CRISE

Inep impõe sigilo a processo que trata de entrada de PF em sala segura do Enem

Em ato considerado inédito, policial teve acesso a ambiente reservado onde são elaboradas provas do exame nacional

Inep impõe sigilo a processo que trata de entrada de PF em sala segura do Enem - (Foto: Shutterstock)

A presidência do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) tornou secreto o processo interno sobre o documento no qual há a permissão para a entrada de um policial federal na sala segura do órgão, onde exames como o Enem são elaborados. Servidores ainda denunciam que um documento teria sido apagado.

A entrada do policial no local, cujo acesso é bastante restrito, causou estranheza e preocupação nos funcionários técnicos do instituto. Tanto servidores como ex-dirigentes dizem que o episódio teria sido inédito.

Em resposta a um pedido de informação, a Polícia Federal afirmou à Folha que ao menos desde 2017 recebe solicitações do Inep para a realização de vistorias na gráfica responsável pela impressão das provas, mas não fez menção à sala segura em relação a anos anteriores.

A corporação disse que a inspeção realizada no espaço reservado na atual edição do Enem se referiu à “segurança do ambiente, dos equipamentos, do controle de acesso, dos níveis de segurança de acesso”, entre outros aspectos.

O caso veio à tona em meio à crise na qual vive o órgão ligado ao MEC (Ministério da Educação), com denúncias de pressão para interferir no conteúdo da prova e assédio moral sobre os trabalhadores.

Às vésperas do Enem, 37 servidores pediram exoneração de cargos de chefia em protesto contra o presidente do instituto, Danilo Dupas Ribeiro.

O agente da PF, segundo informou a corporação, teve acesso ao local no dia 2 de setembro. Dupas Ribeiro assinou um ofício em 20 de agosto em que prevê a avaliação do ambiente seguro do Inep e a emissão de um relatório com recomendações —a partir desse documento é que se autorizou, em outro ofício, o policial entrar na sala protegida.

O ofício está dentro de um processo, de número 23036.005279/2021-49.

Este processo, por sua vez, está com acesso restrito no sistema eletrônico de informações do governo. O ordenamento prevê que o gestor justifique o motivo da restrição a processos públicos, o que não teria ocorrido.

O Inep não respondeu questionamentos da Folha sobre o nome do agente que esteve no Inep e sobre a transparência do processo.

O chamado Afis (Ambiente Físico Integrado de Segurança) foi criado na esteira do vazamento da prova que ocorreu em 2009. A sala tem detectores de metais, monitoramento por câmeras e rígido controle de entrada, uma vez que a montagens das provas ocorrem no local.

Servidores relatam, sob condição de anonimato, que a liberação representa maior vulnerabilidade, embora não haja relatos de que o policial tenha tido visto questões ou o tema da redação do Enem.

Eles também estranham o sigilo do processo e o sumiço do sistema de um dos documentos relacionados à autorização de entrada —a associação de servidores já denunciou a exclusão de arquivos do sistema por ordem da presidência.

O presidente do Inep e o ministro da Educação, Milton Ribeiro, disseram nesta quarta-feira (17) no Congresso que a inspeção é normal. Ela teria ocorrido por causa de uma reforma nessa sala.

A autorização de entrada no ambiente teria sido assinada por Eduardo Carvalho Nepomuceno Alencar, assessor de Governança e Gestão Estratégica do Inep, segundo relatos que chegaram à Frente Parlamentar Mista de Educação, também ouvidos pela reportagem. Nepomuceno é pessoa de confiança de Dupas no Inep.

No dia em que o policial esteve no local, servidores foram pegos de surpresa. Um deles teria se prontificado a acompanhar o policial.

“Questionamos o ministro, solicitamos imagens do circuito interno e eles têm um mês para responder”, disse o presidente da Frente Mista de Educação, deputado Professor Israel Batista (PV-DF).

“Ministro tenta minimizar, mas o fato é que a presença se deu de maneira irregular, sua presença foi apagada do SEI [Sistema Eletrônico de Informações].”

À Folha Maria Inês Fini, que presidiu o Inep no governo do ex-presidente Michel Temer (MDB), falou sobre a atipicidade da vistoria feita pela PF na sala segura do Inep. “Nunca houve isso em nenhum ano anterior. Nunca. Jamais a Polícia Federal entrou numa sala segura do Inep”, disse.

Fini afirmou que, durante o período em que comandou o instituto, não viu a necessidade de policiais vistoriarem as dependências do Inep, embora ela reconheça o papel desempenhado pela PF no planejamento de segurança e na logística de aplicação do exame.

“Jamais houve necessidade de uma vistoria”, afirmou a ex-presidente do Inep. “A sala é excepcionalmente bem guardada. Até um brinco minúsculo que eu tenho era preciso retirar. Existe um scanner para você entrar lá, é feita uma identificação digital.”

Por meio de nota enviada pela assessoria de imprensa, a PF afirmou que todos os anos a corporação participa das atividades de verificação de segurança para a realização do Enem.

Na atual edição, segundo a corporação, o Inep solicitou escolta para os funcionários encarregados de transportar as mídias da prova regular e da videoprova até São Paulo, onde fica a gráfica responsável pela impressão. O órgão pediu também vistoria da gráfica e inspeção da sala segura em Brasília.

De acordo com a polícia, um perito da Divisão de Repressão a Crimes Cibernéticos inspecionou a sala segura no dia 2 de setembro. No dia 8 seguinte, dois peritos criminais federais lotados na Superintendência da PF em São Paulo realizaram vistoria na gráfica.

“A vistoria da Plural e a inspeção da sala segura têm a finalidade de averiguar as condições físicas de segurança destes locais e em nenhum momento ter acesso a qualquer material didático ou a eventuais questões de prova”, afirmou a polícia no comunicado.

No caso da sala segura, disse ainda a corporação, “a verificação se referiu à segurança do ambiente, dos equipamentos, do controle de acesso, dos níveis de segurança de acesso, saídas de emergência, existência de controles de biometria, enfim, os itens que garantiam que o local não fosse facilmente acessado por agentes externos”.

A PF disse ainda que a evolução do próprio exame demanda que as medidas de segurança contra fraudes se aprimorem a cada ano.