Entenda o que acontecerá no Reino Unido após renúncia de Liz Truss
A primeira-ministra do Reino Unido, Liz Truss, havia desistido de seu plano econômico ultraliberal e demitido seu ministro das…
A primeira-ministra do Reino Unido, Liz Truss, havia desistido de seu plano econômico ultraliberal e demitido seu ministro das Finanças, Kwasi Kwarteng, para tentar salvar seu pescoço. As manobras, entretanto, provaram-se mal-sucedidas, levando a política conservadora a renunciar nesta quinta-feira à liderança do seu partido e, consequentemente, ao comando do governo britânico.
Agora começa uma disputa para sucedê-la no comando de um humilhado Partido Conservador — como a legenda tem a maioria no Parlamento, seu líder também governa o país. Será a terceira troca de comando em três anos, e não se descarta nem um retorno político de Boris Johnson seis semanas após seu “hasta la vista” a Downing Street. Isso se os conservadores resistirem à pressão da oposição trabalhista, bem nas pesquisas, para que antecipem as eleições previstas para 2025.
Entenda abaixo por que Truss caiu e o que aguarda o Reino Unido, onde o caos político é indissociável de uma economia à beira da recessão e com a inflação de 10,1%, a maior em 40 anos.
O que era o plano ultraliberal de Truss?
Em 5 de setembro, Truss foi escolhida pelos 172 mil filiados do Partido Conservador (ou 0,3% dos 66 milhões de britânicos) para substituir Boris na liderança partidária já prometendo cortes maciços de impostos — perspectiva que fazia até correligionários mais ortodoxos a acusarem de imprudência. O pacote que ela apresentou no último dia 23, contudo, foi ainda mais ambicioso que o previsto.
A iniciativa previa os maiores cortes de impostos em meio século, custando cerca de 43 bilhões de libras esterlinas (R$ 255,8 bilhões) aos cofres públicos, sem que fossem previstas medidas para compensar o rombo. Entre elas, a abolição da alíquota máxima de Imposto de Renda, de 45%, aplicada àqueles que ganham mais de 150 mil libras (cerca de R$ 892 mil) por ano, e o cancelamento de um corte de impostos para empresas.
As críticas foram imediatas: vieram de aliados, opositores e até do Fundo Monetário Internacional, que alertou para a possibilidade do programa aumentar a dívida pública britânica e a já ascendente desigualdade. A libra chegou ao seu menor patamar histórico e os mercados demonstraram enorme desconfiança de que o plano solucionasse a inflação e uma economia à beira da recessão.
E como Truss respondeu às críticas?
A pressão sob a premier foi imediata, mas durante os primeiros dias manteve-se firme dizendo que o pacote era necessário para fazer o Reino Unido voltar a crescer. No dia 3, reverteu a mudança no teto do IR. Há seis dias, demitiu seu ministro das Finanças e parceiro na paternidade do controverso pacote, Kwasi Kwarteng, e nomeou Jeremy Hunt para substitui-lo. Cancelou boa parte das medidas previstas, mas nem isso provou-se suficiente.
Complicando mais sua situação, a premier nunca conseguiu tomar por completo as rédeas de seu partido ou do país. O ponto de ebulição foi se aproximando aos poucos: alguns poucos parlamentares pediam sua renúncia, mas longe do distante para um voto de desconfiança. Os tabloides apostavam se o prazo de validade do governo seria maior ou menor que o de um alface.
Quarta-feira foi um dia importante para que a verdura ganhasse a disputa, com a demissão de sua ministra do Interior, Suella Braverman, e um voto sobre fraturamento hidráulico ganhou ares de voto de confiança no governo. Nesta quinta, Truss não resistiu após caciques conservadores irem a Downing Street pedirem para a premier deixar o cargo. Pouco depois, notificou o rei Charles III da decisão e fez um discurso anunciado que ficará no poder até que seu sucessor seja escolhido.
E o que acontece agora?
Segundo Graham Brady, presidente da Comissão 1922, o órgão conservador que escolhe as regras da votação partidária, um novo líder conservador e, consequentemente, um novo premier, deve ser escolhido até o dia 28 de outubro. Os parlamentares têm até a tarde de segunda-feira para apresentar suas candidaturas, que devem ser endossadas por ao menos 100 colegas, regras que limitam o número de candidatos a três.
Se apenas um conservador atingir o patamar, será ele o novo premier. Se forem dois, a dupla irá para uma eleição on-line entre os 172 mil filiados do partido. No caso de um trio atingir a marca, os parlamentares votarão entre si para decidir os dois nomes que irão ao voto dos filiados, que vai terminar até sexta que vem — o cronograma exato não foi divulgado.
E por que não há eleições diretas?
Pela lei britânica, deve haver eleições gerais a cada cinco anos, no máximo. Como a última foi em 12 de dezembro de 2019, o limite derradeiro seria janeiro de 2025, contando o prazo de 25 dias para que o voto seja organizado. O premier, contudo, pode optar por antecipá-lo, como fez Boris há três anos, quando apostou acertadamente que os conservadores conseguiriam aumentar sua maioria no Parlamento e concluir o Brexit.
O cenário desta vez é mais complicado para os governistas, após os escândalos que eventualmente derrubaram Boris e a desastrosa gestão-relâmpago de Truss. Se o pleito fosse hoje, segundo o agregador de pesquisas do site Politico, os trabalhistas teriam 52% dos votos contra 23% dos conservadores. Quando a primeira-ministra demissionária tomou posse, tinham respectivamente 42% e 31%.
Se três trocas de comando em três anos não ajudam a popularidade conservadora, a perspectiva de uma derrota acachapante nas urnas não deixa muitas soluções para o partido.
Quem são os favoritos para assumir a liderança conservadora?
Assim que a renúncia de Truss foi confirmada, a imprensa britânica anunciou que Boris deve tentar retornar ao poder seis semanas após se mudar de Downing Street. Tal renascimento político seria uma tarefa hercúlea até mesmo para o político fênix, notório por ter sobrevivido a várias situações que foram a pá de cal em várias outras carreiras.
A gota d’água para a renúncia do então premier foram as renúncias de seu ministro das Finanças, Rishi Sunak, e seu ministro da Saúde, Savid Javid, que catalisaram a sangria de 60 funcionários de vários escalões do governo. Há meses, contudo, estava desgastado e sem credibilidade por escândalos que foram da realização de festas enquanto o país estava em quarentena para combater a Covid-19 à promoção de um aliado acusado de assédio sexual.
Parece improvável que Boris consiga o endosso de 100 parlamentares, regra que a imprensa britânica especula ter sido criada já para barrá-lo. Além dele, desponta como favorito Sunak, que ficou em segundo lugar na disputa que levou Truss a Downing Street com uma campanha defendendo ortodoxia financeira. Ele tem bom trânsito entre os correligionários, inclusive derrotando a premier demissionária na etapa parlamentar da última disputa pela liderança partidária.
Outro nome bem cotado é o de Penny Mordaunt, ex-secretária de Estado para o Comércio, que ficou em terceiro na disputa que coroou Truss. Despontam também o atual ministro das Finanças, Jeremy Hunt, e seu colega do Interior, Grant Shapps. Fala-se também no ministro da Defesa, Ben Wallace.