Excluídos do PT incluem eleitores de Bolsonaro e vice da Câmara que hoje produz pitaia
Baixas no partido de Lula alimentaram outros partidos de esquerda, mas também da direita
A lista de filiados ao PT que deixaram o partido nos últimos 20 anos inclui fundadores do PSOL, mas também políticos que migraram para a direita, entre eles alguns que admitem votar em Jair Bolsonaro (PL).
A dispersão foi motivada, principalmente, pela insatisfação da ala mais à esquerda com a política econômica da primeira gestão de Lula (2003-2006) e pelos escândalos do mensalão (2005) e petrolão (a partir de 2014), que abateram expoentes da sigla.
Em 2013 e 2014 André Vargas (PR) foi vice-presidente da Câmara dos Deputados, um dos cargos mais importantes da República. Forçado a se desfiliar às vésperas da campanha pela reeleição de Dilma Rousseff, hoje ganha a vida produzindo pitaias em um sítio em Ibiporã, cidade vizinha a Londrina.
Vargas teve um dos momentos de maior notabilidade quando afrontou o então presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa, em uma solenidade na Câmara, em 2014.
Na ocasião, ele repetiu para fotógrafos, ao lado do presidente do tribunal, o mesmo gesto de punho cerrado feito por petistas condenados no mensalão, no momento em que foram presos. Barbosa relatou o processo no STF.
O então deputado acabou caindo em desgraça após a Folha revelar ligações com o doleiro Alberto Youssef. Teve o mandato cassado pela Câmara dos Deputados, foi condenado pelo então juiz Sergio Moro e preso.
“Eu fiquei 42 meses preso, na mesma cela do Vaccari [João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT], e dizia que a Lava Jato mergulharia o Brasil em anos de escuridão. Não imaginava que seria tão intenso”, afirmou Vargas à Folha, dizendo-se inocente.
De acordo com o ex-deputado, sua relação com o cárcere não foi de abatimento. “Trabalhei todos os dias, li 236 livros, fiz todos os cursos oferecidos, cada dia era um dia a menos. Tem gente que briga com a cadeia, se revolta. Para esses, cada dia é um dia a mais, tudo depende da forma como você encara.”
O ex-petista afirma que aguarda votação de habeas corpus no STF que pede a anulação de suas duas condenações e diz que continua militando por Lula e por candidatos do partido, tarefa que divide com o pomar.
“Estou iniciando a produção [de pitaias], faço venda direta e em supermercados de Londrina. Estou no segundo ano, ainda é um pomar novo, neste ano devo colher umas 8 toneladas.”
A primeira cisão no PT após Lula chegar ao poder se deu ainda em 2003 envolvendo os chamados “radicais do PT”, que faziam críticas abertas à política econômica de Antonio Palocci.
O estopim da crise aconteceu quando a senadora Heloísa Helena (AL) e os deputados Babá (PA), Luciana Genro (RS) e João Fontes (SE) se recusaram a apoiar a proposta de reforma da Previdência de Lula.
O PT expulsou os quatro, sendo Fontes de forma sumária por ter divulgado um vídeo com imagens de Lula em 1987 atacando propostas de mudança na Previdência.
Quase 20 anos depois, o outrora “radical do PT” hoje está filiado ao PSB e, embora critique Jair Bolsonaro, diz que repetirá o que fez em 2018 e votará nele caso o segundo turno seja contra Lula.
“No PT eu não voto. Eu e a Heloísa Helena, a gente não pode votar no PT. Eu andei, amigo, seis meses com colete à prova de bala [na época de sua expulsão do PT]”, disse Fontes à Folha.
“Eu disse publicamente em 2018 que votaria com nariz tapado contra o PT. E eu tenho esse mesmo pensamento. Se ficar Lula e Bolsonaro eu vou tapar o nariz dez mil vezes e vou votar contra o PT.”
Fontes diz que com seu conhecimento político e técnico (ele é advogado), tem a convicção de que o PT cometeu os crimes pelos quais foi acusado. E critica também Bolsonaro, apesar de ter participado ativamente em Aracaju do ato pró-governo no feriado de 7 de Setembro —ele diz que foi protestar contra a “ditadura da toga”, não apoiar Bolsonaro.
Fontes afirma não ter um candidato de preferência, entre os atuais nomes. “Moro é uma tragédia, deu uma contribuição grande na Lava Jato, mas errou tremendamente quando deixou a magistratura para ir para a política. E ele não tem vocação para a política, é um bobão, um pateta nesse meio.”
Outro potencial eleitor de Bolsonaro é o ex-senador Delcídio do Amaral (MS). Hoje presidente estadual do PTB, Delcídio era filiado ao PSDB até 2001, quando migrou para o PT. Chegou a líder do governo Dilma.
Foi afastado do PT em 2015, após ser preso sob acusação de tentativa de obstrução da Justiça. Deixou o partido em 2016, ocasião em que acertou delação premiada no âmbito da Lava Jato e passou a fazer acusações contra próceres do petismo.
Filiou-se ao PTB a convite do bolsonarista Roberto Jefferson. Inocentado, concorrerá a uma vaga na Câmara de Deputados por um estado que, em suas palavras, é bolsonarista. Questionado sobre a hipótese de votar no presidente, afirma:
“O apoio a Bolsonaro é a posição do PTB. E estamos alinhados”, diz Delcídio, que divide a agenda política com produção de gado nelore e atividade empresarial no setor infraestrutura.
Completa a lista de ex-petistas que hoje estão em partidos mais à direita o ex-deputado Cândido Vaccarezza (SP), líder dos governos Lula e Dilma na Câmara. Depois de se desfiliar do PT em 2016, chegou a ser preso na Operação Lava Jato em 2017 e voltou a praticar a medicina ginecológica.
Médico concursado da Prefeitura de São Paulo, trabalha no hospital Dr. Ignácio Proença de Gouvêa, na Mooca. Pretende se candidatar a deputado federal pelo Avante. Em um eventual segundo turno entre Lula e Bolsonaro, votará no petista, afirma.
“Eu não falo mal deles e eles não falam mal de mim”, diz Vaccarezza ao se referir a petistas.
Entre os “radicais” expulsos em 2003, três participaram da fundação do PSOL, em 2004. Heloísa Helena, porém, deixou o partido e hoje é uma das porta-vozes da Rede. Não quis falar com a reportagem sob o argumento de que está consumida pelos debates internos do partido.
Babá transferiu seu domicílio eleitoral para o Rio. Não conseguiu se eleger vereador em 2020. Integrando um movimento minoritário dentro do PSOL, pretende se candidatar ao Senado em uma chapa que teria o deputado Glauber Braga para a Presidência.
Babá admite a hipótese de anular o voto caso o PSOL se alie a Lula. “Não podemos aceitar uma aliança entre Lula e Alckmin com o respaldo do PSOL.”
Deputada estadual, Luciana Genro trabalha internamente para reverter a tendência de apoio do PSOL a Lula ainda no primeiro turno. Ela também rechaça a ideia de participação em um eventual governo petista. Mas admite votar no ex-presidente em um segundo turno.
“Uma coisa é estar ao lado deles para derrotar Bolsonaro. Outra é integrar um governo.”
De figuras centrais em escândalos, o ex-ministro Antonio Palocci, homem forte nos governos Lula e Dilma, é hoje talvez o nº 1 na lista de personas non grata no PT.
Preso na Lava Jato, ele se desfiliou do partido após negociar delação premiada e dizer que Lula sucumbiu ao que há de pior na política.
Palocci ficou livre em dezembro de usar tornozeleira eletrônica após o STJ anular sua condenação. No último dia 2 sua defesa pediu ao STF que seus bens também sejam desbloqueados, assim como o que ocorreu com Lula.
Um dos que deixaram o PT após o escândalo do mensalão, o ex-senador Cristovam Buarque (DF) é hoje voz dissidente em sua legenda, o Cidadania, ao defender o voto em Lula já no primeiro turno com o objetivo de derrotar o bolsonarismo.
“Ainda que continue achando que o PT, pelas falas de alguns dirigentes, não entendeu que a responsabilidade fiscal hoje é uma condição fundamental, acho que durante todo esse período não surgiu um partido com a força do PT e um líder com o carisma do Lula”, diz.
Aos 78 anos, Cristovam diz que não pretende se candidatar em outubro.
“Do ponto de vista pessoal, existencial, eu estou feliz. Eu antes era um político que escrevei nas horas vagas. Agora eu sou escritor que faz política nas horas vagas.”
O ex-petista Chico Alencar (PSOL-RJ) também defende uma aliança contra o bolsonarismo, com independência crítica. “Coligação não é fusão”.
Hoje vereador, ele cogita concorrer a deputado federal. “Foi uma separação [do PT] definitiva. Mas não litigiosa. Como me disse um assentado do MST no norte fluminense, ‘mudamos de enxada para continuar o plantio'”.
Alencar diz que considerar naturais essas cisões. “Acontece muitas vezes com partidos de esquerda quando chegam ao poder: Tensão em função de afã de ‘governabilidade’ sacrificando alguns princípios. Pode parecer paradoxal, mas saímos do PT para continuar praticando os valores políticos que aprendemos nele.”