Gravação

Flávio Bolsonaro tinha funcionária fantasma, disse viúva de ex-PM

Julia Lotufo era casada com Adriano da Nóbrega, acusado de ser miliciano e que teve ex lotada no gabinete

(Foto: Wilson Dias/Agência Brasil)

ITALO NOGUEIRA
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Júlia Lotufo, viúva do ex-policial militar Adriano da Nóbrega, afirmou numa conversa telefônica gravada pela Polícia Civil do Rio de Janeiro há quase três anos que o hoje senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) manteve em seu gabinete como funcionária fantasma a ex-mulher de seu marido.

Em conversa com uma amiga em julho de 2019, quando Adriano ainda estava foragido, Júlia se queixa das reclamações de Danielle Mendonça da Nóbrega, ex-mulher do ex-PM, sobre as investigações do caso da “rachadinha” no antigo gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

“Ela foi nomeada por 11 anos. Onze anos levando dinheiro, R$ 10 mil por mês para o bolso dela. E agora ela não quer que ninguém fale no nome dela? […] Bateram na casa dela porque a funcionária fantasma era ela, não era eu”, disse Júlia.

A escuta faz parte das gravações da Operação Gárgula, às quais a Folha teve acesso. A investigação tinha como objetivo apurar a lavagem de dinheiro do patrimônio de Adriano da Nóbrega e a estrutura que o auxiliava na fuga.

O ex-PM ficou foragido de janeiro de 2019 a fevereiro de 2020, quando foi morto num suposto confronto durante uma operação policial na Bahia, onde estava escondido. Ele era acusado de comandar a principal milícia da zona oeste do Rio de Janeiro.

Adriano também era investigado na ocasião sob suspeita de envolvimento no suposto esquema de “rachadinha” no antigo gabinete de Flávio.

A ex-mulher e a mãe do ex-PM eram apontadas como funcionárias fantasmas do então deputado estadual. As investigações mostraram que contas bancárias controladas por ele foram usadas no esquema.

Danielle foi uma das denunciadas em dezembro de 2020 sob acusação de envolvimento no esquema do hoje senador. As provas da investigação, porém, foram anuladas pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), e o caso voltou à estaca zero.

Procurada, a defesa de Danielle não comentou o teor das escutas. A reportagem não conseguiu contato com a defesa de Júlia.

A assessoria do senador Flávio Bolsonaro afirmou, em nota, que nunca existiu funcionário fantasma ou “rachadinha” em seu gabinete.

“Até onde o parlamentar tem conhecimento, todos que faziam parte da equipe trabalhavam de acordo com as regras e determinações da Assembleia. Importante lembrar que esse caso já foi debatido e superado na Justiça, sendo totalmente arquivado”, afirma a nota.

A queixa de Júlia foi feita a Juliana Rocha, veterinária amiga do casal. Naquele momento, em julho de 2019, as investigações da “rachadinha” ainda estavam em seu estágio inicial, com a então recente quebra de sigilo bancário e fiscal dos investigados.

Meses antes, o Ministério Público havia notificado os investigados sobre a apuração, a fim de colher depoimentos. “Aí vem a Danielle e dá ataque que bateram na porta da casa dela e ela não está mais casada com ele. Ahn, mas e aí? Não estava levando dinheiro lá? Não quer que bata na porta dela? Errado seria se ela tivesse fodida, sem ganhar R$ 1. Ela sabia muito bem qual era o esquema. Ela não aceitou? Agora é as consequências do que ela aceitou”, disse Júlia.

Segundo a viúva de Adriano, a ex do marido culpava o ex-PM por seus problemas judiciais. “Ela [fala]: ‘Ai, eu faço tudo na minha vida para viver direito e o Adriano tem essa vida errada que eu não escolhi’. Se eu fosse ela, a minha vida direita: ‘Olha só, Adriano. Não é direito eu estar num gabinete sem trabalhar. Não quero mais participar disso, não’. Mas estava entrando R$ 10 mil na conta dela. Ela não falar isso, né?”

Newsletter FolhaJus+ Receba no seu email as notícias sobre o cenário jurídico e conteúdos exclusivos: análise, dicas e eventos; exclusiva para assinantes. * Danielle ficou empregada de setembro de 2007 a novembro de 2018 no gabinete de Flávio. A remuneração dela variou de R$ 3.000 a R$ 6.000 mensais nesse período.

A fala de Júlia contrasta com informações divulgadas sobre o acordo de delação que negociou com o Ministério Público do Rio de Janeiro. Ela teria afirmado aos promotores que não tinha informações a dar sobre o caso das “rachadinhas”.

Contudo uma gravação entre o atual marido de Júlia, Eduardo Giraldes, e o bicheiro Bernardo Bello, divulgada no ano passado, já indicava a intenção de omitir fatos sobre a família do presidente.
“Não vai falar”, disse o atual marido de Júlia sobre Bolsonaro. “Se ela souber, e ela quiser falar”, emendou Bernardo Bello. “Mas se souber, eu também não vou deixar ela falar”, seguiu o empresário.

Não há informações públicas sobre se o acordo de delação de Júlia foi ou não homologado. Sabe-se apenas que ela já depôs na ação penal a que responde pela Operação Gárgula, cujo teor permanece sob sigilo.

O suposto envolvimento de Danielle no esquema das “rachadinhas” descrito pelo Ministério Público também foi identificado durante outra investigação contra Adriano.

Mensagens apreendidas no celular dela na Operação Intocáveis, em janeiro de 2019, apontaram o envolvimento da ex-mulher do ex-PM no caso.

Numa mensagem enviada para uma amiga, Danielle diz que “já vinha [há] um tempo muito incomodada com a origem desse $ [dinheiro] na minha vida”.

Em outra conversa, uma amiga identificada como Paty diz para Danielle que foi Adriano quem arrumou a nomeação e que ela “poderia ter se enrolado com isso”.

As conversas de Danielle com Fabrício Queiroz, suposto operador financeiro da “rachadinha”, e o ex-marido indicaram, para os promotores, que era Adriano quem controlava o salário da ex-mulher.

Quando a ex-assessora de Flávio se queixa de sua exoneração em novembro de 2018, Adriano afirma que “contava com o que vinha do seu tmbm [também]”. Para o Ministério Público, a frase revela que o ex-capitão também ficava com parte do salário dela.

As mensagens não foram atingidas pela decisão do STJ de anular as provas do caso da “rachadinha”, pois tem como origem outra investigação. As escutas entre Julia e Juliana também podem ser utilizadas na apuração contra Flávio, desde que haja solicitação para compartilhamento de provas, o que não ocorreu até o momento.