Projeto de ICMS de Bolsonaro pode subir preço de combustível, e não baixar
O projeto que o governo Jair Bolsonaro (sem partido) encaminhou ao Congresso para reduzir o…
O projeto que o governo Jair Bolsonaro (sem partido) encaminhou ao Congresso para reduzir o valor do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre os combustíveis pode, na verdade, aumentar o preço para o consumidor em alguns estados.
Isso porque o texto altera a forma como o ICMS é cobrado, estabelecendo que todos os estados devem receber o mesmo valor de imposto para cada tipo de combustível.
O projeto encaminhado por Bolsonaro ao Congresso, porém, não estipula quanto seria esse ICMS unificado. O preço teria de ser decidido pelos estados, em consenso, depois da aprovação da lei.
Considerando os valores de janeiro, se todos os estados concordassem em cobrar um preço médio fixo do ICMS, ele seria de R$ 1,32 por litro de gasolina e R$ 0,61 por litro de diesel. Em São Paulo, significa que a gasolina subiria de R$ 4,23 para R$ 4,49. O diesel iria de R$ 3,59 para R$ 3,72.
A conta considera que, pela regra atual, a situação é a seguinte em São Paulo:
- ICMS da gasolina: 25% sobre 1 litro (imposto de R$ 1,06)
- ICMS do diesel: 13,3% sobre 1 litro (imposto de R$ 0,48)
Na regra nova passaria a ser:
- ICMS da gasolina: R$ 1,32 por litro (R$ 0,26 a mais)
- ICMS do diesel: R$ 0,61 (R$ 0,13 a mais)
Estados não devem abrir mão de arrecadação
A questão é que, hoje, o valor do ICMS varia significativamente de um estado para outro. Por isso, é difícil que o valor fixado depois da aprovação da lei fique abaixo do que é cobrado em todos os estados atualmente.
“O ICMS sobre combustíveis é a principal fonte de arrecadação dos estados. E mesmo que haja um acordo entre eles [para definir o valor do imposto], isso não significa que o preço vai diminuir para o motorista. Pode, sim, aumentar”, afirma Paulo Miranda Soares, presidente da Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes (Fecombustíveis). A entidade é formada por 34 sindicatos patronais (das empresas do setor), que representam cerca de 40 mil postos revendedores de combustíveis.
Variação do ICMS da gasolina passa dos R$ 0,70 entre os estados
No caso do diesel, por exemplo, levantamento da Fecombustíveis, realizado na segunda quinzena de janeiro, aponta que a diferença entre o valor do ICMS nos estados foi de até R$ 0,64 por litro. No Amapá (que tem o maior imposto), o tributo foi de R$ 1,04. Em Santa Catarina (que tem o menor valor), o imposto foi de R$ 0,40 por litro.
Ou seja, considerando os dados de janeiro, para que todos os estados tivessem redução no ICMS, o novo valor do imposto não poderia passar de R$ 0,40. E, se esse fosse o valor fixado para o ICMS, todos os estados, tirando Santa Catarina, teriam arrecadação menor.
No caso da gasolina a diferença entre o ICMS dos estados é maior, de R$ 0,72 por litro. No Rio de Janeiro (estado com maior tributação), o ICMS foi de R$ 1,69. No Amapá (menor tributação), o imposto foi de R$ 0,97.
A lógica é a mesma: para que o preço diminuísse em todo o país, o valor do ICMS fixado depois da aprovação da lei teria de ser de, no máximo, R$ 0,97. Com isso, todos os estados, com exceção do Amapá, acabariam perdendo dinheiro.
“[Considerando a gasolina], se o consenso for para um valor médio, é claro que, em estados como Rio de Janeiro, o consumidor vai ter um ICMS um pouco mais baixo. Mas, lá no Amapá, vai subir. Essa é a grande dificuldade: vai ter estado que vai perder e outro que vai ganhar”, diz Soares.
Simplificação seria ponto positivo
Um dos pontos do projeto que tem sido considerado positivo é a maior previsibilidade sobre o valor do ICMS.
Como, atualmente, a cobrança acontece com a aplicação de um percentual no preço, o custo real do imposto muda toda a vez que a Petrobras faz um reajuste na gasolina ou no diesel. Mas, se o preço baixa na refinaria, o ICMS também cai.
Pela nova regra, o valor do ICMS só poderia ser alterado a cada 90 dias.
“A grande vantagem do projeto é a questão da previsibilidade, já que um eventual aumento do ICMS só entraria em vigor três meses depois”, afirma Bernardo Pereira, sócio da consultoria empresarial Crowe.
Projeto atropela reforma tributária, dizem tributaristas
Por outro lado, tributaristas afirmam que o texto pode criar ainda mais confusão, considerando que o Congresso já discute alterações no ICMS em projetos de reforma tributária.
Para Douglas Mota, sócio da área tributária do Demarest Advogados, o texto do governo é um “puxadinho”, ou seja, não resolve o problema de forma definitiva.
“Esse tipo de discussão reforça a necessidade de uma reforma tributária”, diz Douglas Mota, sócio da área tributária do Demarest Advogados
Na opinião de Halley Henares Neto, sócio da Henares Advogados e presidente da Associação Brasileira de Advocacia Tributária (ABAT), a discussão sobre a redução da tributação é válida, mas o meio escolhido pelo governo não é adequado.
“É um projeto que vai demandar muita discussão para, eventualmente, não chegar a um resultado que beneficie o consumidor. Pode haver uma simplificação da legislação, mas não necessariamente a diminuição da carga tributária”, explica Halley Henares Neto, sócio da Henares Advogados e presidente da Associação Brasileira de Advocacia Tributária (ABAT)
“É apenas uma carta de intenções”, afirma especialista
Há, ainda, outro entrave: para que a mudança entre em vigor, deputados e senadores teriam que aprovar um projeto que desagrada os governadores.
“O projeto não passa de uma carta de intenções. Eu vejo como algo mais difícil de ser aprovado do que a própria reforma tributária. É mais uma coisa para dar alguma satisfação, dizer que o governo está fazendo alguma coisa diante da alta do preço dos combustíveis”, explica Gilberto Luiz do Amaral, presidente do Conselho Superior do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT)
Luciano Bernart, presidente da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst) avalia que o projeto tem fundamento na Constituição, mas concorda que a aprovação será difícil.
“A União está querendo aplicar algo que está previsto, já que a autonomia dos estados não é absoluta. O fato é que isso não tinha sido feito porque pode prejudicar alguns estados”, disse Luciano Bernart, presidente da ABDConst.
Governo não se manifesta sobre críticas
Questionado a respeito das críticas ao projeto, o Palácio do Planalto orientou a reportagem a procurar o Ministério da Economia. O ministério disse que não iria se manifestar.
O Ministério de Minas e Energia não respondeu ao pedido de posicionamento encaminhado pelo UOL até a publicação deste texto.