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Talibã adota redes sociais em campanha para ‘limpar imagem’

No início de maio, enquanto as tropas dos EUA e da Otan (a aliança militar…

No início de maio, enquanto as tropas dos EUA e da Otan (a aliança militar ocidental) começavam sua retirada definitiva do Afeganistão, o grupo radical Talibã avançava em sua ofensiva pelo país – culminando na tomada do poder central afegão, em meados de agosto. Mas o Talibã tomou também outra iniciativa, esta mais incomum na história do grupo: seus membros lançaram uma ampla campanha de redes sociais.

Uma rede de contas em redes sociais destacava supostos fracassos do então governo pró-Ocidente em Cabul, ao mesmo tempo em que exaltava feitos do Talibã.

Tuítes relatavam as vitórias mais recentes do grupo – às vezes prematuramente – e promoviam diferentes hashtags, como (na tradução ao português) #crimesdoregimedeCabul (associados a tuítes que acusavam o governo afegão de crimes de guerra, e que ficou entre os “trends” na época em que foi usada); #estamoscomTaleba (em tentativa de angariar apoio) e outra que dizia “Deus ajude que a vitória esteja próxima”.

Em resposta, o então vice-presidente do Afeganistão, Amrullah Saleh, advertiu suas tropas e o público para que não se deixassem levar por falsas alegações de vitória do Talibã descritas nas redes sociais. Ele também pediu que as pessoas não compartilhassem tal conteúdo, que supostamente comprometeria ações militares.

A coordenação das postagens do Talibã sugere que o grupo está se distanciando da firme oposição à tecnologia de disseminação de informação e está construindo um aparato de redes sociais para amplificar sua mensagem.

Quando o Talibã ocupou o poder pela primeira vez, em 1996, baniu a internet e confiscou (ou destruiu) aparelhos de TV, câmeras e gravações de vídeo. Em 2005, o site oficial do Emirado Islâmico do Talibã, “Al-Emarah”, foi lançado e hoje publica conteúdo em cinco idiomas – inglês, árabe, pachto, dari e urdu. O conteúdo de áudio, vídeo e textos é supervisionado pela comissão cultural do Emirado Islâmico do Afeganistão (EIA), chefiado por seu porta-voz, Zabihullah Mujahid.

A primeira conta de Twitter de Zabihullah Mujahid foi suspensa pela empresa, mas sua nova conta – ativa desde 2017 – tem mais de 371 mil seguidores. Abaixo dele trabalha uma dedicada equipe de voluntários disposta a promover online a ideologia do Talibã.

A Qari Saeed Khosty é atribuído o cargo, que, na prática, consiste em gerenciar as redes sociais.

Khosty disse à BBC que a equipe se divide entre os que focam no Twitter – na tentativa de fazer que hashtags do grupo entrem entre as mais compartilhadas -, no WhatsApp e no Facebook.

“Nossos inimigos têm TV, rádio, contas verificadas nas redes sociais e nós não temos nada, e mesmo assim nós lutamos contra eles no Twitter e no Facebook e os derrotamos”, declarou Khosty.

Seu trabalho, diz ele, consiste em levar os afiliados do Talibã – que se juntaram ao grupo por acreditarem em sua ideologia – “às redes sociais para amplificar nossa mensagem”.

Há apenas 8,6 milhões de usuários de internet no Afeganistão, e a ausência de cobertura de telefonia e de oferta de dados móveis a um preço acessível continua sendo um desafio crucial. A equipe de redes sociais do EIA, por sua vez, paga o equivalente a cerca de US$ 11 (cerca de R$ 60 na cotação atual) por pacotes de dados para suas equipes que “lutam a guerra online”, segundo Khosty.

Ele exaltou que o EIA dispõe de “quatro estúdios multimídia totalmente equipados, usados para gerar conteúdo de áudio, digital e ‘branding’ digital”.

O resultado são peças de propaganda de alta qualidade, glorificando os combatentes do Talibã e suas batalhas contra forças nacionais e estrangeiras – agora disponíveis nos canais de YouTube do grupo e no site do Al-Emarah.

O grupo publica livremente no Twitter e no YouTube, mas o Facebook classifica o Talibã como “organização perigosa” e frequentemente remove contas e páginas associadas ao grupo. O Facebook afirmou que continuará a banir conteúdo do grupo de suas plataformas.

Khosty disse à BBC que, ante as dificuldades de manter sua presença no Facebook, o grupo radical está focando no Twitter.

Embora o Departamento de Estado tenha designado a Rede Haqqani – grupo militante insurgente aliado do Talibã – como grupo terrorista internacional, seu líder, Anas Haqqani, e muitos membros do grupo têm contas no Twitter com milhares de seguidores.

Falando sob condição de anonimato, um membro da equipe de redes sociais do Talibã disse à BBC que ele e seus colegas decidiram usar o Twitter a sério a partir de fevereiro de 2020, inicialmente para promover um artigo de opinião de Sirajuddin Haqqani, vice-líder do Talibã, publicado pelo The New York Times. A maioria das contas do grupo nessa rede social foram criadas a partir daí.

“A maioria dos afegãos não fala inglês, mas os líderes do regime de Cabul se comunicavam ativamente em inglês no Twitter – porque seu público não eram os afegãos, mas a comunidade interacional”, ele afirmou. “O Talibã queria contrabalancear a propaganda desses líderes e é por isso que também focamos no Twitter.”

Ele agregou que a equipe – que tem membros com algumas dezenas de milhares de seguidores no Twitter – receberam orientações específicas do Talibã, como “Não comentar em política externa de países vizinhos de modo a não restringir nossas relações com eles”.

No passado, o Talibã era conhecido por manter em segredo a identidade de muitos de seus líderes e combatentes, tanto que há poucas fotos disponíveis do fundador do grupo, o Mulá Omar.

Hoje, porém, em um esforço de ganhar legitimidade internacional, a atual liderança não apenas faz aparições na mídia como as promove amplamente nas redes sociais. Quando o porta-voz Zabihullah Mujahid (antes raramente visto) deu uma entrevista coletiva, pouco depois da queda do regime de Cabul, o perfil de muitas contas do Talibã foi ilustrado com a imagem dele.

Em contrate, muitos cidadãos afegãos que trabalhavam para as tropas, organizações e imprensa internacionais, além de cidadãos que criticavam o Talibã em redes sociais, estão agora desativando suas contas, temendo que a informação publicada online os transforme em alvos.

As organizações de defesa dos direitos humanos Anistia Internacional e Human Rights Watch afirmam já ter recebido relatos de combatentes talibãs que estariam perseguindo – e matando – pessoas em represália.

O Facebook lançou uma ferramenta de um clique para que pessoas no Afeganistão consigam rapidamente bloquear suas contas, impedindo que pessoas não conectadas possam ver suas informações. A rede social também anunciou que removeu temporariamente a ferramenta de busca de amigos de contatos nas contas afegãs.

A questão é se o Talibã mudou e abandonou as práticas brutais. Muitos afegãos ao redor do mundo não acreditam em suas promessas de mudança. Mas o grupo radical parece ter percebido que a tecnologia que ele antes desprezava pode ajudá-lo em sua busca por moldar opiniões no ambiente global.

“As redes sociais são poderosas em mudar a percepção do público”, diz o integrante da equipe de redes sociais. “Queremos mudar a percepção sobre o Talibã.”

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