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Homem com vitiligo na Bahia tenta provar que é pardo para se manter em curso de medicina

Aluno, que entrou por cota, conseguiu liminar para seguir estudando enquanto caso é apurado

Gildásio Warllen dos Santos, 33, com vitiligo, entra por cotas raciais em medicina e tenta provar que é pardo para a UFSB - Arquivo pessoal

Um homem com vitiligo que ingressou no curso de medicina na UFSB (Universidade Federal do Sul da Bahia) por meio do sistema de cotas raciais tenta provar à instituição que é pardo para garantir a vaga.

Gildásio Warllen dos Santos, 33, tem vitiligo desde os dois anos e, segundo ele, tem o corpo 100% despigmentado. Na universidade (campus de Teixeira de Freitas), Santos cursou três anos do bacharelado interdisciplinar e atualmente finaliza o ciclo clínico em medicina.

Na UFSB, um estudante de medicina tem de cursar primeiro o bacharelado interdisciplinar (geral para a área de saúde), dois anos do ciclo clínico e mais dois de internato.

Santos tem registros fotográficos da infância e da adolescência que o mostram com a cor que ele considera parda, como se autodeclarou na inscrição para ingressar na UFSB pelo sistema de cotas destinado a negros e pardos.

“O vitiligo destruiu minha cor e agora a UFSB quer destruir minha identidade social, meus sonhos e meu futuro”, afirmou Santos. “Sou portador de vitiligo universal. Nasci pardo, sempre me autodeclarei assim”.

O prazo do processo administrativo para averiguação das características fenotípicas, estéticas e imagéticas que o fazem ou não ser pardo foi encerrado dia 14 de junho.

Segundo a UFSB, o relatório final do processo está pronto e não foi publicado ainda porque um dos membros que fazem parte da comissão de averiguação está de férias.

Caso o parecer seja negativo ao estudante, ele terá seu ingresso anulado e todas as disciplinas que cursou serão invalidadas –será expulso sem direito a nada.

Esse tipo de punição por suposta fraude nas cotas já atingiu sete alunos da universidade, todos de medicina, entre este ano e o ano passado.

Em 2021, já são quatro alunos punidos e em 2020 foram três, sendo que dois deles responderam ao processo por suposta fraude nas cotas para transgêneros —os demais foram em relação a cotas raciais.

Santos, no entanto, pode permanecer na universidade, caso a comissão avalie que ele não seja pardo.

É que no dia 28 de abril o estudante conseguiu liminar (decisão temporária) do TRF1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), em Brasília, que garante sua permanência no curso até o julgamento final do processo de apelação na Justiça.

Na decisão, o desembargador Antônio de Souza Prudente escreveu que “não se pode olvidar que, em matéria desse jaez, afigura-se de difícil estipulação prévia de critérios objetivos para essa finalidade, dado o seu caráter manifestamente subjetivo”.

“O suplicante fora admitido no curso de Medicina desde de 2018, encontrando-se, atualmente, na iminência de conclusão da graduação. Uma vez que autorizada [a matrícula], pela própria instituição, pressupõe-se o preenchimento dos requisitos legais necessários para essa finalidade, não se podendo admitir o seu superveniente cancelamento, em estágio avançado de conclusão”, diz a decisão.

Questionada se recorrerá da liminar, a UFSB afirmou que não foi notificada.

Na universidade, as possíveis fraudes nas cotas são averiguadas pelo Comitê de Acompanhamento da Política de Cotas (composta por 20 pessoas). Primeiro, os casos dos alunos são avaliados por uma comissão formada por três membros do comitê, que elaboram um relatório final dando parecer sobre o caso. O parecer é submetido ao comitê, cujos integrantes também dão sua opinião a respeito do assunto. Ao final, eles fazem um relatório final com o resultado.

Um dos casos que resultaram em expulsão este ano na UFSB por suposta fraude no sistema de cotas foi o da estudante Micaela Borges, concluído em maio.

A comissão da UFSB que absolveu a estudante por ver nela os traços fenotípicos de uma pessoa parda escreveu no relatório que foram adotados como critérios para avaliar se a pessoa é preta/parda a cor da pele, o tipo e estrutura do cabelo e os traços faciais.

Mas um membro do comitê, o professor doutor Hamilton Richard Alexandrino Ferreira dos Santos, foi contra e elaborou outro relatório, posto depois em votação e aprovado pelo comitê.

A estudante está recorrendo da decisão do comitê ainda na universidade, que terá de criar outra comissão independente para avaliar a situação. Ela também entrou na Justiça Federal com pedido de liminar, mas ainda não houve decisão judicial.

Também investigada pelo comitê da UFSB por suspeita de fraude nas cotas raciais, a estudante de medicina Jéssica Mayara Oliveira Afonso conseguiu na terça-feira (15) decisão liminar em seu favor, dada pelo desembargador federal Daniel Paes Ribeiro, do TRF1, em Brasília. A UFSB diz que não foi notificada desta decisão.

O presidente do Comitê de Acompanhamento da Política de Cotas da UFSB, Gabriel Nascimento dos Santos, disse à Folha que todos os processos contra os estudantes têm seguido o rito previsto, com possibilidade de ampla defesa.

Santos reclama que “as pessoas escuras não vêm acompanhando as brancas na universidade [em quantidade de estudantes], é um número muito aquém ainda”.

De acordo com Santos, ainda não foi denunciado na universidade nenhum caso de possível fraude contra o sistema de cotas envolvendo alunos de outros cursos, somente medicina.

Na Bahia, outro caso que chamou a atenção é o do estudante de medicina da Uesb (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia), Michelson Mendonça da Silva. Ele é ruivo e ingressou na universidade (campus de Vitória da Conquista) após dizer que é pardo, conforme mostrou a Folhaem 6 de fevereiro de 2020.

Após a publicação da reportagem, a Uesb divulgou que a comissão que avaliou o estudante concluiu em 3 de janeiro de 2020 que houve “irregularidade na autodeclaração étnico-racial apresentada pelo aluno, e recomendando a instauração de Processo Administrativo Disciplinar (PAD)”.

Nesta quarta-feira (16), a Uesb informou que “o PAD está em andamento, com audiências agendas para esta semana ainda”. E que, “por força de lei, o andamento do processo ficou parado, por um ano, durante a pandemia.”