Governo retira dados sobre violência policial de relatório sobre direitos humanos
Dados de 2017 e 2018 apontavam para o crescimento das denúncias de violações cometidas por policiais
O Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos, comandado por Damares Alves, retirou os dados sobre violência policial do relatório divulgado pelo órgão sobre denúncias recebidas pelo governo federal por meio do Disque 100 referente ao ano de 2019. Os documentos anteriores, de 2018 e 2017, mostravam esse indicador e apontavam para o crescimento das denúncias de violações de direitos humanos cometidas por policiais. A retirada foi noticiada pelo jornal Folha de S. Paulo e confirmada pelo GLOBO. Segundo o ministério, os dados foram retirados devido a identificação de “inconsistências”.
Anualmente, o ministério divulga um relatório que compila os dados de todos os tipos de violações registradas pelo Disque 100. Neste ano, no entanto, os dados sobre violações praticadas por agentes policiais não foi publicado.
A retirada dos dados interrompeu uma série histórica que já tinha pelo menos três anos e que apontava para um crescimento da violência policial no Brasil.
Em 2016, segundo o MMFDH, o Brasil registrou 1.009 denúncias de violência policial. No ano seguinte, o crescimento foi de 30%, chegando a 1.319 denúncias. Em 2018, o crescimento foi de 24%, chegando a 1.637 denúncias.
A reportagem do GLOBO enviou questionamentos ao MMFDH sobre os motivos que levaram à retirada dos dados. O GLOBO indagou se a “inconsistência” nos dados apontada pelo MMFDH havia sido detectada apenas em relação à violência policial ou se havia afetado a divulgação de outros indicadores. Perguntou também se o ministério poderia divulgar algum documento que comprovasse a alegada inconsistência dos dados.
Como resposta, o MMFDH enviou apenas uma nota reafirmando que o motivo da exclusão dos dados sobre violência policial do relatório foi motivada por “inconsistência” nos registros e disse que não atendeu a nenhum pedido de “autoridade ou entidade”.
“Os dados referentes às denúncias de violações de Direitos Humanos tendo por suspeito agentes de segurança, não foram divulgados pois foram identificadas inconsistências em seus registros”, diz um trecho da nova.
“Desta forma, a opção de divulgação posterior foi técnica, para garantia da veracidade da informação, não ocorrendo qualquer pedido de não divulgação ou atraso por parte de qualquer autoridade ou entidade”, diz outro trecho da nota.
Ainda segundo o ministério, “há registros com marcador de suspeito como agente policial, mas na descrição as informações são contraditórias, assim como há registros que não possuem marcador mas as informações contém relação com violação supostamente praticada por agente policial”,
O Ministério disse que, para que “haja fidedignidade” dos dados, o ministério optou por não publicá-los para submetê-los a “estudo aprofundado” e posterior divulgação.
O GLOBO indagou qual a previsão de divulgação dos dados sobre violência policial, mas o MMFDH não respondeu.
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgou uma nota nesta sexta-feira afirmando ver com “preocupação” a omissão dos dados pelo MMFDH.
“O Fórum Brasileiro de Segurança Pública vê com preocupação a decisão do Governo Federal em excluir os dados de violência policial no relatório anual que contabiliza as denúncias de violações de Direitos Humanos recebidas pelo Disque 100”, diz um trecho da nota.
“Ainda que a justificativa esteja amparada em um suposto problema técnico, esses números descartados da publicação, referentes ao ano de 2019, são essenciais na formação de uma base de dados sólida e consistente”, diz outro trecho.
A entidade ainda criticou recentes episódios em que houve falta de transparência por parte do governo federal em relação à divulgação de dados públicos.
“A falta de transparência do Governo Federal e as reiteradas tentativas de alteração de metodologia de dados em diferentes fontes – mortes por Covid-19, números do desemprego, entre outros – colocam em dúvida a veracidade das informações divulgadas pelo executivo nacional”, disse.