Ex-presidentes do Inep condenam plano do ministro de interferir em questões do Enem
Quatro ex-presidentes do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) condenaram o plano do…
Quatro ex-presidentes do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) condenaram o plano do ministro da Educação, pastor Milton Ribeiro, de interferir ideologicamente na definição das provas do Enem. Os antigos titulares afirmaram a necessidade de garantir a autonomia técnica do órgão.
O ministro disse na semana passada que pretende analisar pessoalmente as questões da próxima edição para, segundo ele, evitar itens de cunho ideológico. “Sabemos que muitas vezes havia perguntas muito subjetivas e até mesmo com cunho ideológico, isso não queremos”, disse o ministro em entrevista à CNN Brasil.
Ribeiro citou como exemplo suposta inadequação de questões de exames anteriores. Uma citava uma gíria usada por travestis (mas não exigia conhecimento específico sobre isso) e outra sobre diferença salarial entre homens e mulheres, a partir do caso dos jogadores Neymar e Marta.
O embate ideológico é a principal marca do governo Jair Bolsonaro na área da educação. O Inep é o órgão do MEC (Ministério da Educação) responsável por avaliações federais como o Enem —as provas vão ocorrer em novembro, mas o cronograma do exame está atrasado.
Em audiência pública online promovida pela Comissão de Educação da Câmara nesta segunda-feira (7), quatro ex-titulares do órgão —dos governos do PSDB, PT e MDB— e parlamentares criticaram os rumos do órgão e a posição do ministro. Para alguns dos participantes, o objetivo de Ribeiro é que evidencia interferência ideológica no exame.
As questões do Enem têm longo processo de elaboração técnica. A produção de uma única questão prevê dez etapas, que envolvem desde o treinamento de professores à revisão dos itens por parte de especialistas das áreas de conhecimento.
Para Maria Inês Fini, que presidiu o órgão no governo Michel Temer (MDB), é preciso fortalecimento das regras de governança para que não haja a interferência anunciada pelo ministro, “que diz estar fazendo filtro ideológico de questões”.
O professor Reynaldo Fernandes, responsável pelo Inep na criação do formato atual do Enem, no governo Lula (PT), ressaltou que “é preciso garantir autonomia técnica” e que não pode haver interferência externa.
“Não é possível que pessoas de fora do corpo técnico discutam critérios de formulação de prova”, disse. “Isso tem que ser critério técnico. ‘Ah, não gostei daquela questão, troca lá’, ou alguém de fora do instituto quer mudar o tema da redação. Isso não é possível”, disse.
O também professor Chico Soares, titular da autarquia no governo Dilma Rousseff (PT), fez referência às trocas frequentes no comando do órgão e alertou para os riscos dessa instabilidade para as ações do órgão.
“Há reforma do ensino médio que é incompatível com o novo Enem, mas já se passaram dois anos [deste governo] e a sociedade não sabe o novo contorno do Enem”, afirmou.
Atual presidente do CNE (Conselho Nacional de Educação), Maria Helena Guimarães de Castro disse que espera que o governo Bolsonaro mantenha compromisso de fortalecimento institucional. Ela presidiu o o instituto no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
“Isso significa interferência completamente fora de lugar, o Inep precisa ter autonomia técnica.”
Além de ameaçar intervir diretamente nas questões do Enem, Ribeiro retirou do Inep a liderança nas discussões de reformulação do Ideb, principal indicador da qualidade de educação básica. As movimentações de sua gestão têm sido criticadas por especialistas e servidores, que veem esvaziamento do órgão e interferências ideológicas.
Ainda na eleição, Bolsonaro disse que pretendia ver as questões do Enem. Isso não ocorreu até agora. O Inep criou uma comissão que fez um pente ideológico nos itens —questões sobre a ditadura militar (1964-1985), por exemplo, não apareceram mais na prova. O ex-ministro Abraham Weintraub, no entanto, não chegou a ter acesso à prova.
O atual presidente do Inep, Danilo Dupas Ribeiro, afirmou que Ribeiro, como ministro da Educação, teria o direito de se envolver dessa forma. Segundo ele, não se trata de postura ideológica, mas técnica.
“[A vontade do ministro] ainda será analisada pela equipe técnica. E a influência não é ideológica, é técnica”, defendeu. Dupas Ribeiro, o quarto presidente do Inep nomeado neste governo, ressaltou que sua equipe é formada por técnicos.
O deputado Idilvan Alencar (PDT-CE), que comandou a audiência, afirmou que a interferência do ministro é indevida também por critério técnicos. “Que o ministro desista, porque não é nenhum especialista nessa pauta”. Para o deputado Professor Israel (PV-DF), há “interferência indevida do ministro” e o momento inspira grande preocupação.
Danilo Dupas Ribeiro ainda afirmou, em texto lido no início do encontro, que anunciaria “em primeira mão” atendimento a pleitos dos servidores —mas as iniciativas citadas já estavam em andamento quando ele chegou ao órgão, em fevereiro.
Ele citou a elaboração e envio ao ministério da Economia de projetos de lei que garantem aos servidores do Inep carreira típica de estado e permitem evolução na carreira, além de tentar viabilizar contratação de servidores temporários e autorização para implementação do programa de gestão do Inep.
Ofício de fevereiro deste ano, obtido pela Folha, mostra que todos esses itens estavam em curso ainda sob a presidência de Alexandre Lopes no Inep. Em alguns casos, desde setembro passado.
O presidente da Associação de Servidores do Inep, Alexandre Retamal, ressaltou no encontro que a busca pela autonomia no Inep é um tema da educação brasileira.
“Que sejamos tratados e reconhecidos pela especificidade e qualidade do trabalho que temos ofertado para a sociedade brasileira.”