Tortura

Elias Maluco: OEA cobrou governo brasileiro por “pena cruel” antes de morte

A petição classificada como "tortura e pena cruel", foi assinada por chefes do tráfico de drogas do Rio de Janeiro

A CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), órgão vinculado à OEA (Organização dos Estados Americanos), cobrou providências do governo brasileiro após denúncias protocoladas por quatro detentos por estarem há mais de dez anos em presídios federais de segurança máxima. A petição classificada como “tortura e pena cruel”, foi assinada por chefes do tráfico de drogas do Rio de Janeiro.

Entre eles, Elias Maluco, encontrado morto nesta terça-feira (22) na Penitenciária Federal de Catanduvas, na região oeste do Paraná. O UOL teve acesso ao pedido, encaminhado em 15 de maio deste ano a Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores. O documento foi mantido sob sigilo pelos representantes legais dos detentos, que optaram por revelar o andamento do caso após a morte de Elias.

Certidão de óbito (Imagem: Reprodução Folhapress)

No documento assinado por Marisol Blanchard, secretária-executiva adjunta da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o governo brasileiro foi informado de que teria até 15 de dezembro para apresentar uma resposta à petição.

“Adverte-se a possibilidade de atender pedidos de prorrogação que excedam o prazo indicado”, alertou o texto. “O pedido de informação não implica prejulgamento quanto à decisão que a CIDH eventualmente adote sobre a admissibilidade da petição (…)”, informou.

A CIDH se colocará à disposição dos peticionários e do Estado, a fim de chegar a uma solução amistosa baseada no respeito aos direitos humanos estabelecidos na Convenção Americana.”

Trecho do documento enviado ao Ministério das Relações Exteriores

Até então, a defesa havia mantido o caso em sigilo para preservar as negociações com o governo brasileiro. Mas a morte de Elias mudou a estratégia da defesa. Além dele, outros três detentos também são representados na comissão: Márcio dos Santos Nepomuceno (Marcinho VP), Marco Antônio Pereira da Silva (My Thor) e Márcio José Guimarães (Tchaca).

“O Elias foi o mais resistente a acreditar na denúncia. Ele falou que isso iria demorar muito e que já não tinha esperanças. Depois de muita insistência, acabou concordando. Mas ele sucumbiu, não aguentou esperar”, disse a advogada Paloma Gurgel, uma das representantes do grupo que protocolou a denúncia há três anos.

Segundo a tese, a decisão de mantê-los por longo período em presídios federais é proibida pela Constituição e por tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.

O UOL cobrou resposta do Ministério das Relações Exteriores, que confirmou ter recebido a demanda. Se enviado, o posicionamento será incluído nesta reportagem.
Isolamento, tortura psicológica e suicídios

A petição, feita em 2017, cita os longos períodos de isolamento nas penitenciárias federais, com presos recolhidos em celas individuais de 6m² “com a consequente privação de maior contato humano diário” e monitorados por câmeras de vigilância. O documento também faz referência ao distanciamento geográfico do núcleo familiar.

“Estão a viver uma verdadeira aplicação do Direito Penal do inimigo, que entende que os inimigos do Estado devem perder o direito às garantias fundamentais, humanas e legais”, diz um dos trechos do texto.

A petição ainda enumera outras circunstâncias, como renovações apontadas como arbitrárias e consecutivas no sistema de segurança máxima e as consequências do isolamento prolongado, apontado como “tortura psicológica”, com uso em massa de antidepressivos.

Os banhos de sol duram duas horas por dia. Um dos detentos disse ao filho só escutar vozes de comando de agentes penitenciários quando chega a sua alimentação, entregue por um pequeno espaço na porta da cela.

“Não é sem razão que os índices de suicídio no âmbito das penitenciárias federais vêm aumentando a cada ano, pois a inclusão neste sistema que era para ser excepcional e por prazo determinado, vem sendo tratada pelos Estados, como medida estratégica.”

Um dos trechos da petição

Reclamação encaminhada ao CNJ

O Instituto Anjos da Liberdade, organização social que desenvolve projetos na área de direitos humanos, entrou nesta quarta-feira (23) com reclamação disciplinar junto ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para pedir a apuração de tortura nos presídios federais do país.

A entidade embasa a solicitação citando um ambiente propício para o desenvolvimento de distúrbios psiquiátricos graves, “sem desconsiderar as outras denúncias de alimentação imprópria, desnutrição proposital, nunca apuradas”, diz.

A ONG também solicita a imediata abertura de visitas sociais de familiares aos presos custodiados nas unidades prisionais federais, suspensas desde 2018, após a portaria 157, editada por Sergio Moro, então ministro da Justiça e Segurança Pública.

As visitas sociais em unidades de segurança máxima estão restritas ao parlatório e à videoconferência, sem qualquer tipo de contato físico com parentes. Apenas detentos com “perfil de réu colaborador ou delator premiado” têm direito a encontros com parentes em pátio de visitação.

“Infelizmente, mais uma morte causada por esse sistema perverso que desumaniza seres humanos. O Brasil mantém status de violador de regras internacionais de tratamento de presos.”

Flávia Fróes, presidente do Instituto Anjos da Liberdade

O pedido também contesta as restrições em meio à pandemia da covid-19, doença causada pelo novo coronavírus. Segundo a representação, o Depen (Departamento Penitenciário Nacional) cancelou os encontros de detentos com parentes desde março, por causa da pandemia. Entretanto, ela contesta a decisão, dizendo que não havia contato físico, já que as visitas eram feitas separadas por um vidro.

Questionado, o Depen informou que cumpre a Lei de Execução Penal e disse prestar assistência aos detentos.