Lavagem de dinheiro

Empresas usadas pelo PCC movimentaram R$ 32 bilhões em 4 anos, diz Coaf

A PF apreendeu bens e imóveis em uma operação para desarticular um braço financeiro do PCC, nos estados de São Paulo, Santa Catarina e Paraná

Durante quatro anos, 78 empresas utilizadas por criminosos para lavar dinheiro proveniente do tráfico de drogas do PCC (Primeiro Comando da Capital) movimentaram R$ 32 bilhões, de acordo com relatório de inteligência financeira do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).

O relatório fornecido pelo Coaf à PF (Polícia Federal) auxiliou no mapeamento da lavagem de dinheiro feita pela facção paulista, que baseou a operação “Rei do Crime” feita pela polícia em São Paulo, Paraná e Santa Catarina, nesta quarta-feira (30), e que bloqueou judicialmente R$ 730 milhões de um braço financeiro do PCC.

De acordo com relatório assinado pelo delegado federal Rodrigo de Campos Costa, que atua na investigação contra o crime organizado em São Paulo, os valores foram localizados em movimentações financeiras, patrimônios e operações atípicas identificadas pelo Coaf.

Demonstra que a estrutura descortinada pela investigação é ampla e complexa. Seguramente, foram anos para solidificá-la no mercado econômico e financeiro, através de uma marca sólida, como a rede Boxter de postos de combustíveis.
Delegado Rodrigo de Campos Costa

Das 78 empresas listadas na investigações, quase todas têm ligação com a Boxter. Grande parte do dinheiro lavado identificado na operação da PF desta quarta-feira passava pela empresa. Seu principal chefe na organização era José Carlos Gonçalves, conhecido como Alemão.

“Ficou nítido, ao longo da análise dos dados obtidos, a diluição do capital ilícito ao lícito, através de uma atividade reconhecidamente estruturada dentro do mercado, como o ramo de combustíveis. De outro modo, aos olhos comuns, não se vislumbraria que, por trás de uma rede de combustíveis e uma marca sólida, estaria uma vantajosa estrutura de lavagem de ativos que tem como principal beneficiário a facção mais perigosa do país”, afirmou o delegado.

De acordo com a PF, Alemão lavava dinheiro para o PCC há mais de 10 anos. Diretamente em seu nome, sem contar possíveis laranjas, ele tem bens avaliados em R$ 11,7 milhões, incluindo dois carros da marca Volvo, dois helicópteros, um iate e três jet skis.

Quantia em dinheiro e joias apreendidas em operação da PF contra o tráfico de drogas (Foto: Divulgação PF)

Procurada, a Boxter afirmou que “não compactua com nenhuma espécie de ilícito” e que está cooperando com as investigações “para demonstrar que nenhuma irregularidade foi praticada”.

“Esta investigação teve por objetivo descortinar um sofisticado esquema, do qual identificamos quatro núcleos que atuam no mesmo segmento de mercado, ora no mercado de combustíveis, ora no mercado de manutenção de veículos. Parte desses núcleos está interligado através do mesmo profissional de contabilidade”, acrescentou o delegado Costa.

Ainda segundo ele, os integrantes desses núcleos identificados mantêm relação direta ou indireta com os chefes da facção, incluindo Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, ou membros relevantes da facção, como Jean Galian, que foi preso pelo furto ao Banco Central do Brasil.

“Essa é a verdadeira face do PCC. Essa é a face que deve ser encarada por todos. Uma organização criminosa especializada em lavagem de dinheiro do tráfico de drogas”, afirmou ao UOL o delegado Elvis Secco, coordenador-geral de Repressão a Drogas e Facções Criminosas da PF.

Depoimento de piloto ajudou PF

O piloto de helicóptero Felipe Ramos de Morais, 33, que participou diretamente do duplo homicídio de Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, e Fabiano Alves de Souza, o Paca, no Ceará, em fevereiro de 2018, denunciou integrantes da facção para a PF.

Morais afirma ter sido torturado por membros da facção paulista: ou ele sobrevoava para os criminosos, ou seria assassinado. A delação do piloto, segundo a PF, foi preponderante para chegar até Alemão, o principal alvo da ação da polícia nesta quarta-feira, e a todo o esquema de lavagem de dinheiro.

“Os dados coletados ao longo desta investigação, cuja duração é de mais de dez meses, foram exatamente ao encontro do teor da colaboração de Felipe Ramos Morais, sendo forçoso reconhecer que os dados por ele indicados quando da celebração do acordo de colaboração premiada são revestidos de grande eficiência”, diz a PF.

Ainda de acordo com a PF, “muito provavelmente, o investigado José Carlos Gonçalves, o Alemão, não passaria no radar dos órgãos de segurança sem que tivesse algo de muito concreto contra si, especialmente no que se refere ao seu envolvimento com o PCC”.

Segundo o colunista do UOL Josmar Jozino, Morais tentou se matar no sistema penitenciário federal depois de a PF não ter cumprido a ele o que prometeu para a delação.

Alemão financiou assassino de Gegê e Paca

José Carlos Gonçalves, o Alemão (Foto: Reprodução Folhapress)

De acordo com o depoimento de Morais, corroborado por investigações de policiais federais, José Carlos Gonçalves, o Alemão, foi o grande financiador do traficante Wagner Ferreira da Silva, o Cabelo Duro, que matou Gegê e Paca, mas, depois, foi assassinado como queima de arquivo.

“Há de se destacar que Felipe afirma que ‘Alemão’ fora o financiador inicial de Wagner ‘Cabelo Duro’ no tráfico internacional de drogas. Fato é que o helicóptero que era propriedade de ‘Alemão’ foi utilizado para a execução de ‘Paca’ e ‘Gegê do Mangue’, cujo mandatário era ‘Marcola'”, diz a PF.

A investigação apontou que Alemão adquiriu em 2005 uma empresa que fora da tia de Marcola, identificada como Maria de Fátima Gigliolio de Oliveira nos anos 90. De acordo com a PF, a empresa era uma ligação direta entre Alemão e Marcola.

“José Carlos Gonçalves atua, de forma constante e permanente, com seu conglomerado de empresas, em favor do Primeiro Comando da Capital, na lavagem de ativos ilícitos, tendo como crime antecedente à lavagem o crime de pertencer à organização criminosa”, acrescente a PF.

Outro Lado

Leia a íntegra da nota da Boxter:

“Acerca das notícias veiculadas na manhã desta quarta-feira, 30 de setembro de 2020, a Boxter vem a público esclarecer que está cooperando com as investigações para demonstrar que nenhuma irregularidade foi praticada.

As atividades prosseguem normalmente, com a certeza de que os fatos serão esclarecidos o mais rápido possível, respeitando um histórico amplo no mercado de combustíveis, sempre prezando pela idoneidade e qualidade dos serviços prestados. A empresa é capitalizada e tem ativos para honrar todos seus compromissos vigentes.

A Boxter informa que abrirá apuração interna para averiguar os fatos e tomará todas as medidas cabíveis contra licenciados ou quaisquer outros que tenham desrespeitado as regras de conduta.

Por fim, a Boxter reitera que não compactua com nenhuma espécie de ilícito e que as empresas do grupo operam com a mesma qualidade de atendimento.”