Espumante e grito de ‘cadeia’: como foi a viagem de Bolsonaro no avião ‘Harry Potter’
Em clima de campanha, ex-presidente deixou a Flórida, tirou fotos com apoiadores e disse que entregaria o terceiro estojo de joias ao TCU nesta sexta-feira
Depois de quase três meses nos Estados Unidos, período em que apareceu em vídeos para políticos do PL e participou de conferências da direita internacional, o ex-presidente Jair Bolsonaro desembarcou no Brasil falando pouco sobre o seu futuro político. Tanto quando foi abordado pela imprensa ou por apoiadores, limitou-se a ouvi-los e dar sorrisos.
Por volta das 21h, o ex-presidente e seus três acompanhantes foram os últimos a entrarem no avião, depois que os demais passageiros já estavam em seus lugares. Ao ser reconhecido, foi aplaudido aos gritos de “Bolsonaroooo uhuuuuu”. Apenas um cidadão berrou — solitário, mas com fôlego — “cadeia!”.
Óculos a postos, o ex-presidente prestou especial atenção às instruções de emergência e iniciou a viagem com uma taça de espumante. Embora o avião da Gol não fosse equipado com wi-fi, não desgrudou os olhos e dedos do celular até o jantar ser servido. Entre frango e nhoque, optou pela massa, ao sugo, com queijo parmesão. Quando as luzes se apagaram, dormiu: fronte encostada à janela, almofada de pescoço azul como proteção. Acima do assento, no guarda-malas, imagens do trem de “Harry Potter” em ação publicitária da franquia da Universal Orlando. Na madrugada, quem, a caminho do banheiro, se fixasse nesta cena na poltrona 1A do voo 7601 da Gol, tinha a impressão de que Jair Messias Bolsonaro sorvia as derradeiras horas de calmaria antes de seu retorno a Brasília.
Antes mesmo de embarcar no Aeroporto Internacional de Orlando, nos Estados Unidos, o ex-presidente abraçou crianças, beijou mulheres emocionadas, ouviu eleitores em visita à Flórida e tirou fotos pacientemente, inclusive com funcionários da Azul e da Gol que fizeram fila para garantir um clique. Parecia estar em campanha. A todos atendeu com sorrisos e mesuras. A exceção, não exatamente uma surpresa, foi com a imprensa.
Antes de passar pela Imigração, perguntado sobre as joias milionárias a ele presenteadas pelo governo da Arábia Saudita e se retornava ao país com a ambição de liderar a oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Bolsonaro reagiu.
— Vocês (repórteres) falaram muito de mim nas eleições, e agora… — disse, sem concluir.
Às reticências, seguiu-se o aviso formal de que não conversaria com os jornalistas do Globo e da Folha de S.Paulo durante a viagem de volta a Brasília.
Refúgio em lounge e joias
Entre a Imigração e o embarque, o ex-presidente se refugiou em uma área isolada no lounge do terminal, de onde deu uma única entrevista, para a CNN Brasil. Um de seus três companheiros de viagem, o assessor especial Sergio Rocha Cordeiro informou que Bolsonaro só “faz entrevistas ao vivo”, pois “se não for assim, vocês distorcem (aquilo que ele diz)”.
O silêncio com O GLOBO só foi quebrado quando o ex-presidente quase respondeu que nota, de 0 a 10, daria para o governo Lula. Ele riu, com gosto, em um grunhido, mas sem oferecer número algum. Em seguida, foi possível escutar uma conversa com alguém pelo celular, também entre risos: “Eu ia falar besteira. Aí não disse nada”. Mudez um tom menos rude do que as respostas malcriadas a repórteres, característica de sua temporada no comando do governo federal.
À CNN Brasil, o novo presidente de honra do PL falou das joias. Afirmou não ver ilegalidade alguma nas tentativas de se liberar o material que entrou, como se sabe, ilegalmente, no Brasil.
— A gente tentou recuperar (as joias) por ofício, não na mão grande. Era tudo pro acervo do presidente da República — argumentou.
Na mesma entrevista, também garantiu que irá à Polícia Federal na próxima quarta-feira, para dar explicações — o órgão investiga possíveis irregularidades na trama e determinou o depoimento. Especificamente sobre o terceiro estojo, avaliado em cerca de R$ 500 mil, afirmou que deve entregá-lo ao Tribunal de Contas da União ainda nesta sexta-feira.
— Está à disposição. Não foi surrupiado. Pra que vou usar um relógio de mais de R$ 200 mil? Jamais usaria — disse à CNN Brasil.
Durante o voo, em que se acomodou três fileiras à frente dos repórteres, Bolsonaro usou no pulso um modelo simples da Casio.