BRASIL

Governo voltará a demarcar terras indígenas; saiba quais são

Essas áreas são as que já estão com todos os documentos prontos e poderiam ter sido homologadas em governos anteriores

Depois de quatro anos sem nenhum centímetro demarcado de novas terras indígenas, 13 devem sair do papel no começo do governo Lula. Juntas, ocupam 843 mil hectares. A expectativa é que a homologação seja feita nos primeiros cem dias da gestão.

Essas áreas são as que já estão com todos os documentos prontos e poderiam ter sido homologadas em governos anteriores. No entanto, quando o ex-presidente Jair Bolsonaro assumiu, avisou que não criaria nenhuma TI.

— As 13 novas terras vão representar mais do que uma demarcação. Serão uma sinalização de reparação das violações dos direitos dos povos indígenas nos últimos anos — defende Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

Distribuição de áreas indígenas que deverão ser demarcadas no início do governo Lula — Foto: Editoria de Arte

O Brasil tem oito terras indígenas homologadas e 441 regularizadas. Essas são as duas etapas finais do processo, quando grupos não indígenas são retirados da área. Juntas, têm 107,2 milhões de hectares. Isso corresponde a 12,5% do território brasileiro. Nelas, está vetado o arrendamento da terra, além da pesca, caça e extrativismo por não indígenas. Para a exploração de minerais, é preciso autorização do Congresso. Em tese, todas essas proteções já são direito das TIs antes da homologação. Mas na prática, é a partir desse momento que a lei passa a vigorar, afirmam especialistas.

— Os conflitos tendem a arrefecer na grande maioria dos casos. É o que vemos historicamente — afirma Márcio Santilli, sócio-fundador do Instituto Socioambiental (ISA).

Basta a homologação

Segundo Santilli, essas 13 terras já têm até demarcação física realizada — quando agentes da Funai sinalizam a mudança de status da área. Assim, basta ao presidente Lula assinar o termo de homologação para serem registradas no cartório de imóveis da comarca correspondente e na Secretaria de Patrimônio da União (SPU).

— Os recursos para a demarcação física já foram gastos. É um absurdo que elas não tenham sido homologadas há muitos anos — critica.

Estudos apontam que os territórios indígenas estão entre as principais barreiras contra o avanço do desmatamento no Brasil. Nos últimos 30 anos, esses espaços perderam apenas 1% de sua área de vegetação nativa, enquanto nas áreas privadas a perda foi de 20,6%.

Dados do MapBiomas mostram que a devastação entre 1990 e 2020 foi de 69 milhões de hectares no país. Somente 1,1 milhão foram nas terras indígenas.

— É um sonho se realizando. Já estamos preparando a festa — conta o cacique geral dos Povos Potiguaras, Sandro Gomes, que representa a Terra Indígena Potiguara de Monte-Mor, a mais populosa da lista, com mais de 9 mil habitantes.

Cacique assassinado

Contendo pelo menos parte de cinco aldeias diferentes, a Potiguara de Monte-Mor já teve em 2012 um cacique assassinado com dois tiros na cabeça. Poucos meses antes do crime, a comunidade da aldeia Brejinho havia retomado 90 hectares de área ocupada por fazendeiros de cana de açúcar. A área estava dentro da terra indígena já demarcada, mas sem ter o processo concluído — o que pode acontecer agora.

— É uma terra que é nossa, ninguém tomou. Estamos esperando há muitos anos e muitas lideranças já tombaram por essa luta. É uma conquista de luta. Somos um povo que nunca arreda pé do nosso território — afirmou Gomes.

Na Sul da Bahia, a demarcação da Terra Indígena Aldeia Velha vem de um luta iniciada em 1998. Naquele ano, um grupo de 35 famílias pataxós ocupou a área de uma fazenda de onde diziam que seus antepassados foram expulsos por grileiros, quatro décadas antes.

— O difícil foi entrar, agora não vamos sair mais. Nós queremos a demarcação de Aldeia Velha — defendeu Ipê, uma liderança da ocupação, há exatos 25 anos, ao jornal A Tarde.

De acordo com a prefeitura de Porto Seguro, foram encontrados sambaquis (acúmulos de materiais orgânicos e calcário fossilizados pela ação do tempo) na região de Aldeia Velha que indicam a presença de povos que viveram por ali entre 8 mil e 2 mil anos atrás. Há indícios, inclusive, de que a aldeia indígena que ali estava seria uma importante sede na localidade.

— Demarcar a Aldeia Velha é assegurar o direito histórico que temos como herdeiros de nossos ancestrais — defendeu Emerson Pataxó, vice-presidente da Associação de Jovens Indígenas Pataxó. — A verdade é que o que nos restou foram apenas recortes de terra do nosso antigo território.

Pouco tempo

Santilli explica que as terras indígenas já demarcadas estão concentradas na Amazônia Legal. Por isso, a partir de agora haverá cada vez mais demarcações em outros biomas brasileiros. Entre as 13 TIs que devem ser homologadas, nove estão no Cerrado, na Caatinga e na Mata Atlântica.

— Isso é indicativo das demandas que ainda faltam resolver, que estão em boa medida concentradas fora da Amazônia. Há um grau de ocupação fundiária maior nessas outras regiões. Isso gera mais conflitos, o que aumenta a judicialização e, portanto, mais demora — disse o sócio-fundador do ISA.

Depois dessas 13 homologações, ainda vai haver mais 61 terras declaradas pelo Ministério da Justiça, a etapa anterior à homologação. Há ainda 124 em identificação (o estágio mais inicial, em estudo por grupo de trabalho nomeado pela Funai) e 43 identificadas (terras com relatório aprovado pela presidência da Funai), segundo o painel Terras Indígenas do ISA.

Mesmo com o apoio do governo federal, é improvável que todas elas sejam homologadas em quatro anos, avalia Dinamam Tuxá, da Apib. Muitas são questionadas na Justiça.

— Mas vamos tentar homologar o máximo que der nesse período — diz o líder indígena, que se diz ainda traumatizado com os últimos quatro anos.