Direitos Humanos

Elias Maluco: após morte, ONG pede ao CNJ apuração de tortura em presídios

A ONG também solicita a imediata abertura de visitas sociais de familiares aos presos custodiados nas unidades prisionais federais, suspensas desde 2018

Após a morte de Elias Pereira da Silva, conhecido como Elias Maluco, o Instituto Anjos da Liberdade, organização social que desenvolve projetos na área de direitos humanos, entrou nesta quarta-feira (23) com reclamação disciplinar junto ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para pedir a apuração de tortura nos presídios federais do país.

O UOL apurou que o corpo do traficante foi encontrado nesta terça-feira (22) com sinais de enforcamento na Penitenciária Federal de Catanduvas, na região oeste do Paraná. O Depen (Departamento Penitenciário Nacional) ainda não confirmou a causa da morte. Elias foi preso em 2002 por envolvimento no assassinato do jornalista Tim Lopes, da TV Globo.

No pedido, encaminhado ao ministro Luiz Fux, presidente do CNJ, a ONG ainda cita o traficante Paulo Rogério de Souza Paz, o Mica, encontrado morto em abril em uma cela no presídio federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte. Quando morreu, Mica aguardava transferência para outro presídio.

O caso de Elias, cita o documento, já tramita na CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), órgão da OEA (Organização dos Estados Americanos).

Faremos juntar cópia de manifestação apresentada ao Supremo Tribunal Federal, que demonstra a imensa responsabilidade, a configuração do dolo consciente de todas as instâncias do Poder Judiciário em garantir a continuidade e impunidade de tortura e tratamento cruel e desumano

Trecho do pedido encaminhado ao CNJ

A entidade ainda embasa a solicitação citando um ambiente propício para o desenvolvimento de distúrbios psiquiátricos graves, “sem desconsiderar as outras denúncias de alimentação imprópria, desnutrição proposital, nunca apuradas”, diz.

Sem visitas sociais em presídios federais

No mesmo documento, a ONG também solicita a imediata abertura de visitas sociais de familiares aos presos custodiados nas unidades prisionais federais, suspensas desde 2018, após a portaria 157, editada por Sergio Moro, então ministro da Justiça e Segurança Pública.

As visitas sociais em unidades de segurança máxima estão restritas ao parlatório e à videoconferência, sem qualquer tipo de contato físico com parentes. Apenas detentos com “perfil de réu colaborador ou delator premiado” têm direito a encontros com parentes em pátio de visitação.

O pedido contesta as restrições em meio à pandemia da covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, e as compara ao período da ditadura militar.

“É preciso um nível estúpido de deslealdade intelectual para querer afirmar que a gestão da pandemia nos presídios não está sendo conduzida de modo totalmente incompatível com os standards mínimos de direito internacional”.

Um dos trechos do pedido

“A pandemia tem funcionado como espécie de valhacouto para tentar dar legalidade a toda forma de arbítrio ditatorial, como um grande balão de ensaio de tentativa de retorno a anos de chumbo. Os experimentos autoritários e totalitários têm essa dinâmica se repetindo, começam seus balões de ensaio em relação aos presos comuns”, diz.

Brasil viola regras internacionais, critica presidente de ONG

Segundo a advogada Flávia Fróes, presidente do Instituto Anjos da Liberdade, o Depen cancelou os encontros de detentos com parentes desde março, por causa da pandemia. Entretanto, ela contesta a decisão, dizendo que não havia contato físico, já que as visitas eram feitas separadas por um vidro.

“Infelizmente, mais uma morte causada por esse sistema perverso que desumaniza seres humanos. O Brasil mantém status de violador de regras internacionais de tratamento de presos”, critica.

Procurado, o Depen ainda não se posicionou sobre o caso.

Caso Tim Lopes

Elias Maluco ganhou notoriedade com o caso do jornalista Tim Lopes, que apurava, em junho de 2002, uma reportagem sobre abusos sexuais de menores de idade e tráfico de drogas nos bailes funk da Vila Cruzeiro, na Penha, zona norte do Rio. Ele foi sequestrado pela facção comandada por Elias, torturado e morto.

Três meses depois, após uma operação policial de mais de 50 horas, ele foi detido na favela da Grota, no Complexo do Alemão. Elias se refugiou em uma casa de idosos, e não houve troca de tiros com os policiais.

Depois da morte de Tim Lopes, Elias foi condenado 28 anos e seis meses de prisão por ter sido o mandante do crime.

Advogados querem desarquivar inquérito

Em janeiro, o UOL mostrou que um grupo de advogados quer desarquivar o inquérito conduzido contra Elias. O objetivo é tentar reabrir a investigação e apuração dos próprios advogados após uma mudança na lei. Para os criminalistas, Elias seria inocente. O grupo tenta examinar a ossada de Tim Lopes.

Em agosto do ano passado, o ministro Marco Aurélio Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal) deferiu liminar (decisão provisória) de habeas corpus para Elias em um caso de associação ao tráfico. A decisão permitia que, caso Elias não estivesse preso em função de outro crime, fosse colocado em liberdade. Dois meses depois, a 1ª Turma do Supremo negou o pedido de liberdade, derrubando a decisão de Mello.

Para revogar a liminar e manter Elias preso, os ministros citaram sua “periculosidade” e seu “modo de agir”, além de reforçar que ele seria uma das principais lideranças da facção Comando Vermelho.

Elias acionou CIDH em 2017

Há três anos, Elias Maluco acionou, junto a outros chefes do tráfico no Rio, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA. Eles protocolaram uma petição classificando como “tortura e pena cruel” o fato de estarem detidos em presídios federais de segurança máxima por dez anos.

Além de Elias, também assinaram o documento Marcinho VP (Márcio dos Santos Nepomuceno), My Thor (Marco Antônio Pereira Firmino da Silva) e Tchaca (Márcio José Guimarães). My Thor também permanece preso na Penitenciária Federal de Catanduvas, a mesma em que estava Elias.