Trabalho escravo

Falsa clínica de reabilitação submete dependentes químicos a trabalho escravo, diz Procuradoria

Representantes da suposta comunidade terapêutica prometiam emprego e reabilitação a pessoas em situação de rua

Trabalhadores se dividiam entre produção e venda de peças de gesso, com condições precárias e ausência de direitos trabalhistas. Foto: Divulgação - Operação Resgate

A Procuradoria-Geral do Trabalho divulgou nesta quinta (28) o resgate de 15 trabalhadores em condições análogas à escravidão em Patos de Minas (MG). A empresa, fabricante de peças de gesso, informava ser uma clínica de recuperação para usuários de drogas e álcool, que utilizaria o trabalho como parte do tratamento.

Segundo o coordenador da ação, Humberto Monteiro Camasmie, as vítimas eram recrutadas em outros municípios, em bairros de periferia e no período noturno. Representantes da suposta comunidade terapêutica prometiam emprego e reabilitação a pessoas em situação de rua, sem vínculos familiares e em situação de vulnerabilidade psicossocial, em razão do abuso de álcool e drogas.

Havia promessa de pagamento a quem cumprisse metas que dificilmente eram alcançadas, motivo de agressões e ameaças. A suposta clínica também não tinha supervisão médica, psicológica, corpo de enfermagem ou plano terapêutico.

Segundo Camasmie, que é auditor-fiscal do trabalho, José Augusto Santos Neto se apresentou como o responsável pela Clínica Missionária Renascer durante a inspeção. Procurado, o advogado Carlos Roberto Silva Júnior, do Viana Lima Advogados, não respondeu até a publicação desta reportagem.

Embora Renascer esteja no nome do estabelecimento, a igreja de mesmo nome informou que não está vinculada a nenhum dos envolvidos. Procurada pela reportagem, a liderança da Renascer afirma que não tem nenhuma ligação com o local e que suas obras assistenciais estão todas localizadas em São Paulo. A instituição diz que tomará as medidas jurídicas cabíveis para que os acusados parem de usar o nome Renascer.

A ação, que começou no dia 14 de julho e partiu da denúncia de uma vítima, fez parte da segunda edição da Operação Resgate, que resgatou 338 trabalhadores em situação análoga à escravidão no mês de julho.

A operação na falsa clínica foi conduzida pela SIT (Subsecretaria de Inspeção do Trabalho) do Ministério do Trabalho e Previdência, pelo MPT (Ministério Público do Trabalho) e pela PRF (Polícia Rodoviária Federal).

Camasmie afirma que a auditoria fiscal do trabalho lavrará auto de infração e que o relatório de fiscalização será encaminhado aos órgãos responsáveis, que possivelmente entrarão com ação criminal. As vítimas estão recebendo assistência da Icasu (Instituição Cristã de Assistência Social de Uberlândia) e da Universidade Federal de Uberlândia.

Abordagem religiosa, agressões físicas e ameaças Segundo a investigação, também havia um contorno religioso na abordagem. “Sempre essa equipe que recruta está acompanhada de alguém que se apresenta como pastor, como alguém de igreja, e de alguma forma cria-se a expectativa desses moradores de rua de uma possibilidade melhor de vida”, diz o auditor.

As vítimas eram imediatamente levadas a Patos de Minas, onde não tinham meios de comunicação para manter contato com amigos e familiares. “Acabavam ficando impedidas de romper esse vínculo [com a empresa] em razão da falta de condições de retornar ao local de origem, e também passavam a ser coagidas a permanecer em razão de fortes ameaças”, explica o auditor.

Entre os depoimentos, há relatos de agressões físicas por metas não cumpridas. A violência física seria usada pelo empregador como ameaça e coação para o cumprimento de ordens e para garantir que não deixassem a clínica.

O trabalho não era regularizado e contava com riscos como exposição a poeiras de gesso, tintas e solventes, entre os quais a gasolina, sem equipamentos de proteção ou realização de exames médicos.

A duração da jornada ultrapassava os limites legais e há relato de que os trabalhadores responsáveis pelas vendas das peças de gesso só poderiam se alimentar caso superassem as metas, quando receberiam remuneração.

Segundo depoimentos, não eram fornecidas roupas de cama, toalhas, sabonetes, pasta dental e papel higiênico. Cigarros eram vendidos para os trabalhadores.