COMO FICA?

Incertezas de Trump e aço da China preocupam mais siderúrgicas brasileiras do que tarifas

Distribuidores e analistas apostam que EUA não terão alternativa para aço semiacabado brasileiro

SÃO PAULO (FOLHAPRESS) – Os anúncios frágeis de Donald Trump e a inundação de aço chinês no mercado brasileiro preocupam mais as siderúrgicas instaladas no país do que as próprias tarifas impostas pelos Estados Unidos. Isso porque, segundo quem acompanha o setor, dificilmente as empresas americanas conseguirão suprir a demanda pelo aço brasileiro no curto prazo.

As tarifas de 25% sobre todo aço que chega aos EUA começaram a valer nesta quarta-feira (12), apesar das tratativas do governo brasileiro com a Casa Branca para adiar a cobrança. Agora, até nova ordem, as empresas brasileiras não terão mais exportações isentas de impostos –os americanos aceitavam receber 3,5 milhões de toneladas de aço semiacabado sem tributação.

Nesta quarta, o Instituto Aço Brasil afirmou que as tarifas trarão perdas não só para a indústria de aço brasileira, mas também para a indústria americana e defendeu negociações entre os dois governos. Já o Ipea divulgou um estudo que aponta perdas de US$ 1,5 bilhão nas exportações brasileiras.

As siderúrgicas instaladas no Brasil são as maiores fornecedoras de aço semiacabado para os EUA –no ano passado, foram 3,4 milhões de toneladas, 60% do total importado pelos americanos. Esse produto é processado por siderúrgicas americanas, que o adaptam para as indústrias manufatureiras locais, como a automobilística.

O segundo maior fornecedor de aço semiacabado para os americanos são as siderúrgicas instaladas no México, que enviaram no ano passado 1,1 milhão de toneladas para o outro lado da fronteira. No ano passado, os EUA compraram 5,6 milhões de toneladas de aço semiacabado de todo o mundo.

A ideia de Trump com as tarifas é reduzir essas importações e incentivar as indústrias locais a aumentarem suas produções. Hoje, as siderúrgicas americanas produzem a cerca de 75% de sua capacidade, e Trump espera que as tarifas aumentem esse valor para ao menos 80%.

É improvável, no entanto, que as empresas americanas tenham capacidade e velocidade suficientes para substituírem essas importações. Isso porque os EUA também importam 20,6 milhões de toneladas de aço pronto para a indústria manufatureira e, segundo especialistas, é exatamente parte dessas importações que as siderúrgicas americanas escolherão substituir a médio prazo.

Além disso, o salto de cinco pontos percentuais na produção americana desejado por Trump adicionaria apenas 5,4 milhões de toneladas à produção anual do país, número bem inferior ao total importado pelos americanos.

“Isto seria insuficiente para substituir todas as importações, portanto, haveria espaço para manutenção de algum volume de importações, que precisa compensar o custo adicional da tarifa”, diz Germano Mendes de Paula, professor da Universidade Federal de Uberlândia.

“Mesmo assim, as exportações brasileiras serão afetadas, mas o tamanho do impacto depende do nível do preço do aço nos Estados Unidos, que ainda não mostrou estabilização”, acrescenta. Os preços do produto nos EUA, aliás, vem subindo nas últimas semanas.

Um exemplo das operações entre siderúrgicas brasileiras e americanas é a venda de aço semiacabado produzido nas usinas da ArcelorMittal no Espírito Santo e no Ceará para a Calvert, siderúrgica no Alabama de propriedade da própria Arcelor. No Brasil, o grupo consegue produzir até 15,5 milhões de toneladas de aço semiacabado, sendo que parte da produção ajuda a alimentar sua usina americana.

Além disso, a Ternium envia seu aço semiacabado fabricado no Rio de Janeiro para o México, onde ele é processado e enviado para os EUA ou comercializado no mercado local.

Carlos Jorge Loureiro, presidente do Inda (Instituto Nacional dos Distribuidores de Aço) aponta que, como a taxação de Trump é global, o produto brasileiro ainda terá competitividade com os dos demais países. Assim, como as indústrias americanas não conseguirão substituir grande parte das importações, elas precisarão continuar importando aço brasileiro. Isso, no entanto, poderia fazer a inflação americana crecer.

“Não é porque se criou imposto que eles vão comprar no mercado doméstico, pois lá não existe disponibilidade de placa de aço (produto semiacabado) para venda”, diz Loureiro.

O mesmo, porém, não deve acontecer com as exportações brasileiras de produtos acabados para os EUA. Antes das tarifas de Trump, as siderúrgicas instaladas no Brasil podiam vender 687 mil toneladas de aço acabado isento de imposto, mas a taxação reduzirá a competitividade do produto brasileiro –o país é apenas o oitavo maior vendedor desse tipo de aço para os EUA.

Entre as empresas brasileiras, a mais afetada com isso, segundo analistas, deve ser a CSN, que exporta aço de maior valor agregado para os EUA. Ainda assim, o impacto não deve ser tão grande, já que 70% da produção da siderúrgica é comercializada no mercado brasileiro.

Até agora, aliás, as tarifas de Trump não afetaram os contratos futuros do aço vendido no Brasil, segundo o dono de uma grande consumidora de aço da ArcelorMittal.

“Mas a gente sempre tem que trabalhar no ponto teórico, porque nada em relação a taxa é definitivo com o Trump, já que ele muda de opinião rapidamente”, pontua Loureiro. Ele se refere ao vai e vem do presidente americano, que já chegou a decretar e suspender tarifas sucessivas vezes nas últimas semanas.

A indefinição de Trump em relação às tarifas, por sinal, preocupa mais os investidores do que as próprias tarifas. Isso porque sem uma definição clara de qual será o impacto das medidas nas importações americanas, siderúrgicas e indústrias dependentes de aço tendem a adiar investimentos.

“As empresas podem considerar atrasar as suas compras de aço, porque elas preferem ver se alguma negociação vai ser feita, e isso provocaria redução de demanda”, afirma Larissa Wachholz, especialista sênior do Cebri e sócia da consultoria Vallya Participações.

Outra preocupação do setor que sobressai o receio das tarifas de Trump é a inundação de aço acabado chinês no mercado brasileiro. Com menor demanda interna por aço nos últimos anos, as siderúrgicas chinesas aumentaram a venda de seus produtos (mais baratos do mundo) para a América Latina. Hoje, a China é responsável por 60% das importações brasileiras, que vem crescendo ano a ano.

“O grande problema da siderurgia brasileira é a importação da China e não as tarifas americanas, já que os EUA vão ter que continuar importando nossas placas”, diz Loureiro, presidente do Inda. O setor defende que o governo brasileiro retire as cotas fixadas no ano passado e taxe em 25% todo aço chinês que entre no país.

Segundo a Alacero (Associação Latino-americana do Aço), a China exportou mais de 110 milhões de toneladas de aço acabado e semiacabado em 2024, das quais 14,2 milhões foram para a região –aumento de 129% em relação a 2024.

“Os países que não compreenderem os efeitos no mercado internacional da irrupção do gigante asiático serão os mais expostos a uma onda de inundação da sobreprodução da China, com a correspondente ameaça a toda a cadeia de valor”, diz Ezequiel Tavernelli, diretor executivo da Alacero.