Estrangeiro foge de abertura de capital no Brasil
Participação de capital externo em aberturas de empresas cai de cerca de 70% para 30% nos últimos dez anos
A participação de investidores estrangeiros em aberturas de capital no Brasil caiu mais que pela metade na última década, com redução significativa no governo de Jair Bolsonaro (sem partido).
Na série histórica da B3, de 2004, quando essas operações ressurgem, até fevereiro de 2021, a presença de estrangeiros em IPOs (ofertas iniciais de ações, na sigla em inglês) atingiu o auge de 72,8% em 2006.
A fatia de estrangeiros ficou acima de 60% de 2004 a 2012.
Durante a recessão de 2014 a 2016 e o impeachment de Dilma Rousseff (PT), a participação caiu, voltando a ficar acima de 60% em 2017, junto com a recuperação do PIB (Produto Interno Bruto) naquele ano.
Em 2019, no primeiro ano do governo Bolsonaro, porém, caiu para a faixa de 30%, onde estacionou.
Segundo especialistas, o aumento do risco Brasil é uma das principais razões para a queda.
“A piora na relação dívida-PIB deixou o Brasil menos atraente em relação a outros emergentes. Quando a deterioração fiscal é muito aguda, empresas privadas são afetadas. Gera um efeito psicológico de aversão ao risco”, afirma Mauro Rochlin, professor de economia da FGV.
Segundo dados do Banco Central referentes a março, a dívida bruta do Brasil está em 89,1% do PIB e projeções apontam que pode superar os 98% no final deste ano.
Esse critério é considerado porque aumento de dívida pública pressiona taxas de juros, encarecendo o financiamento do governo. No extremo, pode levar a emissão de moeda para pagar a dívida, gerando inflação, prejudicando a economia e o resultado das empresas.
Segundo Rochlin, os estrangeiros também reduziram a sua participação na dívida pública brasileira e na Bolsa de Valores como um todo.
“Para o estrangeiro é interessante entrar [em IPOs brasileiros] pela depreciação do real, mas com indefinição da agenda política e a pandemia de Covid-19, há muita incerteza, o que o afasta das ofertas”, diz Jean Malta, economista da Valor Investimentos.
Desde 2019, o real se desvaloriza 35,25% ante o dólar. Ao fim de 2018, a moeda americana estava cotada a R$ 3,8770. Na última sexta-feira (30), fechou a R$ 5,4290, segundo a CMA.
Para Malta, o Brasil não é o único país que sofre com a saída de capital externo.
“O mercado emergente está enfraquecido, vemos fugas para ativos mais seguros como ações americanas. A liquidez está voltando para lá, o que justifica os recentes recordes de Wall Street.”
Na quinta (29), o índice S&P 500, que reúne as quinhentas maiores empresas da Bolsa de Nova York e Nasdaq, atingiu uma nova máxima histórica, aos 4.211,47 pontos, e acumula uma alta de 12% neste ano.
De acordo com o economista, o investidor estrangeiro que participa das ofertas brasileiras está mais seletivo.
“Estão vindo em ofertas superespecíficas, como CSN Mineração, saem de ofertas menores e vão para maiores, que trazem segurança. São empresas que já conhecem”, diz Malta.
Ao contrário das ofertas de ações na década passada, os IPOs recentes têm sido de empresas relativamente menores.
Na abertura de capital da CSN Mineração, a maior de 2021, estrangeiros levaram 50% das ações. No IPO da empresa de locação de caminhões Vamos, tiveram a maior participação até o momento, comprando 57% das ações.
“Nesse começo de ano, mercado não estava propício para emergentes”, afirma Daniel Miraglia, economista-chefe do Grupo Integral.
Segundo ele, estrangeiros voltaram para investimentos nos Estados Unidos com o fortalecimento do dólar e aumento no rendimento dos títulos do Tesouro americano, além da discussão sobre o Orçamento de 2021 no Brasil, que elevou a percepção de risco local.
A economia Brasil vem de um histórico recente desanimador. Quando iniciou a recuperação em 2017, o presidente Michel Temer foi gravado pelo empresário Joesley Batista, da JBS, e o Ibovespa caiu 8,80%.
Em 2018, a eleição presidencial também elevou a percepção risco. Em 2019, atritos do governo Bolsonaro com o Congresso frustraram investidores que esperavam reformas. A pandemia em 2020 foi o catalisador mais recente para afugentar os estrangeiros.
Em 2018 e 2019, o saldo anual de investimento estrangeiro em ações brasileiras, considerando aportes em IPOs e follow-ons (ofertas subsequentes de ações), ficou negativo em R$ 5,7 bilhões e R$ 4,7 bilhões, respectivamente.
Em 2020, houve uma entrada líquida de R$ 5,5 bilhões. Com o real desvalorizado e a Bolsa em recuperação após o tombo com a pandemia, estrangeiros foram às compras.
Até 27 de abril, há uma entrada de R$ 22,8 bilhões.
“Com o juro do Tesouro americano se estabilizando, é provável que o estrangeiro retome o apetite pelo Brasil, especialmente se agenda de reformas vingar. O mercado está muito líquido, aquecido”, diz Miraglia.
Outro ponto que impacta a participação de estrangeiros em IPOs é o aumento de brasileiros na Bolsa. Hoje, investidores institucionais (bancos, empresas, fundos e grandes investidores) adquirem a maior parte das ações de um IPO.
Impulsionados pela queda na taxa básica de juros, cada vez mais pessoas físicas investem direta e indiretamente, via fundos, em ações buscando retornos mais altos. Há mais de 3,5 milhões de CPFs na B3. Em 2004, eram apenas 116,9 mil.