SÃO PAULO

Insulto a Alexandre de Moraes em clube de SP vira inquérito sigiloso

A Polícia Civil de São Paulo abriu inquérito sigiloso para investigar o caso de um…

A Polícia Civil de São Paulo abriu inquérito sigiloso para investigar o caso de um agente publicitário levado para a delegacia sob a suspeita de ter insultado o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), no Clube Pinheiros, na madrugada do último dia 3.

Conforme o registro policial, o membro do Supremo foi chamado de “careca ladrão”, “advogado do PCC” e “careca filha da puta”. A expressão “vamos fechar o STF” também foi dita, segundo o documento.

Moraes é sócio do clube e mora em um prédio ao lado da sede do Pinheiros, mas, diferentemente do que circulou em redes sociais, não estava no estabelecimento na noite de quinta para sexta-feira em que tudo aconteceu. Em uma das versões fantasiosas, ele teria saído do local sob escolta.

O boletim de ocorrência foi registrado por um policial militar integrante da escolta pessoal do ministro. Ele foi avisado por dois vigilantes particulares do edifício de Moraes que escutaram xingamentos ao magistrado vindos de dentro do clube, um dos mais tradicionais da capital paulista.

A área onde o grupo estava em uma mesa bebendo é separada da rua apenas por grades, de forma que é possível ver do lado de fora parte do ambiente. Segundo relatos, o magistrado também ouviu as ofensas.

Ocorrido às vésperas dos atos incitados pelo presidente Jair Bolsonaro no 7 de Setembro, o episódio provocou críticas ao ministro, que era um dos alvos dos protestos de raiz golpista. A reação ao incidente foi associada à realidade de “Estado policialesco” e suscitou debates sobre eventuais abusos.

Alexandre da Nova Forjaz, 49, foi apontado no boletim como o responsável pelos ataques e passou a ser investigado sob a suspeita de injúria, crime contra a honra que consiste em ofender a dignidade ou o decoro de alguém. O sócio do clube mora em São Paulo e trabalha com publicidade.

À reportagem ele disse não ter nada a declarar. Seu advogado, Renato Marino, afirmou que o cliente não foi o autor. Forjaz, que no dia da confusão foi levado pela Polícia Militar ao 14º Distrito Policial, em Pinheiros (zona oeste), já havia negado em depoimento ter proferido insultos ou ameaças ao ministro.

Conforme o registro policial, o membro do Supremo foi chamado de “careca ladrão”, “advogado do PCC” e “careca filha da puta”. A expressão “vamos fechar o STF” também foi dita, segundo o documento.

Moraes, por meio da assessoria de imprensa do STF, disse à reportagem que não comentaria o caso.

O relato do boletim, endossado à reportagem por pessoas que presenciaram a cena e acompanham o caso, diz que os dois vigilantes comunicaram o policial Alexandre José de Araújo, da escolta de Moraes, que “indivíduos embriagados” estavam “proferindo ameaças e injúrias” ao ministro naquela noite.

O PM foi pela rua até o local indicado e “constatou da calçada e por meio da grade do clube quatro indivíduos em uma mesa falando alto e ingerindo bebidas alcoólicas”. Araújo solicitou a um funcionário do Pinheiros que pedisse a eles para “cessarem os insultos e a importunação do sossego alheio”.

O agente da escolta disse que ficou no local até 1h, quando “os ânimos se acalmaram”, e que duas pessoas da mesa foram embora. Mas, ao voltar para sua base operacional, nas redondezas, foi comunicado pelos funcionários citados que a situação tinha recomeçado.

Ele contou que retornou às imediações do clube e, ao chegar à portaria, presenciou Forjaz proferir os dizeres que continham os termos “ladrão”, “advogado do PCC” e “filha da puta”, na direção do prédio onde mora o ministro.

Foi aí que Araújo acionou a Polícia Militar, “que o apoiou na condução do investigado” para a delegacia, por volta das 3h. Ele foi levado no compartimento traseiro do carro, sem algemas.

No depoimento ao delegado, Forjaz disse que estava no Pinheiros assistindo a um jogo de futebol “e que havia várias mesas insultando” Moraes, mas afirmou desconhecer essas outras pessoas. “Questionado acerca dos insultos ou ameaças, negou”, de acordo com o registro policial. Ele foi liberado em seguida.

Araújo, da equipe de escolta, afirmou após o acontecido que não recebeu ordens de Moraes para agir naquela noite e que apenas tomou providências que considerou pertinentes, diante de um possível crime. O PM registrou o boletim como representante da vítima. Procurado, ele não concedeu entrevista.

A Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo informou que o caso foi encaminhado ao 15º Distrito Policial, do Itaim Bibi (zona sul), onde foi instaurado inquérito policial, que está sob sigilo de Justiça.

Apoiadores de Bolsonaro passaram a reverberar o episódio imediatamente, reiterando críticas do presidente àquele que era então tido como um de seus inimigos no STF. Moraes é responsável por apurações que miram disparos de fake news e organização de atos antidemocráticos.

Após acordo de pacificação costurado pelo ex-presidente Michel Temer (MDB), Bolsonaro recuou na guerra ao Supremo. O presidente, que em um caminhão de som no dia 7 chamou Moraes de “canalha”, divulgou uma nota no dia 9 em que elogiou suas “qualidades como jurista e professor”.

O incidente no Pinheiros foi explorado pela deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP). Em um vídeo com o título “Vítima, juiz, acusador… e fiscal de mesa de bar?”, postado por ela no dia 5, a aliada do governo afirmou que os frequentadores do clube “falavam entre si o que achavam” do ministro.

Zambelli resgatou uma fala de Moraes em que ele falou que pessoas públicas estão sujeitas a críticas e que não cabe cerceamento de liberdade de expressão. Aos seguidores ela recomendou: “Ajam com respeito, respeitem as pessoas, mas não se sintam intimidados para falar o que vocês pensam”.

Em resposta a um comentário com a afirmação de que “estamos vivendo a ditadura da toga”, a parlamentar escreveu: “Lamentável”.

A altercação no clube foi debatida durante 17 minutos no programa “Morning Show”, da rádio Jovem Pan, no dia 6. Alguns dos apresentadores consideraram legítima a formalização da queixa e outros afirmaram que o episódio causava estranheza, sobretudo pela ausência do ministro no local.

O comentarista Adrilles Jorge citou “o clima policialesco” no Brasil e o “dedo-durismo” da época da Stasi (polícia secreta da antiga Alemanha Oriental). Também se perguntou se “tem uma polícia secreta do ‘Xandão'” e disse: “É uma indignação de um cidadão que não pode nem no boteco se expressar”.

O influenciador Rodrigo Constantino, em seu canal no YouTube, foi outro que repudiou o tratamento dado ao caso. “Essa turma [do STF] está instigando, além de tudo, o denuncismo. […] Onde é que isso vai parar?”. E opinou: “Quem é que não pega pesado num bar, conversando com os amigos?”.

Para advogados da área criminal consultados pela reportagem, que fizeram avaliações em tese e com base apenas no boletim de ocorrência, a abertura da investigação aparentemente se deu dentro da normalidade, com obediência a princípios legais e adequação aos trâmites.

Segundo os advogados Hugo Leonardo, presidente do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), e Marina Coelho Araújo, presidente do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), afirmações feitas dentro de um ambiente como o clube podem, sim, ser passíveis de responsabilização.

Ainda de acordo com eles, é cabível que outra pessoa que não seja a vítima leve o fato ao conhecimento das autoridades e a represente no registro policial. No caso de injúria, porém, a lei prevê que o ofendido precisa se manifestar e formalizar queixa-crime para que o processo tenha continuidade.

“Qualquer pessoa que testemunhar um crime pode noticiá-lo”, diz Leonardo. “Como a injúria é um tipo penal que depende de a pessoa reconhecer ou não se teve a honra subjetiva ofendida, a palavra dela durante as investigações é fundamental para que o caso prossiga e chegue à Justiça”, afirma.

“O crime contra a honra é leve, de menor potencial ofensivo. Tanto que não cabe flagrante. Falando em tese, injúria não é um crime que permitiria a condução de uma pessoa à delegacia. Seria um procedimento atípico, mas depende da avaliação feita pela polícia no local”, afirma o criminalista.

A assessoria de Moraes não informou se ele foi intimado e se tem intenção de requerer a continuidade do inquérito. A previsão nesse caso é um prazo de até seis meses, a partir da data do conhecimento da autoria do crime, para que a vítima apresente a queixa contra o investigado.

Para Marina, do IBCCrim, não há indícios de arbitrariedade no episódio, mas só o desenrolar das apurações elucidará as circunstâncias. “Clube não é um ambiente completamente privado, não é casa nem domicílio de ninguém. Estar ali não é salvo-conduto para uma pessoa falar o que quiser.”

Sobre o sigilo imposto ao inquérito, a especialista afirma que, embora a regra seja o princípio da publicidade, o segredo pode ser determinado para garantir tranquilidade ao andamento das investigações, principalmente quando envolvem pessoas públicas e situações controversas.

Procurado, o Pinheiros não se manifestou. Uma pessoa ligada ao clube disse, sob condição de anonimato, que foi aberta uma investigação interna sigilosa, que deverá contemplar aspectos como eventuais falhas nos protocolos de segurança e advertências a sócios por desrespeito ao regimento.

O advogado de Alexandre Forjaz, Renato Marino, disse que orientou o cliente a não se manifestar por enquanto, já que o caso está no início e os desdobramentos são desconhecidos. Segundo ele, o agente publicitário pode apontar os verdadeiros autores quando for chamado a dar esclarecimentos.

“É negativa de autoria. O fato de ele ter sido conduzido à delegacia na ‘gaiola’ [compartimento traseiro] da viatura já é de duvidosa legalidade. Ele não cometeu delito e não estava em situação de flagrante”, afirmou Marino.

“A minha atuação neste caso é [para] evitar que um homem de bem sirva de bode expiatório”, completou, sem querer entrar em detalhes. “Pegaram a pessoa errada.” Perfis de Forjaz em redes sociais contêm postagens de teor político genérico, sem ataques específicos a Moraes ou ao STF.