'LINDINHAS'

Governo pede suspensão de filme acusado de sexualizar crianças

Ministério dos Direitos Humanos também pediu que se apure a responsabilidade "pela oferta e distribuição de conteúdo pornográfico envolvendo crianças"

Cena de 'Lindinhas': em sites de crítica, um contraste entre as análises do público e da mídia especializada Foto: Reprodução

O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos enviou um ofício à Coordenação da Comissão Permanente da Infância e Juventude solicitando a suspensão imediata do filme “Cuties”, da Netflix. A pasta também pede que se apure a responsabilidade “pela oferta e distribuição de conteúdo pornográfico envolvendo crianças”.

O filme francês, que no Brasil recebeu o nome “Lindinhas”, é protagonizado por uma atriz negra de 11 anos e vem sendo alvo de ataques. A produção é acusada de hiperssexualizar crianças, tanto ao expor o corpo de meninas dançando, como também ao exibir situações de convívio das crianças.

A Netflix, no entanto, afirma que o filme é justamente o contrário. “Cuties é um comentário social contra a sexualização de crianças. É um filme premiado, uma história poderosa sobre a pressão que jovens enfrentam nas redes sociais e também da sociedade. Nós encorajaríamos qualquer pessoa que se preocupa com essas questões importantes a assistir ao filme”, disse a empresa em comunicado oficial divulgado anteriormente.

No documento, assinado na sexta-feira pelo secretário Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Maurício José Silva, o ministério afirma que o filme possui como pano de fundo “o fascínio pela dança, a busca pela liberdade, o desenvolvimento da identidade sexual e o conflito em relação à tradição religiosa de sua família”, mas, ao tratar desses assuntos, apresenta “cenas de pornografia infantil”.

“São múltiplas as cenas com close-ups das partes íntimas das meninas, enquanto estas reproduzem movimentos eróticos durante a dança, se contorcem e simulam práticas sexuais; tudo levando à normalização da hipersexualidade das crianças”, escreve Silva.

O pedido foi encaminhado à Coordenação da Comissão Permanente da Infância e Juventude, responsável por coordenar os procuradores que trabalham com a pauta da criança em todo o país. A pasta alega que, além da conduta criminosa, “há evidente retroalimentação da lascívia de pessoas que se sentem atraídas, sexualmente, por crianças e adolescentes, além do claro abastecimento da indústria de pornografia infantil”.

“[A secretaria] vê com extrema preocupação, a perpetuação do conteúdo retro mencionado, que longe de ser entretenimento ou liberdade de expressão, na verdade, afronta e fragiliza a normativa nacional de proteção à infância e adolescência, além de se tratar de apologia a crime de pornografia infantil”, escreve.

O ofício foi enviado após a ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, afirmar na semana passada que iria tomar providências contra o filme, no Twitter. Ela entende que a produção é um prato cheio para abusadores de crianças, que agora têm acesso a conteúdo impróprio com menores de idade, legalizado e livremente exibido.

O movimento no Brasil é semelhante ao que ocorre nos Estados Unidos. No começo do mês, senadores do Partido Republicano acionaram o Departamento de Justiça contra o filme. Integrantes do partido também lançaram uma petição online contra a produção, que já conta com mais de 409 mil assinaturas.

Divulgação ruidosa

Um dos estopins para todo o imbróglio foi um cartaz de divulgação lançado pela Netflix. Na peça, a protagonista está em cima de um palco, ao lado de três colegas, com trajes considerados, aos olhos de muitos, provocantes para meninas de apenas 11 anos.

A imagem, tirada de um trecho do filme sem expor seu contexto, acabou construindo um imenso teto de vidro para a empresa. Após uma onda de críticas, a Netflix removeu o cartaz publicitário de espaços físicos e virtuais. A empresa também pediu desculpas e assumiu que o uso de imagens foi “inapropriado”.

Qual tem sido a reação da crítica e do público?

Todas as polêmicas em torno do filme vêm afetando seu desempenho em sites de análise que contam com a participação dos espectadores.

No IMDB, por exemplo, “Cuties” já recebeu mais de 5,6 mil avaliações de internautas, numa escala de nota 0 a 10. Mais de 88% das pessoas atribuíram nota 1 ao filme, enquanto apenas 3% deram nota 10. Por lá, o longa tem média de 1,6.

No Rotten Tomatoes a situação não é muito diferente. “Cuties” tem, por enquanto, apenas 3% de resenhas positivas enviadas pelo público. No entanto, quando se joga o foco sobre a visão dos críticos, a coisa muda de figura: 88% de análises positivas.

“Merece muito ser visto. É uma obra delicada que encontra um ponto de equilíbrio cuidadoso ao retratar seu mundo”, elogia Bilge Ebiri, crítico da “New York Magazine” e do site “Vulture”.

David Fear, da “Rolling Stone”, elogia o filme e atenta para a inusitada controvérsia gerada em seu entorno: “De repente, um longa sensível sobre amadurecimento se tornou alvo de uma guerra cultural”.

No entanto, há críticas positivas a “Cuties” que não isentam a Netflix de sua culpa pela gênese das turbulências sobre seu lançamento.

A jornalista Clémence Michallon, do “Indepedent”, lamenta que o incidente com o cartaz tenha despertado muito barulho sobre o longa. E exalta o fato de que a produção premiada conta a história de uma menina negra e é dirigida por uma mulher negra, feitos que “contrariam as estatísticas”.