Governo não usa verba para profissionais de saúde, hospitais e alimentos
Em pouco mais de oito meses de pandemia do novo coronavírus, o governo Jair Bolsonaro…
Em pouco mais de oito meses de pandemia do novo coronavírus, o governo Jair Bolsonaro (sem partido) deixou de gastar dinheiro reservado para contratar médicos, reestruturar hospitais, comprar testes de Covid-19 para presídios e fomentar agricultura familiar para doação de alimentos. As informações constam de relatórios da Câmara.
A consultoria de Orçamento da casa lista pelo menos dez ações da gestão Bolsonaro que não avançaram, apesar da abertura imediata de créditos extraordinários. A verba foi liberada por meio de MPs (medidas provisórias).
Os relatórios com a execução orçamentária dos gastos previstos para o combate à Covid-19 trataram, além das ações nas regiões fortemente afetadas pela pandemia, de infraestrutura de hospitais universitários, com finalidade de criação de novos leitos, e hospitais de campanha em presídios.
Os créditos foram gerados dentro do chamado orçamento de guerra. Com ele, há flexibilização das regras fiscais até 31 de dezembro, prazo do estado de calamidade pública decretado em razão da pandemia do novo coronavírus.
No orçamento de guerra, a pandemia conta com gastos específicos, sem as amarras habituais para a criação de uma despesa. Assim, MPs foram editadas para garantir créditos a diferentes ministérios e órgãos do governo.
O gasto mais expressivo e conhecido do período é o auxílio emergencial, que já soma R$ 275,4 bilhões. Porém, em outras frentes, o governo não conseguiu gastar o dinheiro destinado para mitigar os efeitos da crise de saúde.
Uma MP em maio destinou dinheiro para o Ministério da Saúde contratar 5.000 profissionais por tempo determinado. Eles deveriam atuar em áreas mais impactadas pela pandemia.
O relatório mais recente da Câmara dos Deputados, com dados até o dia 20 de novembro, mostra que apenas 4,6% do dinheiro foi efetivamente gasto.
A pasta ficou autorizada a gastar R$ 338,2 milhões com a medida. Os pagamentos feitos não chegaram a R$ 16 milhões.
Na justificativa da MP, o ministro Paulo Guedes (Economia) afirmou que os gastos se restringiriam ao período de calamidade pública. O texto deixou de ser apreciado pelo Congresso e perdeu a eficácia em setembro.
Em nota, o Ministério da Saúde disse que as contratações de profissionais foram feitas a partir de demandas de estados e municípios, sem especificar quantas e o valor gasto.
Esses pedidos devem atender a critérios como a existência de novos leitos para Covid-19 e uma ocupação de UTIs superior a 70%. “É necessário que a localidade justifique não ter a possibilidade de contratação por meios próprios”, afirma.
Já a EBSERH (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares) tem garantidos, desde abril, R$ 70 milhões. O dinheiro foi destinado para reestruturar os prédios dos hospitais universitários para a abertura de novos leitos na pandemia.
A verba também deveria ser usada para a compra de equipamentos médicos. Até agora, foram gastos R$ 17,1 milhões.
Segundo a estatal, a execução orçamentária ocorre de acordo com a demanda dos hospitais. “Para a liberação e o empenho dos recursos, é avaliado previamente se a destinação dos itens a serem adquiridos será efetivamente para o combate à pandemia. Processos de compras tramitam na EBSERH”, afirmou a empresa, em nota.
Para os presídios brasileiros, onde a Covid-19 já matou 121 detentos e 89 agentes penitenciários, segundos dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), foram autorizados R$ 17,2 milhões para a compra de testes rápidos, a estruturação de hospitais de campanha, a aquisição de aparelhos de saúde e os serviços de telemedicina.
Os relatórios da Câmara mostram que o dinheiro é oriundo de uma MP de maio. No entanto, apenas R$ 2.400 foram efetivamente pagos, via Funpen (Fundo Penitenciário Nacional).
O Depen (Departamento Penitenciário Nacional) disse, em nota, que uma primeira MP, no valor de R$ 49 milhões, permitiu a compra de EPIs (equipamentos de proteção individual) e testes para os presídios.
Já a segunda MP, que terminou com gastos ínfimos pelo órgão do Ministério da Justiça, “foi baseada em planejamento inicial abrangente, considerando o cenário não conhecido sobre o avanço da doença no sistema prisional”.
O Ministério da Cidadania ainda não conseguiu gastar nada dos R$ 86,3 milhões autorizados, em setembro, para construir cisternas no Norte, Nordeste e Centro-Oeste. As estruturas visam ampliar o acesso a água potável.
Segundo a pasta, diferentemente do que consta da justificativa do texto, o dinheiro se destina a escolas do Norte. A Cidadania disse também que faltam ainda projetos, convênios e licitações, “que necessitam de estudo e prazos”.
O ministério ainda patina na destinação de recursos a 85,2 mil agricultores familiares. Uma linha de financiamento permitiria a doação de comida a milhões de famílias em insegurança alimentar.
Estão empenhados —com a autorização do gasto já formalizada— R$ 497,3 milhões. O valor efetivamente pago soma R$ 172,2 milhões, ou um terço do total.
A responsabilidade pela execução dos gastos é de estados e municípios, segundo o Ministério da Cidadania. “O ritmo de pagamento depende de cada ente executor”, afirmou a pasta.
O Itamaraty, com crédito extraordinário de R$ 50 bilhões para custear serviços de assistência a brasileiros no exterior durante a pandemia, não respondeu por que gastou apenas R$ 11,5 milhões.
O Ministério do Turismo, com R$ 5 bilhões para financiar o setor, tampouco usou o dinheiro para mitigar os efeitos econômicos da emergência.
Alegou, em nota, ter usado apenas metade dos recursos para instituições financeiras credenciadas e que, para o dinheiro chegar aos empreendedores, “é necessária operacionalização por parte dos agentes financeiros”. Relatórios ca Câmara mostram pagamentos efetivos de apenas 25% do valor (R$ 1,2 bilhão)
No caso do desenvolvimento da vacina, a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), vinculada ao Ministério da Saúde, já tem autorizados R$ 641,3 milhões para o processamento final e a absorção de tecnologia da vacina. Até agora, foram pagos R$ 5,7 milhões.
O gasto principal já feito foi com a encomenda do imunizante: R$ 1,28 bilhão.
A Fiocruz assinou contrato com a farmacêutica AstraZeneca para a produção de 100 milhões de doses da vacina desenvolvida em parceria com a Universidade de Oxford, na Inglaterra. Os testes estão na fase 3, com resultados preliminares apontando para uma eficácia de até 90%.