PETROLINA

Filhos trocam roupas de mãe morta por 2,6 toneladas de alimentos em PE

Em vez de preços em reais, as etiquetas coloridas indicam o número de cestas básicas que vale cada peça

Araras com vestidos, blusas e saias. Espelhos bem iluminados e manequins com trajes finos. Esse seria o cenário comum em qualquer boutique de roupas, se não fosse um cartaz na parede que explica a forma de pagamento. Em vez de preços em reais, as etiquetas coloridas indicam o número de cestas básicas que vale cada peça.

O bazar solidário OTT+ Maria Zita foi realizado em Petrolina (PE), disponibilizando o estoque de peças de grifes nacionais e internacionais da loja La Femme – que encerrou atividades – em troca de doações de alimentos para famílias em situação de vulnerabilidade social nessa região do sertão nordestino.

Mas essa história de amor ao próximo começa muito antes, e, infelizmente, com uma tragédia. A loja pertencia a Maria Zita, uma brasileira que morava na Europa e morreu em um acidente de trânsito no ano passado. Depois de um período de luto, os filhos resolveram que o melhor destino para tudo que ficou no estoque era seguir as práticas da mãe.

“Esse evento é fruto do encontro especial de pessoas que não poderiam tomar outra iniciativa que não a de seguir a inspiração de Maria Zita, pois ela já fez em outros momentos ações como esta e faz agora depois da sua partida”, explica Rodrigo Moraes, filho da proprietária.

Na parede central do bazar, uma foto da ex-empresária é a memória exposta em um banner. Em frente, a filha Raffaella Moraes, 40, tira fotos com amigas da época em que a mãe mantinha a loja aberta. Pelos corredores, atendendo clientes, hora ou outra os olhos ficavam cheios de lágrimas. Era a resposta do corpo ao encontro com pessoas que trazem consigo uma história boa com Dona Zita.

“Para mim está sendo importante escutar tantas declarações. As clientes estão me abraçando e eu tô revivendo uma parte boa de tudo que aconteceu. O que eu queria era isso, era que Deus tocasse no coração das pessoas para transformar uma coisa ruim em uma coisa boa e de caridade”, conta Raffaella.

A proposta de doar o estoque veio com a realização de que a ajuda seria maior vendendo as roupas para conseguir cestas básicas, já que boa parte do país hoje passa fome e vive em situação de insegurança alimentar.

“A gente não imaginava que tomaria essa proporção de receptividade, de ver as pessoas se mobilizando”, conta a farmacêutica Christine Ott Lima, 38, que veio de Goiânia para ajudar na organização da ação social.

Uma loja improvisada foi montada temporariamente em um espaço de beleza da cidade. Os quartos que geralmente recebem as noivas para se prepararem para o grande “sim” foram tomados por araras e expositores. A movimentação no local foi intensa, inicialmente planejado para acontecer apenas um dia, o evento foi estendido por mais dois dias.

Cada item do bazar valia de uma a seis cestas básicas, seguindo um modelo previamente divulgado pela organização do projeto, incluindo maior quantidade dos produtos comuns e adicionais para crianças, como biscoitos, fubá para cuscuz, goiabada e achocolatado, já que esse é o principal público-alvo de atendimento.

Para quem não levou a cesta básica, a compra era feita na hora. O projeto conseguiu parceria com uma rede local de supermercados, escolhida após uma cotação de preços, que colocou uma vendedora na entrada do espaço, aceitando transferências em pix e cartão de crédito.

Se olhando no espelho, a enfermeira Lorena Lustosa, 41, analisava um vestido longo que escolheu na arara. Ela ficou sabendo da iniciativa pelas redes sociais e convidou uma amiga para irem juntas colaborar com a proposta. “Se todos tivessem essa iniciativa, a gente teria uma contribuição muito grande. Isso vai para uma região muito necessitada. Com certeza, contribui e favorece bastante as pessoas que não têm condições”, diz.

Sementes de solidariedade

Muitas mãos se uniram para realizar o bazar e transformar todo material em alimentos. Quando soube da iniciativa, a empresária e cabeleireira Sônia Nogueira, que era amiga de Zita, abriu as portas de seu salão em um dia que era de descanso. Toda a equipe também se juntou para colaborar.

O evento foi levantado todo com voluntários, vendedores e blogueiras que vestiram as peças para divulgar as roupas nas redes sociais.

A digital influencer Daniela Siqueira, 27, foi uma das que reservaram um pouco de tempo para propagar a ideia. “É para somar. De certa forma, a gente influencia muita gente. Então, quando estamos trabalhando com isso, incentivamos também as pessoas a pensarem. É uma atitude mínima que pode ajudar muita gente”, diz.

Foi por meio de um telejornal local que a professora Genívia Soares, 45, soube do evento solidário. “Eu me interessei de cara pela finalidade do projeto, que é ajudar. Eu costumo dizer sempre que a gente tem que demonstrar o nosso gostar através de ação, pois não adianta só eu pensar. Se tem algo que alguém está fazendo e eu posso contribuir, isso é o ajudar concretamente”, afirma.

Antes mesmo do bazar iniciar as vendas, as contribuições já chegavam pelas redes sociais, pessoas de diversas partes do mundo fizeram doações na conta do projeto.

Após os três dias de vendas, o total arrecadado somou 2,6 toneladas de alimentos, entregues às famílias da periferia de Petrolina (PE) e Casa Nova (BA), incluindo comunidades rurais e quilombolas.

“Estamos vendo o Brasil gritando por amor ao próximo, por essas iniciativas de ajudar. É notório o quanto o nosso nordeste está sofrendo com a escassez de alimentação, pois a gente vê muitos pedintes na rua. Há essa necessidade de alimentar. Tem muitas famílias sem condições de pelo menos se alimentar”, pontua Christine sobre o destino dos alimentos.