Influencer é acusado de perder R$ 30 mi após operação na Bolsa de Valores
Economista e digital influencer do ramo de mercado financeiro, Vinicius Ibrain prometia retorno de 10%
Com promessa de retorno de até 10% ao mês, um economista e digital influencer do ramo de mercado financeiro é apontado por investidores como causador de um prejuízo financeiro de R$ 30 milhões após uma única operação não dar certo na Bolsa de Valores. A estimativa é das vítimas ouvidas pelo UOL, que calculam existir 200 pessoas afetadas com as perdas.
A defesa de Vinicius Ibraim confirma que o trader financeiro realizou “uma operação malsucedida” na Bolsa de Valores que resultou na perda, mas nega que o economista tenha dado um golpe de estelionato nos investidores. Consultada, a Bolsa de Valores informou que Ibraim estava impedido de operar desde outubro de 2020.
Ibraim mora em Campinas (SP) e é conhecido nas redes sociais por conquistar adeptos a partir de operações ao vivo pela internet na Bolsa de Valores, como forma de dar transparência à prática e conquistar confiança dos investidores sobre como o dinheiro aplicado era manuseado e poderia ser rentável — ele conta com mais de 164 mil seguidores apenas no Instagram. Os recursos seriam depositados direto na conta corrente física do economista, dizem as vítimas.
Foi em uma dessas transmissões ao vivo que Ibraim teria causado o prejuízo aos investidores, em 27 de outubro. O acompanhamento das transações era restrito aos membros que tinham aplicações. Ele teria desligado a tela e sumido dos canais oficiais que tinha com os investidores.
No mesmo dia do prejuízo milionário, Ibraim apagou todas as redes sociais, o canal no YouTube e os sites. Ele também tirou do ar os cursos sobre aplicações financeiras disponíveis em plataformas educacionais online. Todos continuam fora do ar.
“Ele operava na Bolsa de Valores ao vivo, fazendo muito dinheiro em tempo real, atraindo muitas pessoas. Com isso, ele pegou uma agência de marketing, vendeu salas fechadas, onde as pessoas o viam operando. Ele criou um fundo e as pessoas debitavam valores direto na conta dele [Vinícius], garantindo um rendimento de pelo menos 2% mensal. Na última sala, operando ao vivo, simplesmente desligou a transmissão e sumiu. No pós-feriado do Dia de Finados, caiu a bomba de que desapareceu e ninguém sabe o que aconteceu”, relatou um investidor de 40 anos, que preferiu não se identificar.
A vítima aplicou mais de R$ 60 mil em agosto e ainda não conseguiu reaver o dinheiro. Ela diz que o clima no grupo de rede social composto pelos investimentos está bastante tenso em relação ao futuro sobre os ressarcimentos. “Está desesperador. Há pessoas dizendo que vão se matar. Outras ameaçando a família dele. Não sabemos onde isso pode chegar porque são 200 pessoas e não sabemos a personalidade de cada uma”, completa.
O UOL confirmou que houve prejuízo com outro investidor e mais duas pessoas ligadas às demais vítimas que aplicaram dinheiro no “Fundo Vinicius Ibraim”, como era chamado pelo economista. Eles confirmaram as informações, mas não quiseram dar entrevista para a reportagem.
O fundo administrado por Ibraim não está na lista de Comissão de Valores Mobiliários (CVM), autarquia que registra os fundos no Brasil, conforme consulta realizada pelo UOL. Para operar, é necessário o registro na autarquia.
A reportagem apurou que CVM tem um processo aberto contra Vinicius Ibraim, classificado como “denúncia” e protocolado em 27 de setembro de 2020 na Gerência de Proteção e Orientação de Investidores, departamento responsável por “analisar reclamações formais apresentadas pelo público em geral sobre a atuação de participantes do mercado”. O UOL solicitou vistas do processo e aguarda retorno.
Agência de marketing diz que também sofreu prejuízos
Vítimas ouvidas pelo UOL dizem que foram atraídas pelo marketing de Ibraim. A reportagem teve acesso a um print que mostra o proprietário da agência de publicidade, Jeferson Russeff, se identificando como sócio do trader.
Procurado, o empresário confirmou que se passava como sócio, mas que a atitude era uma estratégia de marketing. Ele argumentou que se classificava como proprietário do fundo por ganhar comissões em cima de cada nova adesão de cursos online e presenciais.
“Entrei com a estrutura de marketing. Nossa empresa ganhava com todo o suporte para a empresa do Vinicius, mas ele era o dono e manuseava todo o capital. Nada vinha direto para a nossa conta, era tudo para a dele. A gente ganhava comissão em cima do que produzíamos, que é o que fazemos: lançamento de produtos digitais”, argumentou Russeff.
O empresário diz que todas as pessoas que compraram o curso online na plataforma educacionais estão sendo reembolsadas, o que o fez ficar no prejuízo. Russeff registrou ontem um Boletim de Ocorrências Online contra Ibraim na Polícia Civil de Santa Catarina.
O UOL consultou o número da ocorrência e verificou que o documento ainda não teve encaminhamento para a delegacia responsável para dar andamento na investigação. “As pessoas dizem que sou sócio porque ganhava comissão. Eu tratava os clientes como se fosse da minha empresa, mas era apenas comissão, tanto que não tenho contrato verbal nem assinado sobre sociedade nenhuma com ele”, afirma.
Ibraim estava inadimplente com a Bolsa de Valores
Em um comunicado de 6 de outubro de 2020, a B3 – que é a Bolsa de Valores do Brasil – informou ao mercado que incluiu Vinicius Ibraim “na relação de comitentes inadimplentes, a pedido da corretora com a qual operava como investidor”.
Consultada pelo UOL, a B3 revelou que Ibraim estava impedido de operar na Bolsa de Valores. “Esse procedimento pode ser acionado por qualquer corretora quando um cliente seu deixe de liquidar débitos relativos às operações que realizar no ambiente da B3. Quando um investidor é incluído nesse rol, em razão de sua inadimplência perante a corretora, não pode mais operar para adquirir novos ativos ou assumir novas posições”, explicou.
Especialista aponta sinais de alerta a investidores
Os relatos das vítimas do Fundo Vinicius Ibraim podem indicar desacordo com a Instrução Normativa de número 555, de 17 de dezembro de 2014, da CVM. O artigo 89 do documento proíbe o administrador de “receber depósitos na própria conta corrente” e de “prometer rendimento predeterminado aos cotistas”.
“As pessoas devem consultar na CVM se o fundo está ativo e quem são os administradores e saúde financeira. É a fonte mais segura e confiável. Outro ponto é que não se deve fazer transferências diretas para o administrador, mas para o CNPJ do fundo. Qualquer oferta que garanta algum percentual não é segura. Não existe no mercado nada que garanta qualquer retorno atrelado ao fundo. Esses são sinais de alerta que não são fundos corretos”, orienta Cíntia Senna, doutoranda em Educação Financeira pela Florida Christian University (EUA) e membro conselheira da Associação Brasileira de Educadores Financeiros (Abefin).
“Reforçamos a necessidade de os investidores sempre se atentarem para informações que possam configurar fraudes, como promessas de retorno garantido, investimentos livres de riscos, lucros muito acima da média, além de verificarem as autorizações conferidas pelos órgãos brasileiros competentes”, corroborou a B3.
Trader devolverá dinheiro a investidores, garante advogado
Thiago Scopacasa, advogado de Vinicius Ibraim, argumentou que o economista decidiu sumir da internet para evitar ameaças após a “operação malsucedida” na Bolsa de Valores. “Ele vem sofrendo ameaças e cobranças. Teme pela sua vida, procurou se fechar, organizar e procurar gradativamente todos os clientes. Não só ele, mas toda a sua família vem sofrendo de pessoas não identificadas. A família não tem nenhum vínculo profissional com o Ibraim no fundo”, explicou o advogado.
A defesa ainda diz que “não tem informações de quais os dados do registro” do fundo na CVM, mas diz que ele está válido na autarquia. Ele também promete que Ibraim vai ressarcir todos os investidores.
“Não houve prática ilícita nem golpe a investidor. Sobre as questões técnicas, a defesa ainda não tem conhecimento sobre o ocorrido. Superficialmente, o que posso adiantar é que o Ibraim vai ressarcir todos os investidores que aplicaram dinheiro no seu fundo. Ele fez um trabalho na Bolsa de Valores que ainda não temos prejuízos de valores totais nem de quantas pessoas envolvidas no transtorno. Foi um prejuízo causado por uma operação malsucedida”, comentou.
O advogado não sabe a garantia que Ibraim está dando aos investidores sobre o ressarcimento. Na Receita Federal, o economista aparece como sócio em uma empresa de segurança com capital social de R$ 10 mil, em Campinas.