Filho de brasileiros eleito deputado nos EUA admite que mentiu no currículo
George Santos confirmou que não se formou na universidade ou trabalhou em duas empresas em Wall Street, como afirmava
Após uma semana de silêncio, o deputado eleito americano George Anthony Devolder Santos, filho de imigrantes brasileiros, admitiu ter mentido sobre seu currículo profissional, histórico escolar e propriedades que possui. Afirmou, contudo, que pretende tomar posse no dia 3 de janeiro e se juntar à estreita maioria republicana na Câmara, que ajudou a conquistar nas eleições parlamentares e regionais do mês passado.
Santos, eleito para representar partes da cidade de Long Island e do distrito nova-iorquino do Queens, confirmou partes de uma reportagem do New York Times sobre incoerências em seu currículo. Em várias entrevistas na segunda-feira, contudo, buscou minimizar as mentiras em sua biografia de campanha e negou ser réu pelo crime de estelionato em um processo no Tribunal de Justiça do Rio.
— Meus pecados aqui são florear meu currículo — disse Santos ao jornal New York Post.
Apoiador do ex-presidente Donald Trump e do presidente Jair Bolsonaro, George Santos admitiu ter mentido sobre ter ser formado no ensino superior e feito alegações enganosas de que havia trabalhado para o Citigroup e o Goldman Sachs, duas importantes firmas de Wall Street. Ele também disse ter mentido sobre um portfólio familiar com 13 propriedades, afirmando não ter nenhuma. Em setembro, contudo, também havia declarado ao Congresso americano ter um apartamento no Rio.
Santos, o primeiro republicano assumidamente homossexual a ser eleito para um assento na Câmara que não ocupava previamente, também admitiu dever milhares de dólares em aluguel atrasado. Também reconheceu que omitiu um casamento de anos, cujo divórcio foi finalizado duas semanas antes da formalização de sua primeira candidatura pela vaga do 3º distrito do estado de Nova York para o Congresso americano, em 2020, que terminaria mal-sucedida.
— Eu namorei mulheres no passado. Eu casei com uma mulher. São coisas pessoais — disse o republicano ao Post, afirmando que está “ok com sua sexualidade” e que “as pessoas mudam”.
Santos também reconheceu que dificuldades financeiras fizeram com que devesse milhares de dólares para credores e locatários. Não explicou por completo, contudo, como conseguiu resolver a situação tão rapidamente para que em 2022 tenha conseguido investir US$ 700 mil em sua própria campanha para o Congresso americano.
Ele negou ter cometido crimes fora dos Estados Unidos, apesar de ser réu no processo no Rio. O deputado eleito teria utilizado folhas do talão de cheques e falsificado a assinatura de um idoso de quem sua mãe cuidava para realizar compras fraudulentas, em 2008, em Niterói, na Região Metropolitana do estado. Na ocasião, ele confessou o crime na delegacia, mas como não foi localizado para a citação no processo, a ação acabou suspensa.
— Eu não sou criminoso aqui. Aqui, no Brasil ou em qualquer jurisdição no mundo — disse ele ao Post. — Absolutamente não sou. Isso não aconteceu.
Durante suas entrevistas na segunda-feira, George Santos também criticou reportagens da CNN e do site judaico The Forward de que teria enganado eleitores sobre sua ancestralidade judaica. O deputado eleito afirma que seus avós maternos nasceram na Europa e imigraram para o Brasil durante o Holocausto, mas os veículos afirmam que seus pais nasceram em território brasileiro antes da Segunda Guerra Mundial.
— Eu nunca disse que sou judeu —afirmou ele ao Post, contando que sua avó se converteu do judaísmo para o catolicismo. — Sou católico. Mas porque descobri que a família da minha mãe era judia, disse que era “meio judeu” — completou ele, que disse repetidas vezes ser católico, mas que também se identificava como judeu não praticante.
Durante suas campanhas, George Santos também afirmou que tinha se formado na Faculdade Baruch em 2010, antes de trabalhar no Citigroup e, depois, no Goldman Sachs. Sua biografia no site da Comissão Nacional Republicana do Congresso dizia que frequentou a Faculdade Baruch e a Universidade de Nova York, onde teria recebido diplomas em Finanças e Economia. Na segunda, ele também admitiu que isso é mentira:
— Eu não me formei em nenhuma instituição de ensino superior. Estou envergonhado e me arrependo de ter floreado meu currículo — disse ele ao Post, antes de completar. — Nós fazemos coisas estúpidas na vida.
Referindo-se aos supostos empregos em Wall Street, disse que nunca trabalhou diretamente para as instituições, culpando “escolhas equivocadas de palavras” por criar a impressão de que esse seria o caso. Santos disse que trabalhou com ambas empresas por meio de seu trabalho na LinkBridge Investors, que conecta investidores com clientes em potencial e tinha, segundo o republicano, “parcerias limitadas” com o Citigroup e a Goldman.
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Seu antigo site de campanha, contudo, dizia que ele “começou a trabalhar para o Citigroup como um associado e rapidamente cresceu para se tornar um gerente associado de ativos na divisão de ativos reais da firma”. Uma representante do Citigroup não quis comentar, enquanto porta-vozes da Goldman Sachs e da LinkBridge não responderam aos pedidos de comentário.
As mentiras de Santos, contudo, não devem impedi-lo de tomar posse no próximo dia 3, apesar de deputados democratas como a atual presidente da Câmara, Nancy Pelosi, afirmarem que isso seria impróprio. Nos EUA, os deputados só podem ser impedidos de assumirem o cargo para o qual foram eleitos caso violarem os pré-requisitos constitucionais de idade, cidadania e residência no estado pelo qual concorreram.
Após ser empossado, contudo, George Santos pode ser alvo de investigações éticas, afirmam analistas, mas não está claro até que ponto haverá interesse nisso a partir do momento em que os republicanos assumirem a maioria — em novembro, o partido elegeu 222 deputados, contra 213 do Partido Democrata. A situação financeira do deputado e suas declarações de Imposto de Renda, contudo, podem gerar problema.
Santos relatou ter ganhado milhões de dólares por meio de sua companhia, a consultoria Organização Devolder, mas divulgou pouco sobre suas operações. O New York Times não pôde encontrar propriedades ou bens atrelados à empresa, e Santos também não divulgou quem são seus clientes, apesar da obrigatoriedade para candidatos relatarem quaisquer compensações acima de US$ 5 mil vindas de um só cliente.
Omitir intencionalmente ou deturpar informações em declarações de renda para o Congresso é considerado um crime federal nos EUA. Em uma entrevista para o site City & State, contudo, George Santos disse que sua consultoria cresceu a partir do trabalho que fez na LinkBridge, negando qualquer conduta criminosa.
Santos estava registrado para votar com um endereço na região de Whitestone, no distrito nova-iorquino do Queens, mas o dono do imóvel disse que ele se mudou meses antes da eleição. Ao Post, Santos confirmou uma reportagem do New York Times afirmando que vive hoje na cidade de Huntington, fora do distrito que representa. Pela lei americana, membros do Congresso devem viver no estado pelo qual foram eleitos, mas não necessariamente no distrito.