Sem justiça, sem NBA: atletas reagem à violência policial e paralisam liga
"Nosso foco hoje não pode estar no basquete", diz o comunicado escrito por jogadores do Milwaukee Bucks
Nos últimos meses, o grito que marcou os protestos contra o racismo e a violência policial nos Estados Unidos foi “sem justiça; sem paz”. Pois na quarta-feira (26) os jogadores da NBA reforçaram a mensagem, e três jogos da liga de basquete foram cancelados. É um boicote após Jacob Blake, um homem negro, ser baleado pelas costas sete vezes por um policial do estado de Wisconsin.
“Nosso foco hoje não pode estar no basquete”, diz o comunicado escrito por jogadores do Milwaukee Bucks e lido por Sterling Brown, ele próprio uma vítima da violência policial. Enquanto a equipe está na bolha de Orlando, a 2 mil km de casa, no Wisconsin irrompem protestos em que também há vítimas fatais.
Em 2018, Brown foi detido por supostamente resistir a uma abordagem policial, mas meses depois um vídeo revelou que o atleta não mostrou qualquer resistência. Ele chegou a ser eletrocutado, mesmo sem ter feito nada.
Na quarta-feira, Brown foi porta-voz do Milwaukee Bucks, que na NBA representam justamente o estado de Wisconsin. O time se recusou a enfrentar o Orlando Magic no jogo 5 da primeira rodada dos playoffs, e a partida foi suspensa. Pouco depois a liga anunciou que também não ocorreriam os jogos entre Rockets e Thunder e entre Lakers e Trail Blazers.
“Nos últimos dias, vimos o vídeo horrendo de Jacob Blake sendo baleado nas costas sete vezes por um policial. Apesar do apelo esmagador por mudança, não houve nenhuma ação, então nosso foco hoje não pode estar no basquete”, afirma o manifesto assinado pelos Bucks.
Os Bucks entraram em contato com autoridades do estado de Wisconsin para cobrar respostas. Depois da videoconferência, o vice-governador do estado, Mandela Barnes, disse em entrevista que os atletas “querem algo tangível que possa ser feito a curto e a longo prazo”. Nesta semana o governo estadual convocou a Câmara Legislativa a votar um pacote de medidas que inclui a reforma policial.
O protesto ganhou apoio do sindicato dos atletas e também da associação de técnicos da NBA, LeBron James e outros astros também se menifestaram, e a faísca gerada pelos Bucks pode inflamar toda a liga. “A temporada está a perigo”, afirmou um jogador veterano ao repórter Adrien Wojnarowski, da ESPN norte-americana.
Ainda na quarta, a manifestação extrapolou a NBA. A liga feminina de basquete, WNBA, seguiu o exemplo e também cancelou os jogos previstos para o dia: em vez das partidas, as atletas se uniram no centro da quadra e se ajoelharam juntas, de braços dados.
Na MLB, a liga norte-americana de beisebol, jogadores do Milwaukee Brewers e do Cincinnati Reds também decidiram não disputar uma partida marcada para o dia 27. A Major League Soccer (MLS) fez o mesmo, e cancelou cinco das seis partidas programadas para a noite.
O caso Jacob Blake é mais um em que uma pessoa negra é vítima da força desproporcional de um oficial de polícia em serviço nos EUA. No último domingo (23), ele tentou apartar uma briga entre duas mulheres quando foi abordado por policiais. O homem de 29 anos foi baleado sete vezes, pelas costas, na frente da esposa e de três filhos. Blake está hospitalizado em estado grave.
Outros casos semelhantes motivaram protestos de jogadores da NBA na retomada da temporada. Em fevereiro, Ahmaud Arbery foi morto por um ex-policial e seu filho enquanto se exercitava em uma praça de Brunswick, no estado da Georgia.
Em março, Breonna Taylor foi morta com oito tiros após a polícia de Louisville, no Kentucky, invadir a casa em que ela dormia com o namorado. Em maio, em Minneapolis, George Floyd morreu enquanto um policial se ajoelhava sobre seu pescoço.
Em reação às mortes, centenas de milhares de estadunidenses saíram às ruas em protesto nos últimos meses, e o movimento “Black Lives Matter” encontrou eco também em outros países. Na NBA, desde o retorno da temporada os atletas têm usado mensagens de protestos nas camisas e nos tênis, além de abordarem o assunto em entrevistas.
Boicote paralisa a liga pela primeira vez
É a primeira vez que a NBA suspende jogos devido a uma causa social. A liga já teve que cancelar partidas por questões de saúde, como no 11 de março em que o pivô Rudy Gobert (Utah Jazz) testou positivo para o coronavírus — horas depois, a temporada inteira seria suspensa. Também já houve lockout por questões trabalhistas, mas nunca por protesto social dos atletas.