.”
No setor de alumínio, que fornece matérias-primas para segmentos como montadoras de veículos, construção civil, empresas de embalagens e de eletrodomésticos, o câmbio e a desorganização da cadeia produtiva foram os fatores que mais pesaram, de acordo com Milton Rego, presidente-executivo da Abal (Associação Brasileira do Alumínio).
Segundo Rego, o descolamento entre preços no atacado e varejo é explicado pela recessão e também pela paralisação de várias indústrias no período da pandemia, que utilizaram estoque adquiridos a preços mais baixos. As novas aquisições, no entanto, estão sendo feitas em um cenário de preços bem mais elevados.
“Mais cedo ou mais tarde, esses valores chegam até a ponta, e não chegaram antes porque a gente estava em uma grande recessão”, diz o presidente-executivo da Abal. “Nessa situação, demora a ter transferência de preços do atacado para o varejo.”
Segundo ele, caso a produção industrial tivesse sido mantida constante, não haveria um descolamento entre esses preços. “A gente só esta vendo porque tivemos esses meses em que a indústria intermediária utilizou todos os estoques”, afirma o executivo.