Gabriel Monteiro criou ‘serviço de investigação’ para seguir vereadores e desafetos por dias inteiros
Ideia era tentar identificar alguma situação embaraçosa em que Gabriel pudesse aparecer
O vereador Gabriel Monteiro (PL) criou uma espécie de “Setor de Investigação e Apuração” com a finalidade de seguir políticos e desafetos, sendo que alguns “espiões” recebiam salário da Câmara do Rio. Entre os alvos estava até uma colega que divide hoje com ele o plenário do Palácio Pedro Ernesto. Quando se licenciou do cargo para assumir a Secretaria municipal de Desenvolvimento Social da prefeitura do Rio, Laura Carneiro (PSD) foi seguida por dias inteiros. A ideia era tentar identificá-la em alguma situação embaraçosa em que Gabriel pudesse aparecer e produzir vídeos para constrangê-la, assim como fez com pessoas anônimas em produções manipuladas.
Gabriel fracassou no empreendimento. Mas o político, no entanto, tinha um objetivo ainda mais ambicioso:
— Ele pediu para investigar diversas pessoas (…); para investigar um vereador corrupto dentro desta Casa, ou seja, ele queria que eu achasse alguém aqui que caísse em um vídeo dele fazendo rachadinha ou alguma coisa do gênero — disse o ex-assessor Vinícius Hayden Witeze, que, conta ter chefiado o ‘’Setor de Investigação”.
A declaração consta de um dos depoimentos tomados pelo Conselho de Ética no processo contra Gabriel Monteiro, cujo relatório de Chico Alencar (PSOL) propondo que o político perca o mandato por quebra de decoro foi aprovado por unanimidade (sete votos a zero). Nesta quarta-feira, a Comissão de Justiça e Redação analisa um recurso final da defesa de Monteiro. Se nenhuma irregularidade for encontrada, a expectativa é que o futuro de Gabriel na casa seja discutido nesta quinta-feira (18). Para que Gabriel Monteiro perca o mandato, é preciso que 34 dos 51 vereadores (dois terços do plenário) sigam o relator. Na prática, apenas 50 vereadores estão aptos a participar, já que Carlos Bolsonaro (Republicanos), se encontra de licença.
Ao Conselho de Ética, o ex-assessor revelou como era a mecânica da investigação, a qual chamou de “tocaia”. Ele já havia citado a existência do esquema em abril, em depoimentos na 42ª DP (Recreio dos Bandeirantes) em inquérito que investiga Gabriel. Mas sem tantos detalhes:
— E aí, a gente fazia essa investigação de campo e começava a levantar, fazer. (…) Já teve dia de eu fazer uma tocaia (…), de eu chegar quatro horas da manhã e só sair quase meia-noite do local, dentro do carro o dia inteiro. E ficava ali observando, tirava foto, filmava, ia vendo — declarou o ex-funcionário.
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A missão contra os colegas só não foi à frente, explicou o ex-assessor, porque o Setor de Investigação e Apuração estava assoberbado de trabalho. Isso porque entre as pessoas que foram alvos de tocaia estavam um subcomandante de Batalhão da PM que se recusou a continuar a ceder homens para as operações de fiscalização do vereador, o deputado estadual Gustavo Schmidt (Avante) e o ex-secretário estadual de Saúde, Edmar Santos, que perdeu o cargo após denúncias de corrupção.
— Não, não cheguei, não comecei a investigar isso não (vereadores), até porque eu tinha muita investigação em andamento e já não estava dando conta das demandas e pressão de tempo que ele (Gabriel Monteiro) estava me dando — declarou Vinícius.
Na reunião, o ex-servidor ficou de apresentar provas na semana seguinte, inclusive de anotações feitas pelo próprio Gabriel com orientações de como proceder nas tocaias. No entanto, dois dias depois do depoimento, ele morreu em um acidente de carro em Teresópolis.
Outro ex-assessor de Gabriel, que também testemunhou no Conselho de Ética, confirmou que o “Setor de Investigação” de fato existia. Essa questão, no entanto, não chegou a ser abordada em seu depoimento:
— A estratégia começou ainda em 2021. Eu ficava na casa de Gabriel produzindo relatórios, enquanto equipes iam para a rua. Nunca se comprovou nada. Mas o vereador insistia. No início deste ano, a equipe começou a se desfazer com a saída de vários assessores, principalmente após as primeiras reportagens que detalharam os métodos de Gabriel para produzir vídeos na internet e lucrar — disse Heitor Nazaré.
Na última terça-feira (16) à tarde, Gabriel Monteiro esteve no plenário, em posição mais afastada dos demais colegas, quase sempre olhando o celular e não atendeu ao pedido de entrevista. O argumento da defesa de Monteiro em todas as ocasiões que envolve depoimentos de ex-assessores ao Conselho de Ética é o mesmo: eles teriam sido aliciados pela suposta “máfia dos reboques” que o político alega ter desmantelado.
Também ontem, o assunto da espionagem dos colegas voltou à tona em uma reunião convocada pelo presidente Carlo Caiado (sem partido) com os demais parlamentares. Segundo o relato de participantes, Laura Carneiro e Rosa Fernandes (PSC) lembraram da história na tentativa de convencer indecisos ou simpatizantes de Monteiro. Caiado tentou assumir uma postura neutra. Gabriel não foi.
Apenas dois vereadores defenderam publicamente Gabriel Monteiro e tentam atrair mais votos a favor do colega: Chagas Bola (União Brasil), como já fizera semana passada em discurso no plenário, e Rogério Rocal (PSD) que há dias não concede entrevistas.
À reportagem, Laura Carneiro disse, antes da reunião na presidência, que a família está na política desde 1947 (ela é filha do falecido senador Nélson Carneiro) e jamais conviveu com algo parecido:
— Se Gabriel for cassado, terá menos recursos, inclusive públicos, para agir dessa forma. A situação é inconcebível — disse Laura.
Ainda segundo o relato de Vinícius, as tocaias contra Laura Carneiro começaram quando, em um determinado dia, a então secretária de Desenvolvimento Social não queria autorizar que ele entrasse em um abrigo público para “fiscalizar”. Gabriel gravou a conversa e postou os diálogos nas redes sociais.
— Chegando ali no abrigo, não foi permitida a entrada, pelo horário. E aí, a própria secretária na época, Laura Carneiro, entrou em contato com Gabriel. Falou: “Vereador, horário… É um abrigo de crianças e tudo o mais…” E aí, ele botou no viva voz e começou a gravar tudo para botar como conteúdo do vídeo também, como se ela tivesse tentando ali interromper uma ação parlamentar dele, de fiscalização.
Laura Carneiro confirmou que isso de fato aconteceu e teve que bloquear suas redes sociais devido a ofensas que recebeu.
— Foi uma imensa decepção saber que um colega quer criar fatos contra o outro para chantagear, desmoralizar e quem sabe ganhar dinheiro monetizando os vídeos. No início do mandato, achei que fosse imaturidade dele, até tentei ajudar, explicar como se fiscalizava. Os relatos que recebemos no Conselho foram impactantes. Mas o que eu acho é que Gabriel não vai parar mesmo se perder o mandato — acrescentou Rosa Fernandes, que integra o Conselho de Ética.
A vereadora Thais Ferreira (PSOL), presidente da comissão da Criança e do Adolescente, observou que Monteiro desenvolveu uma narrativa em que ele tentou personificar a figura de um político atuante, em detrimento dos colegas:
— Mas a prerrogativa de atuar na fiscalização do Executivo não é só dele. Os métodos é que são diferentes. Isso é ruim porque acaba até mesmo criando uma desconfiança da sociedade contra os demais vereadores, comprometendo até mesmo nossa segurança — disse Thais.
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Sobre Gustavo Schmidt, o ex-assessor Vinicius Hayden contou que as investigações começaram depois que o político processou Monteiro que, em uma rede social, acusou o colega da Alerj de ser viciado em drogas. O deputado disse que o processo ainda não foi julgado, mas que na Justiça conseguiu tirar o conteúdo da internet:
— Soube por terceiros que ele estaria me seguindo. Na verdade, nunca o conheci. Mas o rumo que as coisas tomaram… Agora, Gabriel pode perder o mandato por uma conduta inadequada. Isso mostra que esse vereador é um arauto da hipocrisia porque representa tudo o que afirma rejeitar — disse o deputado estadual.
O relato de que Gabriel mandou espionar colegas faz parte do que Chico Alencar define como dados que podem ajudar no convencimento dos vereadores para deliberar se Gabriel perderá o mandato. Mas a representação pela cassação toma como base apenas três pontos. Dois deles são a exposição de duas menores em vídeos de “ações sociais” que foram manipulados, bem como ter filmado a relação sexual que manteve com uma adolescente de 15 anos, em iniciativas que ferem regras do Estatuto da Criança e do Adolescente. E ainda no episódio em que um homem em situação de rua da Lapa, recrutado sem saber que se tratava de uma ficção para uma produção, foi agredido por um segurança do político.
Mesmo se perder o mandato, a legislação eleitoral permite que o vereador dispute o cargo de deputado federal, em outubro.