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Exército fez vacinação secreta de agentes da Abin sem aval do programa de imunização

Técnicos do PNI disseram ao MPF que servidores não deveriam ter sido contemplados

(Foto: Pedro Ladeira/FolhaPress)

O Exército atuou diretamente na vacinação secreta de 130 servidores da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), que foram imunizados contra a Covid-19 sem o aval de técnicos do PNI (Programa Nacional de Imunizações) do Ministério da Saúde.

O MPF (Ministério Público Federal) em Brasília constatou que uma lista sigilosa com nomes foi enviada diretamente ao Exército para que os funcionários da Abin fossem vacinados com todos os militares da ativa –das três Forças Armadas– que estão sendo imunizados de forma privilegiada em Brasília.

A vacinação de fato ocorreu, conforme documentos reunidos pelo MPF em inquérito civil público instaurado em 25 de junho. O inquérito investiga o privilégio dado aos militares das Forças Armadas, a forças de segurança e aos agentes da Abin em Brasília.

Todos eles são suspeitos de furar a fila de vacinação, em razão do desrespeito a normas técnicas editadas pela equipe do PNI para organizar um fluxo de imunização de grupos prioritários, diante da falta de doses em todo o país.

No caso da Abin, a procuradora da República Ana Carolina Roman, responsável pelas investigações, consultou uma equipe de técnicos do PNI para saber se fazia algum sentido a vacinação dos servidores.

Numa reunião virtual feita com duas técnicas do PNI, Thaís Minuzzi e Caroline Gava, e com o então diretor do Departamento de Imunização do Ministério da Saúde, Laurício Monteiro Cruz, Roman buscou esclarecer o episódio da vacinação secreta dos agentes da Abin. O encontro ocorreu no dia 1º de julho.

Coube a Gava dar uma explicação, que não foi contestada pelo diretor do Departamento de Imunização. Cruz foi demitido do ministério uma semana depois, suspeito de participação em um mercado paralelo de vacinas junto à pasta, investigado pela CPI da Covid no Senado.

“Tivemos esclarecimento com o GDF [governo do Distrito Federal]. A coordenação de imunização entrou em contato conosco, perguntando sobre esses profissionais [da Abin]. No PNI, esses profissionais não estariam contemplados, por não disporem de ações diretas [relacionadas à atuação em segurança]”, afirmou a técnica do PNI em resposta a pergunta da procuradora.

“Se ocorreu a vacinação prioritária, a gente não tem como responder”, disse Gava.

Em ofício ao MPF duas semanas antes, o secretário de Saúde do DF, Osnei Okumoto, apontou as explicações do comitê gestor da vacinação contra a Covid-19 para a imunização de agentes da Abin.

“Por fazerem parte do grupo de funcionários da força de segurança, houve o pleito de vacinação por parte da associação dos servidores da Abin para vacinação de 130 profissionais a serem contemplados, considerando o critério de exposição de risco epidemiológico decorrente do trabalho por parte desses servidores”, cita o ofício.

O documento confirma que a vacinação ocorreu, na Praça dos Cristais em Brasília, em uma parceria entre a secretaria e o Comando Militar do Planalto, do Exército. “A listagem foi enviada diretamente para o Exército, considerando a importância da discrição quanto ao sigilo das atividades e nomes desses servidores.”

Para a procuradora Ana Roman, a vacinação dos agentes desrespeitou normas técnicas do Ministério da Saúde que estabelecem que são grupos prioritários militares das Forças Armadas e forças de segurança que estão na linha de frente do combate à pandemia.

Em uma reunião virtual feita em 29 de junho, Roman questionou a enfermeira Christiane Braga de Brito, subsecretária de Planejamento em Saúde do DF, sobre as razões para servidores da Abin serem incluídos como forças de segurança.

A subsecretária disse que a decisão havia sido corroborada pelo Ministério da Saúde, o que não foi confirmado pela equipe técnica do PNI dois dias depois.

“Foi ratificado pelo ministério que eles faziam parte desse processo de segurança pública. O efetivo são 30.927 profissionais [de segurança] do DF mais PF, PRF, Depen, Ministério da Justiça e Força Nacional. A Abin foi considerada dentro desse grupo”, afirmou Brito.

Em maio, uma reportagem do jornal O Globo mostrou que os servidores da Abin haviam furado a fila da vacinação no DF.

Movimento semelhante foi feito por Exército, Aeronáutica e Marinha. O Ministério da Defesa apresentou ao Ministério da Saúde um total de 29,6 mil homens e mulheres da ativa a serem vacinados como grupo prioritário. O total corresponde a todo o efetivo com atuação em Brasília, como descobriu o MPF.

A iniciativa do governo de Jair Bolsonaro de incluir todo o efetivo dentro de um grupo prioritário e, assim, burlar notas técnicas do Ministério da Saúde foi revelada em reportagem publicada pela Folha nesta terça (20).

Já foram convocados para imunização jovens militares de 22 anos, enquanto a campanha para os demais cidadãos está empacada na faixa dos 40 anos.

O governo do DF acaba fazendo um sorteio de vacinas, por usar um sistema de agendamento que não funciona. Moradores de Brasília estão procurando cidades pobres do entorno do DF para se vacinar.

Ao MPF, após um pedido de explicações, o diretor-geral da Abin, Alexandre Ramagem, afirmou que a vacinação dos agentes atendeu a uma “iniciativa exclusiva” da Associação Nacional dos Oficiais de Inteligência.

“Contudo, não se pode deixar de afirmar o caráter de órgão de segurança de Estado e da sociedade da Abin, bem como a essencialidade da atividade de inteligência, que mesmo no período de vigência do decreto de calamidade pública, decorrente da pandemia, manteve parte de seu efetivo em trabalho presencial e externo, com risco epidemiológico”, disse Ramagem em ofício.

O mesmo argumento foi usado pela associação dos servidores da Abin para justificar a vacinação.

A Folha enviou questionamentos ao Ministério da Defesa e ao Exército. Os emails foram enviados às 15h12 e 18h46 desta terça. Não houve resposta.

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