Golpe do Tinder já corresponde a mais da metade dos sequestros de São Paulo
Segundo a Polícia Civil, 45 dos 75 casos instaurados na capital neste ano foram cometidos com a ajuda de aplicativos de relacionamento
Assim como consultas médicas, relacionamentos amorosos e até comemorações, alguns crimes migraram para o ambiente virtual durante a pandemia do coronavírus. É o caso da modalidade de sequestro conhecida como golpe do Tinder, uma tendência entre a bandidagem que se consolidou mesmo após o fim do isolamento social, segundo estatísticas criminais obtidas pelo GLOBO.
Segundo o Departamento de Operações Policiais Estratégicas da Polícia Civil de São Paulo, o chamado golpe do Tinder já corresponde a 60% de todos os sequestros praticados na capital neste ano. Dos 75 casos instaurados, 45 são referentes à extorsão com restrição de liberdade, popularmente conhecidos como sequestros relâmpagos, cometidos com a ajuda de aplicativos. Os outros 30 estão relacionados à extorsão mediante sequestro, quando há vítima em cativeiro com liberdade condicionada a pagamento de resgate.
— Esse tipo de sequestro mais dinâmico, diferente daqueles praticados nos anos 2000, em que a vítima ficava muito tempo em cativeiro, saltou na pandemia. Porque as pessoas pararam de circular na rua e foram para a internet. Todos os relacionamentos foram para o ambiente virtual — explica a delegada Carina Santanieli, da Divisão Antissequestro.
Padrão definido
O modo de atuação dos criminosos segue um padrão bem definido. As vítimas são encontradas nos aplicativos de relacionamento, atraídas por fotos aleatórias de mulheres jovens e saradas roubadas da internet.
De uma lista com mais de 30 aplicativos usados pelos bandidos, os mais populares são o Tinder e o Inner Circle. As vítimas, em sua maioria, são homens, moradores do centro expandido de São Paulo, em geral de bairros mais ricos, recém-separados, viúvos ou até casados. Segundo Carina, a preferência por homens, em vez de mulheres, pode ter relação com o “código de ética” da bandidagem.
Os golpistas têm idades que variam entre 18 e 30 anos, são essencialmente homens e já têm alguma relação anterior com a criminalidade. Carina conta que muitos migraram de outros crimes, como o do “falso frete”, modalidade de sequestro mais comum antes da pandemia. Nesses casos, os suspeitos entravam em contato com o motorista da carreta, o contratavam para fazer um frete e o sequestravam quando ele chegava ao local combinado para carregar. Levada para cativeiro, a vítima só era liberada depois de o caminhão chegar a um local seguro para os bandidos.
No golpe do Tinder, a participação de adolescentes tem chamado atenção da polícia. Eles podem tanto fazer a guarda dos cativeiros do lado de fora, para informar a aproximação de alguém, ou de dentro, vigiando a própria vítima. Embora minoria, também há mulheres envolvidas no esquema. Elas ajudam no aliciamento, emprestando suas vozes nas conversas telefônicas durante a suposta paquera, com o intuito de tirar informações e convencer os homens a irem aos encontros presenciais.
Zona de conforto
Só neste ano, 86 criminosos foram presos em São Paulo capital por praticarem o golpe do Tinder, de acordo com a Polícia Civil. Em 2019, antes do isolamento social, foram 45 detidos – um crescimento de 91% no período de três anos. De janeiro até novembro, três adolescentes foram apreendidos, diante de nenhum naquele ano.
Carina relata que há algumas quadrilhas especializadas nesse crime que atuam na capital e grande São Paulo. Elas agem nas regiões da Brasilândia e Taipas, na zona Norte, e no Jaguaré, na Oeste. Os encontros são marcados em ruas e praças dos arredores, nunca em locais mais monitorados com câmeras e seguranças, como shoppings.
— Os cativeiros são casas insalubres, que ninguém habita. Podem ser em comunidades ou no meio da mata. Quanto mais longe do centro, melhor. Porque os criminosos podem ser vistos durante o deslocamento, ser pegos em radares, por exemplo. Por isso, eles atraem as vítimas para bairros na zona de conforto deles — disse.
Quando chegam ao local combinado, as vítimas são “arrebatadas”, na linguagem policial, por criminosos a mão armada, encapuzadas e levadas para o cativeiro. Muitas são torturadas. Num caso recente, os bandidos deram tantos socos e coronhadas com a arma no rosto de um homem que ele ficou desfigurado, conta Carina. No cativeiro, os bandidos extorquem a vítima como podem. Roubam suas economias, abrem crediários e até mesmo novas contas bancárias em seus nomes.
— O prejuízo da vítima pode ser superior ao que ela, de fato, tem. Por isso, orientamos quando é solta que vá aos bancos para verificar se tem novas contas abertas no nome dela. Para ter noção do real prejuízo — reforça a delegada.
A dinâmica do sequestro dura entre 24 horas e 48 horas. Quanto mais tempo se mantém o cárcere, mais risco os criminosos correm. A polícia geralmente toma conhecimento dos casos pela própria família e, a partir daí, passa a investigá-los. Os agentes não se infiltram nos aplicativos travestidos de vítimas, para uma busca ativa de criminosos. Até hoje, não houve desfecho desse tipo de sequestro com morte, embora Carina não descarte a possibilidade.
— O criminoso não quer a morte, mas sim o dinheiro fácil. Se ele matar, pode se prejudicar mais. Ainda assim, o risco de morte é alto, porque eles são sempre agressivos, muitos usam drogas — afirma.
A expansão recente dos casos é tamanha que agentes das delegacias antissequestros têm virado madrugadas sem descanso para dar conta da demanda. Uma delegada chegou a brincar que irá espalhar faixas pelas ruas dos Jardins alertando: “não é um encontro amoroso, é o golpe do Tinder”.