Governo Bolsonaro pede investigação de médicos que realizaram aborto legal em criança estuprada
O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos pediu uma investigação contra a…
O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos pediu uma investigação contra a equipe médica que realizou o aborto legal na menina de 11 anos vítima de um estupro em Santa Catarina.
O CRM (Conselho Regional de Medicina) do estado recebeu o pedido do governo federal no dia 27 de junho –cinco dias após a realização do procedimento médico– e informou que investiga o caso.
O ministério alega que o “pedido de apuração sobre o caso partiu da própria população” porque a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos recebeu mais de 300 denúncias por meio do Disque 100 entre os dias 23 e 24 de junho. A informação foi revelada pela GloboNews e confirmada pela reportagem.
O presidente da Comissão Nacional Especializada de Violência Sexual e Aborto Previsto em Lei da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, Robinson Dias, afirma que não há crime para ser investigado.
No caso da menina de Santa Catarina, a interrupção da gravidez estava respaldada não só pela lei –que garante o direito ao aborto quando a pessoa é vítima de estupro–, mas também pela recomendação do MPF (Ministério Público Federal) para que o hospital realizasse o procedimento.
Para Dias, a iniciativa do Ministério da Mulher é “absurda” e, na prática, deixa os profissionais de saúde inseguros, inibindo o cumprimento da lei e do dever médico.
“Nós estamos estupefatos. Não achamos que seja uma ação que venha a somar, pelo contrário. Para a gente, soa como proselitismo religioso, fundamentalista, de interesse eleitoreiro. É como se quisessem chamar atenção para uma pauta antiaborto com fins eleitorais.”
O CRM-SC disse que a apuração começou “antes até da interrupção da gravidez”, mas não explicou por que a conduta da equipe médica precisa ser investigada.
“A autarquia federal é impossibilitada de comentar fatos que esteja apurando porque os processos são obrigatoriamente sigilosos, conforme determina o Código de Processo Ético-Profissional. O CRM-SC recebeu o ofício do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, no dia 27 de junho, porém a apuração já havia iniciado antes disso e antes até da interrupção da gravidez.”, afirmou o conselho em nota.
O Ministério da Mulher disse que também acionou “os órgãos do sistema de Justiça”. O MP-SC (Ministério Público de Santa Catarina) e o MPF afirmam, no entanto, que não foram procurados pela pasta.
“A Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, em sua missão, não faz juízo de valor sobre a informação apresentada pelo cidadão. Nesta linha, oficiou aos órgãos responsáveis de acordo com a demanda apresentada pelos denunciantes, como é de praxe”, afirmou o Ministério da Mulher.
“Todos os procedimentos de apuração e investigação são prerrogativas constitucionais e democráticas para todos os envolvidos, tendo em vista ser este espaço, o da apuração, o adequado para a apresentação de evidência, expostas à ampla defesa e o contraditório. Rechaçamos qualquer tentativa de colocar esta pasta contra a classe médica, integrante do Sistema de Garantia de Direitos e parceira deste ministério, ou qualquer outro segmento profissional.”
A criança só conseguiu interromper a gravidez depois que o caso foi revelado pelo site The Intercept Brasil, no mês passado, e o MPF enviou uma recomendação ao hospital ligado à UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), em Florianópolis.
Antes disso, a menina foi afastada da mãe e induzida a desistir do procedimento. O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e a Corregedoria-Geral da Justiça do TJ-SC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina) apuram a conduta da juíza Joana Ribeiro Zimmer. A magistrada perguntou à vítima se ela “suportaria” manter a gravidez “mais um pouquinho”.
A promotora do Ministério Público catarinense Mirela Dutra Alberton, segundo o Intercept, também sugeriu que a menina mantivesse a gestação para aumentar as chances de vida do feto. Depois do aborto, ela solicitou os restos mortais para uma investigação sobre a causa da morte.
O presidente Jair Bolsonaro (PL) disse que o caso era “sensível” e que o aborto só agravava ainda mais a tragédia. “Um bebê de sete meses de gestação, não se discute a forma que ele foi gerado, se está amparada ou não pela lei. É inadmissível falar em tirar a vida desse ser indefeso”, publicou em uma rede social.
Essa não é a primeira investida do Ministério da Mulher contra um caso de aborto legal. Em 2020, como mostrou o jornal Folha de S.Paulo, a então ministra da Mulher Damares Alves agiu nos bastidores para tentar impedir que uma menina do Espírito Santo de 10 anos vítima de estupro fosse submetida ao procedimento.
A operação coordenada pela ministra tinha como objetivo transferir a criança de São Mateus (ES), onde vivia, para um hospital em Jacareí (SP), onde aguardaria a evolução da gestação. A menina engravidou depois de quatro anos de abusos por parte do tio.
O aborto é autorizado em três casos no Brasil: gravidez decorrente de estupro, risco à vida da mulher e anencefalia do feto.