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Governo usou projeções irreais e previu vacinação de 50% dos brasileiros em julho, diz CPI

Na cadeira de ministro da Saúde, o general da ativa Eduardo Pazuello usou projeções irreais…

Na cadeira de ministro da Saúde, o general da ativa Eduardo Pazuello usou projeções irreais para a vacinação contra a Covid-19 e levou em conta dados fantasiosos sobre a disponibilidade de doses até o fim do primeiro semestre de 2021. É o que registram dois documentos sigilosos do governo Jair Bolsonaro, enviados à CPI da Covid no Senado.

O gabinete de Pazuello considerava, em novembro de 2020, que metade da população estaria vacinada no primeiro semestre deste ano, que isso já asseguraria uma imunidade coletiva e que a retomada de atividades, em um ambiente sem a propagação do coronavírus, seria possível a partir de julho.

No mês anterior, em outubro, Pazuello fazia um cálculo ainda mais irreal. Para ele, o Brasil chegaria a meados de 2021 com capacidade de produção de 600 milhões a 800 milhões de doses de vacina e de ajudar países da região.

Ao fim do primeiro semestre de 2021, o cenário é completamente distinto do traçado pelo então ministro da Saúde em outubro e novembro de 2020. Pazuello foi demitido em março e hoje ocupa cargo de confiança no Planalto.

Até agora, apenas 11,4% da população total e 15% da população adulta recebeu as duas doses da vacina.

A Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), responsável pela produção do imunizante desenvolvido pela AstraZeneca e Universidade de Oxford, e o Instituto Butantan, que produz a Coronavac, entregaram até agora 103,8 milhões de doses ao PNI (Programa Nacional de Imunizações).

Procurado, o Ministério da Saúde não respondeu até a publicação deste texto.

Um dos documentos enviados à CPI da Covid é uma apresentação interna do Ministério da Saúde com detalhamento de um plano elaborado pela área de comunicação para subsidiar a atuação e o planejamento do gabinete de Pazuello. O documento foi confeccionado em outubro, com aplicação do plano prevista para novembro.

O ministério discutia o que fazer em relação à Coronavac, rejeitada por Bolsonaro em razão do protagonismo do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), mas decisiva para o início da vacinação contra a Covid, em janeiro.

O plano previa “mensagens-chave”, como a de que o Ministério da Saúde buscava uma “solução para o Brasil”. A pasta apoiava e financiava a compra da Coronavac, que seria incorporada ao PNI, segundo mensagem que deveria ser assimilada e replicada pela cúpula do ministério.

Segundo o documento, os “esforços do Ministério da Saúde” já garantiam, naquele momento, 186 milhões de doses: 46 milhões da Coronavac, 100 milhões da AstraZeneca e 40 milhões do consórcio internacional Covax Facility, viabilizado pela OMS (Organização Mundial da Saúde).

“Essa quantidade total garante a imunização de quase metade da população brasileira (93 milhões) ainda no primeiro semestre de 2021”, afirma o documento. “A vacinação de cerca de metade da população pode ser suficiente para o atingimento da imunidade coletiva, ou seja, para reduzir a um nível seguro a circulação do vírus no Brasil.”

Naquele momento, a Fiocruz já tinha assinado o contrato com a AstraZeneca para a garantia de 100,4 milhões de doses. Com o Butantan, foi diferente.

Em 20 de outubro, Pazuello anunciou a existência de um acordo para a compra de 46 milhões de doses da Coronavac. No dia seguinte, o ministro foi desautorizado por Bolsonaro.

Foi neste contexto que, ao receber a visita do presidente no hotel de trânsito do Exército, em Brasília, o general afirmou: “Senhores, é simples assim: um manda, e o outro obedece”.

A assinatura do contrato com o Butantan só foi comunicada pela gestão de Pazuello no começo de janeiro deste ano.

No caso da Covax Facility, o governo anunciou em setembro que havia decidido fazer parte da aliança internacional. A opção foi por apenas 42,5 milhões de doses, ou 10% da população.

Havia a possibilidade de adesão equivalente a 50% da população. A entrega das vacinas está programada até o fim deste ano.

“Estará tudo pronto para a retomada segura de atividades a partir de julho do ano que vem (ou xxxx meses [como consta do documento] após a aprovação da vacina pela Anvisa) graças aos diversos esforços do governo federal”, afirma o documento interno do Ministério da Saúde, de novembro de 2020.

As atividades foram retomadas, mas com alta circulação do vírus e mortes diárias por Covid superiores a 2.000.

O ministério calculava ainda que a Fiocruz teria a partir de abril a “tecnologia necessária” para produzir de 100 milhões a 165 milhões de doses, “podendo imunizar mais de 80% da população brasileira ainda em 2021”.

O contrato de transferência de tecnologia, que permite à Fiocruz produzir o IFA (ingrediente farmacêutico ativo) da vacina, só foi assinado no dia 1º de junho.

Até agora, a fundação entregou 53,8 milhões de doses ao PNI, sendo uma parte (4 milhões) importada da Índia e outra parte (49,8 milhões) produzida com IFA da China.

A projeção de que o Brasil estaria produzindo, neste momento, de 600 milhões a 800 milhões de doses de vacina foi feita por Pazuello a Carissa Etienne, diretora da Opas (Organização Pan-Americana de Saúde), braço da OMS nas Américas.

A reunião virtual ocorreu em 16 de outubro e o relato do que foi dito à diretora foi feito ao Itamaraty pela assessoria internacional do Ministério da Saúde.

Um telegrama diplomático, então, foi remetido às missões brasileiras junto à ONU (Organização das Nações Unidas) e à OEA (Organização dos Estados Americanos). Uma cópia do telegrama foi enviada à CPI.

“Biomanguinhos [unidade da Fiocruz] e o Instituto Butantan, aos quais se somam algumas fábricas privadas com arranjos específicos com outros laboratórios estrangeiros, em especial o Instituto Gamaleya da Rússia, terão capacidade de produzir de 600 a 800 milhões de doses até meados de 2021”, disse Pazuello à diretora da Opas.

“[O ministro] disse esperar que, com esse nível de produção, o Brasil possa contribuir ativamente para os esforços de imunização na região”, registra o telegrama.