Em ano de pandemia, cai produção de etanol e usinas fazem mais açúcar
Demanda externa e câmbio levam setor a investir em açúcar, que se recuperou após pior mix de produção dos últimos 23 anos
Em uma safra de cana-de-açúcar marcada pela pandemia da Covid-19, as usinas do centro-sul do país viram a produção de etanol recuar 8,7% devido às restrições de circulação e, ao mesmo tempo, aumentar a fabricação de açúcar.
A moagem de cana alcançou 605,4 milhões de toneladas na safra 2020/21, terceiro maior volume dos últimos dez anos, o que representa 2,56% mais que as 590,36 milhões de toneladas da safra 2019/20.
Com preços mais atrativos, uma parcela maior de cana em comparação à safra passada foi destinada a fabricar açúcar, cuja produção alcançou 38,46 milhões de toneladas no último dia 31, 43,73% mais que as 26,76 milhões da safra passada. Oficialmente, o ano-safra vai de 1º de abril de um ano a 31 de março do ano seguinte.
Já o volume de etanol foi de 30,37 bilhões de litros, incluindo o anidro (que é misturado à gasolina antes de chegar aos postos), o hidratado (vendido diretamente nos postos) e o combustível proveniente do milho —que chegou a 2,57 bilhões, 58,13% mais que na safra anterior e cuja participação no total alcançou 8,45%.
Na safra passada, a oferta foi de 33,25 bilhões de litros, recorde histórico do setor.
Em função da necessidade de açúcar no mercado externo —e dos bons preços— e da redução de demanda no mercado nacional devido à queda na mobilidade urbana, 46,07% da cana foi utilizada para fabricar açúcar.
A maior parte, 53,9%, seguiu tendo como destino produzir etanol, mas a diferença caiu em relação à safra passada, quando 34,32% da cana teve como objetivo fazer açúcar, o menor percentual dos últimos 23 anos.
“A questão do câmbio e a precificação fizeram com que o açúcar tivesse remuneração bem superior à do etanol, mas o etanol também não foi ruim. Enfrentamos um ano difícil, mas a safra foi recorde, nunca tivemos a quantidade de oferta de produtos como nesta safra em relação a ATR [Açúcares Totais Recuperáveis], além de quase duas toneladas de cana a mais por hectare”, afirmou Antonio de Padua Rodrigues, diretor técnico da Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar).
A safra alcançou 144,72 quilos de ATR por tonelada de cana, ante os 138,57 quilos da safra 2019/20, o que representa 4,44% a mais. Isso, aliado à maior moagem, resultou em aumento de 7,11% na quantidade de ATR disponível, que somou 87,62 milhões de toneladas, a maior da história.
Dados do CTC (Centro de Tecnologia Canavieira) mostram que a produtividade da lavoura atingiu em média 77,9 toneladas de cana-de-açúcar por hectare, ante 76,1 toneladas do ano anterior, ou 2,3% a mais.
O setor considera que a safra foi cara por conta de custos atrelados à pandemia, ao câmbio e aos preços de diesel e fertilizantes e que, por isso, os ganhos com moagem e ATR não se transformaram em resultado líquido. Mas os preços no mercado estão favoráveis.
O preço de referência para a tonelada de cana no Consecana (Conselho de Produtores de Cana-de-Açúcar, Açúcar e Etanol do Estado de São Paulo), por exemplo, está superior a R$ 110. “Ninguém pode reclamar da precificação. Tanto açúcar quanto etanol, para ter bom preço de cana, preciso de bons preços de açúcar e etanol”, disse.
A safra foi caracterizada também pelo incremento nas exportações de açúcar, de 63% em relação ao ano passado, e pela redução do volume de etanol importado, de 1,65 bilhão de litros para 570 milhões.
Houve, ainda, forte aumento nas exportações de etanol hidratado, de 137%, para ser usado com fins não carburantes —como álcool 70% ou álcool em gel, no combate à pandemia do novo coronavírus. Para o mercado interno, a venda de etanol com fins não carburantes subiu 30%.
“De forma geral, se houve redução por conta da mobilidade tanto de gasolina como de anidro e hidratado, houve compensações com esses novos segmentos, o que fez com que a safra acabasse em equilíbrio entre oferta e demanda.”
A safra 2021/22, cuja previsão de moagem ainda não foi divulgada pela Unica, começa com um estoque de etanol hidratado equivalente a 23 dias de consumo, semelhante ao do ano passado. De anidro, há estoque para um mês.
Parte das usinas ainda não iniciou a nova safra, já que optaram por deixar a cana se desenvolver mais para tentar compensar o atraso provocado pela seca. Há, porém, quem já esteja moendo desde 1º de março.
Para a consultoria Datagro, a produção de cana no centro-sul do país deve alcançar 586 milhões de toneladas na próxima safra, afetada pelas chuvas abaixo da média dos últimos 30 anos.
“O início da safra está claramente mais lento que no ano passado, porque a maior parte das empresas está vendo que a cana do início de safra está sendo penalizada, com baixa produtividade. Isso significa que vai ser menor em volume e em ATR”, afirmou Padua.
O total de usinas em operação até esta semana deve chegar a 170, ante as 180 do mesmo período do ano passado.
No Nordeste, a seca fez entidades do setor pedirem socorro ao governo para tentar viabilizar medidas para reduzir o impacto da estiagem, como a construção de pequenos açudes nas cidades mais atingidas.