‘Fiz pra causar’, diz João Gordo sobre música que cita ‘Jesus Nazifascista’
Vocalista do Ratos do Porão se uniu a grandes nomes do heavy metal nacional para criar a banda Revolta e criticar 'o que está acontecendo no Brasil'. 'Hecatombe genocida' gerou reações extremadas
Quem começou a Revolta foi Prika Amaral. A guitarrista da banda de thrash metal Nervosa convocou nomes de peso do metal brasileiro e tirou do papel o que estava engasgado na garganta: um projeto para “protestar em forma de música” contra “o que vem acontecendo no Brasil”. O protesto ganhou forma com “Hecatombe genocida”. Os 4 minutos e 25 segundos de fúria contra a máquina foram recebidos entre aplausos e pedradas pelos fãs de death e thrash metal. A principal razão para o “ame-o ou deixe-o” é a letra sem meias-palavras de João Gordo: “Necropolítica / Narcisista / Eugenia / Assassina / Perpetuando a Morte / E a pobreza eterna/ Jesus Nazifacista / Protege a Milícia”, canta o lendário vocalista do Ratos de Porão.
— Eu já fiz já pra causar — ri João. — Eles não esperavam uma letra assim tão certeira.
Ainda mais em português. Em geral, as bandas de metal brasileiras costumam cantar em inglês, de olho no mercado internacional, onde o prestígio da cena nacional é alto.
— Mas, nesse caso, era muito importante cantar em português. Se fosse em inglês, não causaria tanto auê — diz o vocalista.
O projeto chamou atenção pelo naipe dos integrantes reunidos por Prika: ela e João Gordo (Ratos de Porão) nos vocais, Iggor Cavalera (Cavalera Conspiracy e Mixhell) na bateria, Moyses Kolesne (Krisiun) e Guilherme Miranda (Entombed AD e Krow) nas guitarras e Castor (Torture Squad) no baixo. Todos ídolos de legiões de fãs da música pesada, do thrash metal ao hardcore, e não apenas no Brasil.
— Tentamos unir o máximo de representantes da nossa cena, as bandas com mais relevância e tempo de estrada, para atingir o máximo possível de pessoas e protestar contra comportamentos extremos — explica Prika, que também esperava reaçoes extremadas do público. — Mexer com política hoje no Brasil é arranjar briga. Já sabíamos, mas não é por isso que vamos nos calar. A união em torno desse projeto é justamente pra isso, para termos mais força e mais voz — conta a artista.
Gravada à distância
“Hecatombe genocida” é, na temática, muito semelhante às letras de outro disco clássico do Ratos de Porão, “Brasil”, de 1989, que tem letras tristemente atuais, como “Amazônia nunca mais”, “Retrocesso”, “Farsa nacionalista” ou “Máquina militar”. João lamenta a coincidência:
— Eu acho que algumas letras fazem até mais sentido hoje do que naquela época. “Farsa Nacionalista” era pros carecas (extremistas de direita dos anos 1980), agora boa parte da população cabe nela. É muito louco. Não sou Mãe Dinah nem nada, é o Brasil e o mundo que estão cada vez piores. E o advento da internet juntou e deu voz a um milhão de imbecis, que são manipulados pelo celular. É sempre o mesmo discurso que eles aprendem em memes — resume.
Por enquanto, o projeto Revolta está limitado à “Hecatombe genocida” — gravada, como mostra o clipe, à distância — mas motivos não faltam para que ele siga adiante.
— Estamos estudando a possibilidade de fazer mais algumas, mas vai depender da disponibilidade de todos — conta Prika.
Há três semanas, outra banda de rock causou polarização por sua temática: “Micheque”, do Detonautas Roque Clube, já foi vista mais 2 milhões de vezes no YouTube e incomodou o Palácio do Planalto — a ponto de a primeira-dama Michelle Bolsonaro, “alvo” da música, ameaçar de processo seus detratores. João Gordo não descarta reação semelhante à “Hecatombe genocida”.
— Eu tenho medo desse fascismo, que começa com censura, ameaça investigar candidato porque falou mal do presidente, a jogadora de vôlei não pode dar opinião… isso é censura. Mas, enquanto a gente pode tem que falar. Nós influenciamos um monte de gente. Quem fica de boca miúda diante desses absurdos é porque concorda com eles. No Brasil, pobre pensa que é classe média, classe média acha que é elite e a elite jura que é gringa.
Mas será que o rock tem força para fazer frente à onda conservadora que neste momento envolve o mundo todo? Ainda mais com os próprios fãs se colocando contra seus ídolos, como nas vaias que Roger Waters recebeu de parte do público durante sua turnê brasileira em 2018? Prika não tem a menor dúvida que sim.
— O rock morreu para as mídias, porque o rock contesta, o rock protesta e o rock denuncia. A mídia precisa de pessoas obedientes e todos querem evitar os assuntos que o rock fala. Mas o rock e o metal são enormes. Todos os músicos deste projeto vivem de música e principalmente do metal. Se o gênero estivesse realmente morto, isso não seria possível — orgulha-se Prika.