Família de aluna denuncia injúria racial em escola pública do Rio: ‘Cabelo de macaco’
Menina estava triste e sem vontade de ir à escola, além de demonstrar vergonha de frequentar as aulas com o cabelo natural, optando por estar sempre com tranças
Os familiares de uma aluna da Escola Municipal Almirante Frontin, em Campo Grande, na Zona Oeste do Rio, usaram as redes sociais para denunciar, nesta quarta-feira, um episódio de injúria racial sofrido pela menina de 11 anos em um grupo de WhatsApp com outros estudantes da instituição. Em um dos áudios enviados, a voz que parece ser de uma mulher adulta, possivelmente responsável por algum aluno, chama a menina de “cabelo de macaco”.
Pai da estudante, o analista de planejamento João do Carmo conta que já havia percebido comportamentos diferentes na filha há algum tempo. Segundo ele, a menina estava triste e sem vontade de ir à escola, além de demonstrar vergonha de frequentar as aulas com o cabelo natural, optando por estar sempre com tranças.
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Na madrugada desta terça-feira, por volta de 00h30, os alunos que integram o grupo, criado pelas próprias crianças, estavam conversando, até que, segundo o relato da família, um áudio entrou na conversa. Neste áudio, a pessoa, que parece ser uma mulher adulta, diz: “Garota, não tem o que fazer, não? Vai dormir, cabelo de macaco”. A mensagem foi seguida por mais áudios, enviados por outras crianças.
“Todo mundo se acha melhor que você, piolhenta (…) vai de trança para a escola porque quer esconder esses piolhos, esse cabelo ridículo (…) sabe que seu cabelo é podre, é ridículo, querida (…) está passando vergonha”, diz outra estudante em um áudio.
Segundo a corretora de imóveis Rayane Teixeira, ex-companheira da mãe da vítima, o grupo tem crianças com idade entre 10 e 12 anos, que também ameaçaram agredir a menina em outros áudios. Os parentes relatam, ainda, que, no decorrer do ano letivo, outras situações foram vividas pela menina, mas, até então, eram disfarçadas por um tom de brincadeira.
— Ela está dilacerada. Ontem ela precisou falar, prestar queixa. Isso para ela caiu como um tsunami, ela está mal — explica a corretora.
As mensagens foram vistas somente na manhã de terça, quando os pais da menina resolveram pegar o celular e acessaram o grupo. Ao ouvirem os áudios, decidiram ir até à escola. Lá, encontraram portões fechados, tocaram o interfone, e foram atendidos por uma pessoa. Segundo ela, a diretora estaria muito ocupada e não poderia atender. Ao saber o assunto tratado, os familiares contam que ela voltou e disse que a diretora estaria “resolvendo coisas mais importantes”.
— Tem a questão do racismo e a questão da ameaça envolvendo alunos. A criança passando por um momento de sofrimento, de agressão, e a escola, que tinha que ser um lugar para acolher, se recusou a atender o pai de uma aluna com a justificativa de que tinham coisas mais importantes para fazer. Isso deixa muito claro como funciona o racismo sempre que a gente levanta a voz para reclamar e exigir nossos direitos — diz o pai da menina.
Com a negativa de atendimento na portaria da escola, a família decidiu fazer registro de ocorrência na 20ª DP (Vila Isabel), unidade mais próxima da casa onde vivem. A autora do áudio enviado no grupo ainda não foi identificada e, segundo a Polícia Civil, diligências estão em andamento para esclarecer os fatos.
Nesta quarta-feira, a Secretaria Municipal de Educação foi procurada pelo EXTRA, e afirmou que a direção da escola chamou, hoje, os responsáveis da menina para apurar a situação e “tomar providências”. Além disso, a pasta diz não compactuar com “atitudes racistas na comunidade escolar”, e que a postura não representa o trabalho da rede. A diretora da unidade escolar diz que, na verdade, a ocorrência não chegou ao conhecimento dela.
A gestora da unidade de ensino recebeu os pais em uma reunião realizada no fim da tarde desta quarta-feira, e alegou, ainda, que ninguém a havia informado sobre qualquer tipo de situação de racismo na escola, e que ficou sabendo de tudo por meio das redes sociais. Por fim, demonstrou apoio à família na apuração dos fatos e próximos passos a serem dados.
Para o pai da criança, o caso precisa ser levado para a Justiça e para a mídia para reforçar o entendimento do racismo como um crime.
— Que as pessoas entendam de uma vez por todas que racismo não é “brincadeira de mau gosto”, é crime. Que toda tentativa de amenizar, suavizar e omitir os casos, é mais uma agressão a vítima. Precisamos de mais atuação do poder público na implantação de ações antirracistas nas escolas e no acolhimento das famílias — diz.