SERGIPE

Homem morto por asfixia em viatura da PRF sonhava em fazer do filho um doutor

Morto por asfixia em viatura da PRF em Sergipe, Genivaldo Sobrinho deixou menino de 7 anos

Homem morto por asfixia em viatura da PRF sonhava em fazer do filho um doutor (arquivo pessoal)

A cena ainda permanece vívida na memória dela. Genivaldo de Jesus Santos vestia uma jaqueta jeans quando cruzou olhares pela primeira vez com Maria Fabiana dos Santos nas ruas de Umbaúba, cidade do sul de Sergipe.

O reencontro aconteceu dois dias depois e foi ela quem tomou a iniciativa de puxar assunto. Conversaram, mas ele tinha um jeito tímido e falava pouco. Ele a acompanhou até a porta de casa e ela pediu um beijo.

O beijo selou a relação que perdurou por 17 anos e foi encerrada de forma abrupta: Genivaldo foi morto por asfixia após agentes da PRF (Polícia Rodoviária Federal) soltarem gás lacrimogêneo e spray de pimenta no porta-malas da viatura em que foi colocado após uma abordagem nas margens da BR-101.

Ele havia sido parado por trafegar de moto sem capacete. Antes de ser colocado na viatura, foi imobilizado, atingido com spray nos olhos, jogado ao chão e recebeu chutes dos policiais. Testemunhas dizem que a ação durou cerca de 30 minutos.

Genivaldo tinha 38 anos, era negro e tinha esquizofrenia. Deixou esposa, mãe, 11 irmãos, um filho, um enteado e planos para o futuro que não vão mais se concretizar.

Nascido em uma família pobre de agricultores, ele viveu a infância na comunidade Mangabeira, na zona rural de Santa Luzia do Itanhy, cidade vizinha a Umbaúba, onde até hoje vivem a sua mãe e a maioria de seus irmãos.

Assim como os irmãos, Genivaldo alternava o dia entre a escola e o trabalho na roça, onde ajudava o pai no turno oposto ao das aulas. Mas deixou os estudos ainda nos primeiros anos do primário. Por ser um dos mais novos dentre 12 irmãos, ganhou o apelido de “moço” na família.

Com cerca de 20 anos, foi morar em Umbaúba junto com a irmã Damarise de Jesus Santos, 42. Ele já tinha sido diagnosticado com esquizofrenia, transtorno mental que tratava com medicação e visitas periódicas ao posto de saúde.

Foi nesta época que ele conheceu Fabiana, com quem se casou e passou a viver pouco tempo depois. Ela já tinha um filho, hoje com 18 anos, que Genivaldo ajudou a criar. Filha de mãe solo e criada por uma tia, Fabiana conseguiu dar ao filho um pai presente que ela não teve.

“Em nenhum momento eu tive dúvida de que ele seria um homem para mim. Tinha plena convicção de que ele poderia ter uma vida normal, ter uma família. Eu acreditei nisso e assim foi nesses 17 anos”, lembra.

O filho do casal, Enzo, veio dez anos depois do início do relacionamento e está com 7 anos. Desde que nasceu, passou a ser o centro da vida do pai.

Fabiana diz que Genivaldo era pai amoroso, dedicado e superprotetor. Mesmo com a renda familiar de um salário mínimo, matriculou o filho em uma escola particular da cidade.

O estudo era uma prioridade de Genivaldo, que queria que o filho tivesse as oportunidades que ele não teve na infância e na juventude. Costumava dizer que queria fazer do filho um doutor.

“Ele já chamava nosso filho de doutor Enzo e dizia ‘meu filho vai estudar, vai virar um doutor e vai cuidar do papai’”, lembra Fabiana.