Executivo da Vale preso é suspeito de pressionar por laudo da barragem
O gerente-executivo de geotecnia corporativa da Vale, Alexandre de Paula Campanha, um dos oito funcionários…
O gerente-executivo de geotecnia corporativa da Vale, Alexandre de Paula Campanha, um dos oito funcionários da mineradora que foram presos nesta manhã (15) por suspeita de responsabilidade criminal no rompimento da barragem da Mina do Feijão, em Brumadinho (MG), é investigado por ter feito uma possível pressão para que o laudo de estabilidade da estrutura fosse emitido pela empresa alemã Tüv Süd.
O despacho de Rodrigo Heleno Chaves, juiz do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), que autorizou as prisões temporárias, cita o depoimento de Makoto Mamba, engenheiro da Tüv Süd que assinou o último laudo, emitido em setembro de 2018. “Este [Mamba] afirmou que sentiu que o investigado Alexandre o pressionou a assinar a declaração de condição de estabilidade da barragem, sob riso de perderem o contrato”, registra a decisão.
Um e-mail datado do dia 13 de maio de 2018, enviado por Makoto Mamba a outro funcionário da Tüv Süd, é transcrito pelo magistrado. “Está terminando os estudos de liquefação da Barragem I do Córrego do Feijão, mas tudo indica que não passará. (…) Dessa maneira, a rigor, não podemos assinar da Declaração de Condição de Estabilidade, que tem como consequência a paralisação imediata de todas as atividades da Mina do Córrego do Feijão. (…) Mas como sempre a Vale irá nos jogar contra a parede e perguntar: e se não passar, irão assinar ou não? Para isso, teremos que ter a resposta da corporação, com base nas nossas posições técnicas”, diz a mensagem de Mamba.
Apesar de atestar a estabilidade, o laudo da Tüv Süd listou 17 recomendações para corrigir problemas. Em coletiva de imprensa na última terça-feira (12), diretores da Vale afirmaram que se tratam de recomendações corriqueiras nesse tipo de documento e que oito delas teriam sido atendidas e nove estariam em andamento. Segundo eles, nenhum documento revelou o risco iminente de rompimento.
Operação do MPMG
A prisão dos oito funcionários da Vale ocorreu em operação deflagrada pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), com o apoio de polícias civis e militares de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Todos ficarão detidos por 30 dias e deverão prestar depoimento em Belo Horizonte. Segundo o MPMG, eles poderão responder por homicídio qualificado e também por crimes ambientais e falsidade ideológica. Foram cumpridos também 14 mandados de busca e apreensão em endereços ligados à Vale, à Tüv Süd e a funcionários das duas empresas.
De acordo com o magistrado, os autos apontam que os oito empregados da Vale eram sabedores da situação crítica da barragem desde meados de 2018 e não adotaram nenhuma medida eficaz para reverter a situação. “Caso os investigados tivessem optado pelo acionamento do PAEBM [Plano de Emergência da Barragem] é forçoso concluir que provavelmente quase todas as vidas seriam poupadas. É sim possível que os oito funcionários, mesmo não querendo diretamente que o resultado ocorresse, tenham assumido o risco de produzi-lo, pois já o haviam previsto e aceitado as suas consequências”, escreveu.
Em nota, a Vale informou que continua colaborando com as autoridades responsáveis pelas investigações. “A Vale permanecerá contribuindo com as investigações para a apuração dos fatos, juntamente com o apoio incondicional às famílias atingidas”. Há duas semanas, uma outra operação no âmbito das investigações sobre a tragédia conduziram à prisão mais três funcionários da Vale e dois da Tüv Süd, incluindo Makoto Mamba. Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) os colocou em liberdade sete dias depois.
Demais presos
Outro preso na manhã desta sexta-feira é Felipe Figueiredo Rocha, integrante do setor de gestão de riscos geotécnicos da Vale. Ele também é citado em um trecho do e-mail escrito por Makoto Mamba em 13 de maio de 2018. Há também menção à VogBr, mesma empresa que havia concedido laudo à barragem da Samarco que se rompeu em Mariana (MG), em novembro de 2015, provocando 19 mortes e destruição na bacia do Rio Doce.
“O coordenador Felipe ligou na sexta-feira passada para saber como andavam os estudos e, sabendo da possibilidade da Barragem I não passar, comentou que todos os esforços serão feitos para aumentar o fator de segurança, como o rebaixamento do lençol freático, a remineração do rejeito, etc. Mas são todas soluções de longo prazo, que levarão de 2 a 3 anos para surtir o efeito desejado. Disse ainda que a Barragem Forquilha III, que está sendo estudada pela VogBR, não está passando, mas a empresa assinará a declaração de estabilidade com base nas mesmas promessas de intervenções de melhoria”, registra a mensagem de Mamba.
Também foram alvos da operação Marilene Christina de Assis Araujo e Hélio Márcio Cerqueira, que integravam o setor de gestão de riscos geotécnicos da Vale assim como Felipe Figueiredo Rocha. De acordo com o despacho que autorizou suas prisões, os dois mantiveram contato sobre a situação de instabilidade da barragem e participaram do gerenciamento de dados que levaram à inclusão da estrutura na “zona de atenção”, conforme classificação interna da mineradora.
Foram presos ainda Joaquim Toledo, gerente-executivo de geotécnica operacional da Vale, e três funcionários que atuavam em sua gerência: Renzo Albieri Carbalho, Cristina Heloiza Malheiros e Artur Bastos Ribeiro. Segundo depoimentos colhidos pelo MPMG, qualquer anomalia na barragem era comunicada imediatamente à Joaquim Toledo, a quem estava incumbido de adotar as providências para sanar o problema.
Depoimentos
Um das pessoas ouvidas pela MP foi o funcionário da Vale Luciano Henrique Coelho. Ele disse que seu pai, Olavo Henrique, o mais antigo empregado da mina e referência na mineradora em questões de infraestrutura, chegou a alertar para a necessidade de evacuar o Córrego do Feijão após verificar que “estava brotando lama no talude”. Olavo Henrique morreu no rompimento da barragem da Vale em Brumadinho.
Outro depoente, o engenheiro Washington Pirete, é funcionário da Vale há mais de 20 anos e, em 2010, defendeu tese de mestrado na Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) onde apontou alguns problemas na barragem que se rompeu em Brumadinho. De acordo com ele, em caso de rompimento, Renzo seria o responsável por dar a ordem para a evacuação e Cristina deveria adotar o primeiro passo para iniciar o processo.
O engenheiro também disse não ser normal que os piezômetros registrem leituras discrepantes por tanto tempo sem que alguma providência seja adotada. Os piezômetros são dispositivos para monitoramento do volume de água na barragem. Uma troca de e-mails entre funcionários da Vale revelou que havia problemas de leituras do dia 10 de janeiro até o dia do rompimento.
“As leituras estão incoerentes. Favor verificar o que aconteceu. Ainda estamos sem leituras para prosseguir com o monitoramento desta barragem à montante. Priorizar isso! Se não encontrarem a falha me liga no celular”, escreveu um dia antes do rompimento Helio Cerqueira, um dos presos nesta manhã.
No dia seguinte, antes da tragédia, ele voltou ao assunto em novo e-mail. “Ainda não temos leituras do mês de janeiro para as barragens I, Vargem Grande e B3/B4, e só temos 5 dias úteis até a virada do mês. O risco de multa do DNPM é muitíssimo alto”. DNPM é a sigla para Departamento Nacional de Produção Mineral, órgão que foi substituído pela Agência Nacional de Mineração (ANM). Uma perícia contratada pela Vale junto à empresa IBPTech aponta que as leituras estavam erradas por um problema de configuração na automatização. Segundo a Vale, corrigindo a falha, as medições dos piezômetros se mostravam dentro da normalidade.
A Agência Brasil apurou que as defesas dos oito presos serão divididas pelos escritórios Marcelo Leonardo Advogados Associados e Leonardo Bandeira Sociedade de Advogados. Ambos foram contatados. “Qualquer contato com imprensa deve ser feito com a assessoria de comunicação da Vale”, respondeu o advogado Marcelo Leonardo. O escritório Leonardo Bandeira Sociedade de Advogados ainda não se posicionou.