Grão-mestre da maçonaria de São Paulo é acusado de assédio sexual
Grão-mestre nega denúncias feitas por duas ex-funcionárias em São Paulo
No sábado (19), enquanto a avenida Paulista começava a ser tomada pelos milhares que marcharam contra o presidente Jair Bolsonaro, cerca de duas dúzias de pessoas ocuparam uma escadaria na Liberdade (região central de São Paulo) por outra causa.
“Não é não! Depois do não, tudo é assédio”, dizia o cartaz que convocava para o protesto em frente a uma fraternidade que mantém a tradição secular de não aceitar mulheres como membros.
Quase todo feminino, o pequeno ato na entrada da Grande Loja Maçônica do Estado de São Paulo, a Glesp, esbravejava contra a permanência de João José Xavier no posto de Sereníssimo Grão-Mestre desta que é uma das maiores correntes da maçonaria na América Latina.
Ele foi ejetado do cargo em novembro de 2020, após ordem do Superior Tribunal Maçônico. Xavier foi denunciado por assédio sexual por duas mulheres que trabalharam na Glesp, uma na administração, de 40 anos, outra na limpeza, de 29 anos.
Relatos como “ele bateu na minha bunda, alisou minhas coxas” e “me chamava de gostosa, de linda” integram o depoimento que elas prestaram à Justiça regular, também acionada, no dia 9 de setembro.
Narrou uma das denunciantes: “Ele começou a me chamar com frequência no gabinete, e a mostrar vídeos de mulheres de bunda de fora. E falava assim: ‘Nossa, loirinha, olha só essa moça, que bunda bonita, deve ser igual à sua, só que infelizmente eu não vi a sua, você não quer nada comigo, né?'”.
A faxineira afirmou ter recebido comentários como “você é muito boa de calça legging, imagina sem”.
Em fevereiro deste ano, Xavier retornou ao comando por determinação da Justiça comum. Seis membros da Glesp, então, recorreram mais uma vez ao tribunal maçônico para afastá-lo e aumentaram o escopo das acusações: além dos supostos crimes sexuais, evocaram denúncias de desvio de função e de patrimônio da instituição.
Exemplos: a compra de um touro de raça e o aluguel de um apartamento no centro paulistano, tudo em nome próprio. Em retaliação, Xavier suspendeu os direitos maçônicos (como o de frequentar qualquer atividade da Glesp) de todos os que o acusaram.
“Isso [o assédio] causou certa indignação aos homens maçons de bem, e eles foram atrás da Justiça. Então ele pegou e cassou várias pessoas, enfim”, resume Raquel Caselatto, 49, uma das mulheres na manifestação contra o grão-mestre. “Nós mulheres, as cunhadas, fizemos este protesto. Que seja feita justiça, né?”
Cunhada é o termo usado para se referir às esposas dos maçons. Raquel, por exemplo, é casada com Marcelo Caselatto, um dos associados suspensos por Xavier.
Em outubro de 2020, quando a Folha conversou pela primeira vez com as mulheres que processam o líder da Glesp, Xavier disse que as acusações foram orquestradas por um “pequeno grupo que perdeu a eleição [para grão-mestre] e não aceita a vontade dos eleitores”.
Procurado novamente, Xavier diz, por meio de seu advogado Luiz Fernando Muniz, que provará sua inocência nos tribunais e que as ações contra ele são “infelizmente motivadas por uma disputa política em torno do poder na Grande Loja Maçônica do Estado de São Paulo”.
Em junho do ano passado, continua a nota, a Glesp demitiu funcionários “para enxugar seu quadro de colaboradores e reduzir despesas por conta da pandemia, e esses desligamentos nada têm a ver com referido processo judicial (tanto que uma das testemunhas de acusação foi dispensada em outubro de 2019)”.
As duas mulheres e as três testemunhas que confirmaram o assédio relatado por elas foram demitidas na gestão de Xavier.
Para o advogado Cícero Barbosa dos Santos, maçom afiliado à Glesp, o protesto contra o Sereníssimo é uma “mudança de paradigma, porque até então as mulheres sempre foram relegadas a um plano secundário”.
Ao empunharem cartazes como “não é não, entendeu?” e “não é preciso ter agressão para ser abusivo”, elas protagonizaram um “momento histórico para a história da maçonaria”. As cunhadas concordam.