DESESPERO

‘Ela depende de energia’: mãe atingida por apagão em SP usa carga do carro e ‘gato’ para manter filha respirando

Moradora de São Bernardo do Campo que deveria ter atendimento prioritário da Enel precioso improvisar para garantir que os aparelhos elétricos seguissem ligados

'Ela depende de energia': mãe atingida por apagão em SP usa carga do carro e 'gato' para manter filha respirando (Foto: Arquivo Pessoal)

SÃO PAULO (AGÊNCIA O GLOBO) – Moradora de São Bernardo do Campo, na região metropolitana de São Paulo, a comerciante Luciana Nietto, de 47 anos, teve que improvisar desde sexta-feira para garantir o funcionamento dos aparelhos que sustentam sua filha Heloísa, de 18 anos, respirando.

A casa das duas foi uma dos 2,1 milhões que ficou sem energia, quando um temporal atingiu a capital paulista e as cidades do entorno. Desde então, parte do bairro segue sem o serviço da Enel.

Diagnosticada com Atrofia Muscular Espinhal (AME), uma doença genética rara, Heloísa está acamada e depende de uma série de equipamentos médicos, em uma estrutura montada em casa. O mais crítico é o respirador:

— Ela só consegue ficar alguns segundos sem o respirador. Cerca de 10 segundos. Assim que o respirador desconecta a saturação dela começa a cair. Ela depende da energia — explica a mãe.

Sem energia e com a bateria do respirador com algumas horas de autonomia, Luciana primeiro conectou o nobreak (fonte de energia externa) do aparelho a cinco extensores para puxar energia do carro.

— Quando acabou a energia elétrica e o respirador ficou só nobreak, ele começou a oscilar. Ele desconectou e reconectou. Eu pensei: ‘Se assim ficar o respirador vai queimar’ — conta Luciana.

‘A vida dela depende de energia’

Apesar das ligações insistentes para a Enel, foram mais de 40 horas para que o caso fosse atendido. A residência é cadastrada como cliente vital, que são aqueles que dependem de equipamentos essenciais à vida e devem ter prioridade no atendimento.

Os primeiros técnicos da apresentação foram apresentados neste domingo. Nesse meio tempo, para não depender do carro, Luciana contou com a ajuda do vizinho que ajudou que ela puxasse a energia da casa, que já estava com luz.

— Foi a saída que encontramos. A vida dela depende de energia elétrica — afirma a vendedora que, além do respirador, tem de administrar uma série de equipamentos de traqueostomia da filha, incluindo aspirador de secreções, oxímetro e bomba de infusão.

Os técnicos da entrega de energia chegaram na manhã deste domingo com um gerador, quando a moradora de São Bernardo já estava com energia a partir do improviso do “gato”.

— Eu não fiquei com o gerador e eles foram embora. Disseram que até quarta-feira iriam arrumar o problema no bairro.

O GLOBO procurou a Enel e questionou a empresa da demora para o atendimento, apesar do caso ter sido classificado entre aqueles emergenciais. A expedição não havia retornado até a publicação dessa reportagem.

Atingidos pelo pagamento calculam prejuízos

Até o início de domingo, quase 1 milhão de moradores seguiam sem luz em São Paulo. Apesar de apresentar prazos para os clientes, a empresa oficialmente não tem uma expectativa de quando irá restabelecer a energia na cidade.

Para quem segue sem luz, a saída tem sido recorrer a casa de familiares e improvisar. Moradora do Mandaqui, na região central, a auxiliar administrativa, Vanessa Costa, de 31 anos, levou o filho e a irmã mais nova para casa da tia na Casa Verde para que eles pudessem carregar o celular e tomar banho com água quente.

— Desde sexta-feira estamos ligando para a Enel. A gente entende que acabou a luz por causa da, mas no sábado, depois de 24 horas, não temos nenhuma explicação. É um descaso muito grande porque a Enel não vai ressarcir a gente do prejuízo — reclama Vanessa, que calcula perdas de R$ 900 com a comida que vai estragar na geladeira.

Na Vila Ema, Zona Leste de São Paulo, a confeiteira Roseli Aparecida, de 55 anos, também se abrigou com os parentes para poder atravessar o apagão. Para a casa da irmã, ela tentou levar o que conseguia da geladeira. Mas uma parte do material de trabalho foi perdida:

— Eu já perdi chantilly, recheio… Fora as vendas que faço pelo iFood e que tive que parar neste final de semana. Já joguei muita coisa fora. Também tive que sair da minha casa e do meu conforto. Perdi pelos ao menos R$ 500 até aqui — diz Aparecida.

Banho nos vizinhos e rodízio para carregar o celular

No condomínio da confeiteira, 300 unidades estão sem energia desta sexta-feira. Os apartamentos mais altos também começaram a ficar sem água, já que as bombas estão desligadas. Outro problema é a portaria do prédio: sem energia, os obstáculos estão desligados.

— Já abrimos diversos chamados na Enel e não temos retorno. Estamos totalmente vulneráveis ​​porque os obstáculos estão todos abertos — relata o síndico Roberto Alexandre Nascimento, 49 anos — Já recebemos cinco visualizações e nenhuma delas se concretizou. Agora me disseram que a luz volta amanhã.

Desde sábado, Nascimento tem ido para a casa da cunhada, que é próxima do prédio, para tomar banho e carregar o celular dele, da filha e da esposa.

Para os prédios com gerador, os condomínios pelo menos podem carregar os aparelhos perto dos elevadores e na portaria.

Rodrigo Moreira Ferreira Lima, gestor de pessoas e processos, moradora da Vila Andrade, no Morumbi, diz que os moradores do prédio organizaram um “rodízio” para usar as tomadas do térreo. Com duas filhas, ele o marido chegou a ficar quatro dias sem energia no ano passado.

—A Enel é rápida para cobrar, mas incompetente para revólver o nosso problema — reclama ele, que comemora a volta da luz neste domingo após mais de 35 horas