Homens de meia-idade sofrem mais com isolamento social, diz pesquisa
O jornalista americano Billy Baker havia acabado de fazer 40 anos, era casado e tinha…
O jornalista americano Billy Baker havia acabado de fazer 40 anos, era casado e tinha dois filhos pequenos, quando seu editor disse que tinha uma pauta “perfeita para ele”: uma reportagem sobre o fato de homens de meia-idade não terem amigos. Foi um choque. Billy sempre se considerou um cara extrovertido, com vários amigos, uma vida bacana. Não se sentia um solitário. Mas descobriu que sim, ele era.
— Eu nunca me senti sozinho. Eu tinha amigos, mas não tinha tempo para eles. Sentia que algo faltava na minha vida, mas não sabia o que era. Não pensava “poxa, preciso de tempo com meus amigos”, era algo que eu deixava para depois que as coisas importantes fossem resolvidas, como trabalho, família, atividade física… Mas isso nunca é resolvido. E só então entendi que amizade é também uma coisa importante — afirma.
Billy escreveu a reportagem, que acabou fazendo tanto sucesso que gerou um livro, “Precisamos nos ver mais”, publicado no Brasil pela editora Sextante. O motivo por trás de tantas pessoas se identificarem com o jornalista é simples: o mundo vive uma epidemia de solidão.
Uma pesquisa de 2019 apontou que 61% dos americanos são comprovadamente solitários, porcentagem que havia crescido sete pontos de um ano para outro — antes dos impactos da pandemia. Outro grande estudo, conduzido pela AARP (uma ONG focada em pessoas com mais de 50 anos), mostrou que mais de 42 milhões de americanos acima dos 45 anos sofrem de “solidão crônica”. E isso não é um fenômeno exclusivo dos Estados Unidos.
Mas se Billy e tantos outros solitários não têm consciência disso, qual o problema? A questão é que, mesmo quando não sabemos que estamos sós, nosso corpo sabe. Pesquisa da Universidade Brigham Young, que usou dados de 3,5 milhões de pessoas coletados ao longo de 35 anos, descobriu que indivíduos solitários têm um aumento de 32% no risco de morte prematura.
Pesquisadores vinculados à Associação Americana do Coração constataram que o isolamento social e a solidão elevam o risco de infarto e acidente vascular cerebral (AVC) em até 30%. Isso sem falar em todas as perdas cognitivas e de saúde mental daqueles que não podem contar com outras pessoas.
Masculinidades
Em suas pesquisas para o livro, o jornalista descobriu que o gênero faz diferença.
— Eu sou um cara e nunca admitimos quando estamos vulneráveis e as coisas não vão bem. Eu não teria admitido se não fosse meu editor. As mulheres são mais bem equipadas como animais sociais, têm compaixão natural e quando o estresse acontece os mesmos químicos que levam um homem à resposta de luta ou fuga levam as mulheres a procurar outras pessoas, formar uma rede. Homens falam ombro a ombro e mulheres falam olho no olho. Mas há erros culturais também — afirma.
Para o psicólogo Alexandre Coimbra Amaral, que coordena um grupo terapêutico de homens, o problema maior está, justamente, nesses erros culturais.
— A sensação de conexão com o outro acontece quando o encontro não passa só pelo relato racional, pela troca de dados, as conquistas, os números, os projetos. Para que uma pessoa possa se sentir acompanhada, ela precisa se sentir vista e, para isso, precisa falar de si. É muito comum que os homens tenham poucas relações efetivas em que há, realmente, esse nível de entrega e intimidade. Essa conexão com o outro, em geral, os homens têm pouco — avalia Amaral.
Isso não vale para todos os homens, segundo o psicólogo. É uma questão muito mais presente nos héteros, que às vezes só se abrem mesmo com a mulher:
— Para o homem gay, essa dinâmica é diferente, porque a entrega da intimidade tem a ver com nosso lado mais feminino. O que barra isso no homem héteronormativo é que ele não pode mostrar o que não servir como vantagem competitiva. Ele só mostra o que o coloca no pódio da sociedade. Essa intimidade, que constrói o contrário da solidão, só se desenvolve numa perspectiva mais colaborativa da vida. É o oposto da competição: não preciso fazer tudo sozinho, posso ajudar e ser ajudado, posso falhar e reconhecer o direito do outro de ter falhas — analisa o psicólogo.
O impacto dessa forma de relacionamento preocupa Amaral. De acordo com ele, essa armadura impede que os homens se conectem com suas dores e desenvolvam questões de saúde física que, no fundo, têm “gênese emocional”.
Recriando laços
Billy Baker empreende, então, uma jornada em busca da amizade. Vive um fracasso total quando tenta retomar relações do ensino médio. Atravessa o Atlântico para tentar se reconectar com o melhor amigo que, surpresa, já nem morava mais nos Estados Unidos e ele não sabia. Mas, sobretudo, aprende a fazer novas conexões.
— O primeiro passo foi reconhecer que precisava melhorar nesse aspecto. A cura da solidão é a amizade. E para isso é preciso experimentar estratégias. Eu tentei coisas que deram errado, como reunir a turma da escola. O passado é legal de visitar, mas você não vive nele. É preciso fazer amigos na comunidade que está agora. Outra coisa é se colocar numa posição mais vulnerável, como fazemos numa relação amorosa — conta ele.
O jornalista considera que o caminho mais fácil é integrar ou criar uma tribo, que tenha algo em comum como, digamos, boliche. As pessoas se encontram semanalmente, têm aquele gosto em comum, vão criando conexões até surgir uma amizade. Ele também aconselha que se olhe para o colega de trabalho, que está cotidianamente ao seu lado e pode se tornar um bom amigo.
Outra estratégia do jornalista foi segmentar relações que, para ele, foram: a turma da academia, o grupo do pôquer nas noites de quarta, o amigo de surfe, outro de corrida, e outro com quem faz um podcast.
Talvez uma das dicas mais importantes dele seja abandonar a passividade: é preciso propor, receber não, propor de novo e ser específico: trocar o “precisamos nos ver mais” por “vamos almoçar no sábado?”. Uma hora acontece.
— Se você botar um pouquinho de esforço nas amizades, vai ter um retorno enorme. Não é como comer vegetais ou treinar por horas. É o caminho mais fácil para ter saúde. As pessoas sociáveis são mais felizes e saudáveis — conclui.