Surto de Covid-19 no navio Diamond Princess foi iniciado por uma única pessoa
O sequenciamento genético de amostras do novo coronavírus coletadas dos passageiros do navio Diamond Princess,…
O sequenciamento genético de amostras do novo coronavírus coletadas dos passageiros do navio Diamond Princess, que passou um mês em quarentena no Japão, revelou a medida do potencial explosivo de disseminação do novo coronavírus: um único indivíduo contaminado foi o suficiente para iniciar o surto que em poucos dias atingiu 648 outros.
A conclusão está em um estudo liderado do Instituto Nacional de Doenças Infecciosas do Japão, que a partir de amostras coletadas para exames conseguiu sequenciar o genoma inteiro do vírus em 70 amostras de muco coletada nas vítimas da Covid-19 no navio de cruzeiro.
Por ter navegado por vários dias sem que se soubesse do surto na embarcação, o Diamond Princess, com 3.711 pessoas a bordo, foi uma fonte inestimável de conhecimento sobre a Covid-19, porque funcionou como um laboratório acidental para se estudar a epidemiologia do vírus.
O estudo que mapeou a cadeia de transmissão do vírus foi publicado na última edição da PNAS, a revista da Academia Nacional de Ciências dos EUA, e mostra o que aconteceu na embarcação nos dias em que o coronavírus circulou inadvertidamente entre tripulantes e passageiros.
Os pesquisadores conseguiram apontar que a fonte do surto foi uma única pessoa, porque a quantidade de mutações genéticas em cada amostra de vírus revela a relação entre elas. Todas se originaram de um “paciente-zero” não identificado, que embarcou no navio, e desencadeou o processo. Em dois dos casos identificados, o vírus já havia pulado de vítima em vítima até quatro vezes, sinal de que as últimas infecções ocorreram cerca de um mês depois da primeira.
Em pesquisas feitas anteriormente, já se sabia que a taxa de transmissão do vírus (o chamado número R0) dentro do navio foi de 2,28, sugerindo que cada passageiro infectado transmitiu o vírus em média para 2 a 3 outras pessoas. Essa média, porém, esconde o fato de que, na verdade, algumas poucas pessoas transmitiram o vírus para muita gente.
“Pudemos ligar a origem de alguns aglomerados [de infecção] à transmissão por eventos de aglormeração em massa nas áreas de recreação do navio e à transmissão direta entre passageiros que dividiam cabines”, escreveram na PNAS os cientistas, liderados por Tsuyoshi Sekizuka.
“É possível que o superespalhamento tenha ocorrido imediatamente após a introdução do vírus no navio, muito antes de a quarentena ter começado, em 3 de fevereiro de 2020”, afirmam.
Cruzeiro interrompido
O navio ficou em quarentena total por 14 dias, depois passageiros e tripulação começaram a ser liberados gradualmente, até o navio ser totalmente esvaziado em 1 de março. O longo período deu aos pesquisadores japoneses tempo suficiente para coletar amostras de vários pacientes em segurança. Ao todo, foram mais de 700 casos de Covid-19 confirmados, mas o estudo na PNAS lista apenas aqueles 648 comprovados por testes genéticos no Japão.
Apesar de 70 ser um número relativamente pequeno perto dos 3.711 que estavam no navio, não foi simples obter amostras viáveis de material genético para esse subgrupo. Os pesquisadores inicialmente coletaram amostras de 896 indivíduos, dos quais 148 estavam infectados. Deste subgrupo, porém, para muitos não foi possível sequenciar genomas inteiros do vírus, o que comprometeria a análise.
As 70 amostras coletadas foram então usadas no estudo, comparadas a outras amostras externas de coronavírus, incluindo a do “paciente zero” da pandemia, coletada em Wuhan, na China. A taxa de infecção de 16% das pessoas a bordo foi a mesma verificada em um levantamento maior, que testou rapidamente todos os 3.711 indivíduos a bordo do Diamond Princess.
O estudo do grupo de Sekizuka corroborou resultados anteriores sugerindo que, apesar de o toque de recolher implementado no navio ter sido relativamente tardio, ele foi fundamental para impedir mais infecções. Se o cruzeiro tivesse seguido seu calendário norma adiante sem restrições, outras 2.000 pessoas, pelo menos, poderiam ter sido infectadas, estimam os cientistas. O número final de mortos, que foi de 14, poderia também ter se multiplicado por um fator de cinco.