Flexibilização da fila deve acelerar vacinação contra Covid no Brasil
Mudança no programa de imunização pode acelerar a aplicação de doses
O Brasil encerrou maio com recorde de doses de vacinas contra a Covid-19 distribuídas, mas com piora no ritmo de vacinação. Porém, uma alteração de um ponto burocrático deve ajudar a acelerar a imunização em algumas cidades.
Na semana passada, atendendo a pedidos de governos estaduais e municipais, o Ministério da Saúde flexibilizou a fila da vacinação depois que algumas localidades reclamaram que não tinham mais quem vacinar porque já haviam atingido todo o grupo prioritário determinado pelo PNI (Programa Nacional de Imunizações).
Era o caso, por exemplo, de Mato Grosso do Sul. Segundo o Cosems (Conselho de Secretários Municipais) do estado, nove cidades já haviam finalizado a aplicação da primeira dose dos grupos prioritários. Ou seja, não tinham mais em quem aplicar imunizantes. Não há um levantamento nacional a respeito.
Na última quinta-feira (27), em reunião da Comissão Intergestores Tripartite, com membros dos governos federal, estaduais e municipais, foi pactuada a formação de duas filas para aplicação de doses no Brasil. A novidade já foi registrada em nota técnica do Ministério da Saúde.
“Deixamos claro que aqueles que já avançaram, que já tenham vacinas disponíveis, que possam iniciar por idade”, disse, na reunião, Mauro Junqueira, secretário-executivo do Conasems (Conselho Nacional das Secretarias Municipais de Saúde).
Presidente do Conass (Conselho Nacional dos Secretários de Saúde), Carlos Lula diz que a flexibilização no plano de imunização é importante, tirando uma burocratização do processo.
“Fico desesperado quando escuto secretário municipal me ligar dizendo: ‘olha, não tenho mais comorbidade, não tenho mais ninguém acima de 60 anos, e agora como que eu faço? Estou com as vacinas aqui estocadas. Não quero confusão com Ministério Público. Vou esperar até abrir o outro público'”, diz Carlos Lula, também secretário estadual do Maranhão. “Isso tem acontecido no Brasil inteiro. Não é algo só do meu estado.”
“É fundamental para a gente acelerar o processo de vacinação e não estar com vacina estocada. Não tem sentido. Vacina é para estar no braço das pessoas. Não para estar em geladeira”, disse o presidente do Conass, Carlos Lula.
Dados defasados
Um dos problemas para que não se encontre quem vacinar em algumas cidades é a falta de um dado mais preciso sobre a população. O censo foi realizado pela última vez em 2010.
“Temos muitos municípios que poderiam estar com suas estimativas superestimadas. A gente trabalha com fonte de dados que podem trazer essa margem de erro”, disse, na reunião, Francieli Fantinato, coordenadora-geral do PNI, que pontuou que há “municípios que estão com pouco demanda nas unidades de saúde durante a vacinação desses grupos prioritários”.
Presidente da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações), Juarez Cunha concorda com a flexibilização, considerada por ele como “lógica” e “interessante”. E também vê que os prioritários de maior risco já foram atendidos pelo início da fila. “A gente evoluir para essa logística de vacinar por idade vai facilitar muito”, diz. “E, com isso, consegue acelerar a vacinação.”
Como vai funcionar?
Com a proposta, se uma cidade já tiver vacinado toda a população prioritária, ela poderá avançar para a imunização por faixa etária, em ordem decrescente a partir de quem tem 59 anos de idade.
Em outras cidades, primeiro será preciso terminar a parte mais vulnerável do grupo prioritário, que são as pessoas com comorbidade, deficiência permanente, que viva em situação de rua, além de detentos, funcionários do sistema penitenciário. Trabalhadores da educação também entram nesse ponto por causa do “apelo muito grande em relação à volta às aulas”, segundo Fantinato.
Na sequência, na prática, existirão duas filas. Uma parte das doses será utilizada para a imunização por faixa etária e outra, para o restante do grupo prioritário, como trabalhadores da área de transporte, de limpeza urbana, caminhoneiros, entre outros. A outra, para faixa etária.
“A gente tem visto aqui em Porto Alegre também locais em que às vezes tem procura pequena porque os grupos foram sendo todos contemplados. E a gente acaba tendo vacina e não podendo evoluir porque a gente fica meio que preso àquela situação [dos prioritários]”, diz Cunha, da SBIm.
Para ele, a flexibilização “consegue fazer com que a gente evolua naqueles lugares que estão mais rápidos, vacinando outros grupos. Não ficando na espera de uma definição.”
Flexibilização da fila facilita
A flexibilização na fila da imunização é comemorada pela FNP (Frente Nacional de Prefeitos) e pelo Conectar (Consórcio Nacional de Vacinas das Cidades Brasileiras), ligado a ela. Segundo o secretário-executivo do consórcio, Marcelo Cabral, ela também facilita na desburocratização da fila, já que alguns grupos entre os prioritários são de difícil identificação. “A ideia de passar mais rápido para idade facilita muito a administração nos postos de cada município”, diz.
Cabral cita como exemplo os caminhoneiros, pontuando, entre os problemas, como identificar que determinada cidade deve receber doses, já que esses profissionais costumam ficar em circulação pelo país. “E como você comprova que aquela pessoa teria o direito, pela categoria dela, de estar lá [na fila]?” Para ele, isso pode afetar o ritmo de aplicação de imunizantes, além de poder gerar a judicialização da questão. “O Ministério Público pode falar ‘por que uma cidade como essa recebeu tantas doses para caminhoneiros?’.”
Problema semelhante foi relatado pelo UOL sobre pessoas formadas na área de saúde que não exercem a profissão, mas foram vacinadas contra a covid-19.
“É muito mais fácil, mais lógico para os administradores e para a população que seja essa ordenação. Todo mundo sabe a própria idade, se tem direito ou não pelo RG. Se você demanda mais documentos, isso se torna mais complexo”, afirma Marcelo Cabral, secretário-executivo do Conectar.
Em vídeo, o presidente do Cosems-MS, Rogério Leite, disse que a flexibilização dá, “democraticamente, a possibilidade de todos, independentemente da classe trabalhadora, serem imunizados”. Cidades, como o Rio de Janeiro, por exemplo, já liberaram a vacinação por faixa etária para pessoas com menos de 60 anos.
Mas, para que se consiga avançar com tranquilidade na imunização, o Ministério da Saúde precisa garantir a chegada de novas doses. Para junho, porém, a projeção de entregas já foi revista.
No total, até o momento, já foram distribuídas pelo Ministério da Saúde cerca de 97 milhões de doses. De acordo com a atualização de segunda-feira (31), delas, 68 milhões foram aplicadas, cerca de 70% do total. Duas em cada dez pessoas no Brasil já receberam ao menos uma dose de imunizantes contra a covid-19.